O dia 26 de janeiro de 2016 marcou a vida de Gabriel Boavida. O irmão, o ator José Boavida, morreu aos 51 anos, vítima de uma paragem cardiorrespiratória, a poucos metros do hospital Amadora-Sintra, depois de ter estado 20 dias em coma com "o cérebro todo destruído"..José Boavida não foi socorrido nos primeiros cinco, dez ou 15 minutos, foi socorrido ao fim de 40. As jovens que o encontraram não sabiam fazer manobras de reanimação, não o puderam ajudar. A agravar a situação: o hospital Amadora-Sintra não tinha naquele dia disponível a VEMER (viatura de emergência médica e de reanimação) que era obrigatória..Tudo isto foi apurado e denunciado por Gabriel Boavida na altura, após ter conseguido reconstituir tudo o que aconteceu ao irmão. Entre dor, revolta e tristeza, Gabriel, fisioterapeuta de formação, ficou sem saber o que fazer: processava o Estado português ou fazia algo diferente? Passada a fase da indignação, "decidi seguir em frente e fazer algo pelo meu país. Passei à ação, à cidadania positiva, que falta muito em Portugal", comenta..Com outros criou o Movimento Cívico Salvar Mais Vidas, para que a formação em manobras de reanimação chegue à sociedade civil, porque "a diferença entre a vida e a morte está aqui", argumenta. A diferença entre os cinco ou os dez minutos a partir dos quais 20% do cérebro começa a morrer e a hipótese de se sobreviver com qualidade vai diminuindo - e pode estar em qualquer cidadão que saiba identificar e atuar perante uma paragem cardiorrespiratória..E é neste sentido que o movimento cívico tem vindo a sensibilizar a população, primeiro a nível local, depois a nível central, junto da comunidade política e do Parlamento. Por isso, o dia hoje "é esperado ansiosamente pelo movimento", admite. É o dia em que os deputados da nação irão discutir e apreciar a petição sobre "Reanimação cardíaca é um direito de todos os cidadãos", entregue na Assembleia da República em março do ano passado com 7294 assinaturas. A partir