Apesar das difíceis negociações sobre os cargos europeus uma coisa é certa: a presidência da Comissão Europeia foi para um alemão. A Europa soube da escolha de Ursula von der Leyen no espaço de poucas horas. Depois de Manfred Weber ter andado seis meses a fazer campanha para o lugar de Jean-Claude Juncker no âmbito do processo do Spitzenkandidat. A ministra da Defesa alemã, da CDU, foi designada pelo Conselho Europeu, em vez do líder e candidato do Partido Popular Europeu à liderança da Comissão, que é da CSU, a congénere bávara do partido de Angela Merkel..Os socialistas preferiam a solução de compromisso Frans Timmermans, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros holandês, o que permitiria manter o processo do Spitzenkandidat e respeitar o Parlamento Europeu - uma vez que o Tratado de Lisboa diz que a escolha do presidente da Comissão Europeia deve refletir o resultado das eleições europeias. Estas foram ganhas pelo PPE, embora sem as vitórias do passado, tendo os Socialistas ficado em segundo lugar, seguidos dos liberais. Porém, os chefes do Estado e do governo da UE, reunidos em Bruxelas de domingo a terça-feira, decidiram matar o processo do Spitzenkandidat e escolher um nome que não estava entre os apresentados como possíveis pelos grupos políticos europeus..Seguiu-a a indignação. Entre os defensores do processo do Spitzenkandidat, de mais transparência e democracia na UE, entre os eurodeputados. Sobretudo os socialistas. E sobretudo os do SPD alemão. "Esta proposta é extremamente dececionante para nós. O nosso grupo permaneceu firme na defesa da democracia europeia e do processo do Spitzenkandidat, que não queremos que morra. É inaceitável que governos populistas representados no Conselho [Europeu] decidam descartar aquele que é o melhor candidato só porque ele se levantou em defesa do Estado de direito e dos nossos valores comuns europeus", declarou a líder dos Socialistas no Parlamento Europeu, a espanhola basca, Iratxe García, referindo-se ao boicote dos líderes do grupo de Visegrado (Polónia, República Checa, Hungria e Eslováquia) e de outros países ao nome de Timmermans.."Espero que o Conselho não tenha subavaliado a importância do Parlamento Europeu e da sua capacidade de decisão. (...) Mas, enfim, veremos, a partir de agora o processo segue noutra instância e vamos aguardar", disse, em Bruxelas, o primeiro-ministro português, António Costa, visivelmente desagradado com o resultado do Conselho Europeu e dando a entender que aquela que foi apresentada como "a solução possível" pode não ser plenamente satisfatória. "Se o Parlamento Europeu rejeitar as propostas", o Conselho "terá de voltar a pronunciar-se, necessariamente", vincou Costa, que tinha ajudado a negociar a solução de compromisso no âmbito de uma aliança de progressistas europeus. Esta incluía também os primeiros-ministros de Espanha, da Holanda e da Bélgica, Pedro Sánchez, Mark Rutte e Charles Michel, respetivamente, mais o presidente de França, Emmanuel Macron. Este último o grande dinamizador do novo - e terceiro - grupo político no Parlamento Europeu: Renovar a Europa.."Uma vitória de [Viktor] Orbán e companhia. Eles travaram Timmermans, que defende o Estado de direito. Os chefes do governo estão a fazer alguma coisa, o processo principal para escolha dos candidatos está morto. Von der #Leynen é a nossa ministra mais fraca. Pelos vistos isso é suficiente para ser presidente da Comissão", escreveu, no Twitter, o ex-líder do SPD alemão e ex-presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz. "Se Merkel nomeou Von der Leyen sem aprovação do governo, há uma clara violação das regras do governo federal - e isso é razão para sair do governo", declarou outro ex-líder do SPD, Sigmar Gabriel, citado pela revista alemã Der Spiegel. Mas será mesmo que a nomeação da ministra da Defesa alemã pode levar o SPD a sair da Grande Coligação? Será que o SPD quer mesmo fazer isso?."Eu não iria tão longe, não posso acusar a senhora Merkel de violar o acordo de coligação. Ela absteve-se na votação do Conselho", disse, por sua vez, à ZDF, Malu Dreyer, líder do governo regional da Renânia-Palatinado e do SPD. Os sociais-democratas alemães encontram-se sob uma liderança tripartida interina depois de Andrea Nahles se ter demitido do cargo na sequência dos maus resultados obtidos nas eleições europeias e nas eleições regionais no estado de Bremen a 26 de maio. Nas europeias, o SPD ficou em terceiro lugar, atrás dos Verdes e da CDU de Merkel. Naquelas regionais, perdeu pela primeira vez em 70 anos e ficou em segundo lugar..Markus Söder, líder da Baviera e da CSU, o partido de Manfred Weber, falou, por seu lado, contra o SPD. "O SPD fez questão de garantir que a Alemanha tenha sido o único país a não poder votar na Alemanha. Isso é certamente um momento único na história da República Federal da Alemanha e um fardo bastante pesado para a coligação.".No passado, no tempo de Gerhard Schröder, o SPD governou dois mandatos coligado com os Verdes. Merkel e a CDU poderiam eventualmente coligar-se agora aos Verdes se os sociais-democratas batessem a porta por causa do caso Ursula von der Leyen. Mas os Verdes têm muitos anticorpos em relação a Merkel, a quem não perdoam o escândalo do chamado Diselgate. E que exigem coisas como o encerramento do velho aeroporto de Tegel, mesmo se isso vai contra a vontade expressa em referendo pela população de Berlim..Depois de Schröder veio Merkel e com ela regressaram as grandes coligações (o precedente de uma aliança CDU/CSU-SPD ocorrera entre 1966 e 1969). Nos primeiros anos a aventura nem correu muito mal, a chanceler conservadora e o seu então ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, lideraram com mão de ferro a crise do euro. Merkel, que tanto criticara o salário mínimo, cedeu, de forma pragmática, à exigência do SPD no sentido de criar um na Alemanha. Mas, à medida que o tempo passava, tornava-se cada vez mais difícil diferenciar o que era CDU/CSU e o que era SPD. Quando Merkel abriu as portas a 1,5 milhões de refugiados e migrantes em 2015, os sociais-democratas, pró-integração de migrantes, ficaram sem o que apontar à chanceler na campanha das legislativas de 2017, ao contrário, por exemplo, da AfD. O partido de extrema-direita capitalizou o descontentamento, sobretudo na Alemanha de Leste, tendo levado a extrema-direita de volta ao Bundestag pela primeira vez no pós-Segunda Guerra Mundial..A AfD conseguiu entrar no Bundestag, nos Parlamentos de todos os estados federados e manter-se estável nas sondagens (na última surgia empatada com o SPD com 13%). A haver eleições antecipadas, poderia roubar ainda mais votos à CDU/CSU. Os ataques do ex-líder da CSU a Merkel não surtiram grande efeito e, apesar deles, Horst Seehofer, que é ministro do Interior da Alemanha, viu a sua CSU perder a maioria absoluta que tinha no parlamento regional desde 1957. Também muito por causa do efeito AfD..Neste ano há ainda mais três eleições regionais, nos estados de Brademburgo, da Saxónia (ambos a 1 de setembro) e da Turíngia (a 27 de outubro). No primeiro, nas sondagens, o SPD surge empatado com a AfD com 19% das intenções de voto. No segundo, a AfD está empatada com a CDU nos 26%, surgindo o SPD apenas em quinto lugar. No terceiro, a CDU surge em primeiro, com 26%, o Die Linke em segundo com 24%, a AfD em terceiro com 20% e o SPD em terceiro, empatado com os Verdes nos 10%. A nível federal, caso houvesse legislativas agora na Alemanha, os Verdes surgem na liderança das sondagens com 26%, a CDU em segundo com 25%, seguida do SPD e da AfD, empatados nos 13%..A somar a tudo isto, a evidência de que Merkel parece ter-se equivocado na sucessora como líder da CDU. Annegret Kramp-Karrenbauer, conhecida como AKK, tem baixa taxa de aprovação e a sua guerra com os youtubers comeu-lhe muitos pontos. Estes apelaram, nas europeias, a um voto contra os partidos da Grande Coligação. Ela respondeu sugerindo uma censura aos youtubers e o resultado foi desastroso. AKK tornou-se depois o alvo favorito dos youtubers alemães. Em entrevista recente à CNN, a chanceler, de 64 anos, deixou claro que não pretende sair antes do final do mandato, ou seja, 2021. Mas isso foi antes de ser vista a tremer, de forma descontrolada, em eventos públicos, por duas vezes. Apesar de tudo, a chanceler e a sua assessoria diz que está tudo bem. Agora, dizem os media, AKK poderá substituir Ursula von der Leyen na pasta da Defesa. E das duas uma: provar que pode realmente ser uma líder ou que Merkel tem, de facto, de escolher uma outra sucessora para a chancelaria..Entretanto, Von der Leyen esteve no Parlamento Europeu, na quarta-feira, para tentar convencer os eurodeputados a votarem favoravelmente à sua escolha para a presidência da Comissão Europeia. "Tenciono ouvir muito, de forma a desenvolver, nas próximas duas semanas, um diálogo com o Conselho e o Parlamento, uma visão para os próximos cinco anos para a Europa", declarou a ministra da Defesa alemã, em declarações à imprensa, em Estrasburgo. No mesmo local, Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, também criticado por ter permitido a morte do processo do Spitzenkandidat, pediu ao Parlamento Europeu que aprove o nome da governante alemã para o lugar de Juncker.."Para alguns, o Parlamento representa a genuína democracia europeia, dado os seus membros serem diretamente eleitos, enquanto para outros é o Conselho Europeu, dada a forte legitimidade democrática dos líderes. Na verdade, estas disputas não fazem sentido, porque ambas as instituições são democráticas. No fim, temos de nos respeitar mutuamente e cooperar", declarou o polaco, acrescentando que foi por isso que, no processo de conversações, se encontrou com representantes dos grupos políticos representantes do hemiciclo "muitas vezes". Também Juncker, através do seu porta-voz, fez saber que "assegurou à candidata [Von der Leyen] que pode contar com o apoio da Comissão e com o seu apoio pessoal para garantir uma transição suave, caso seja eleita pelo Parlamento Europeu". Caso seja eleita. A batalha segue dentro de momentos, quando a alemã apresentar o seu programa em Estrasburgo e for a votos, presumivelmente na sessão plenária que decorre entre os dias 15 e 18 de julho.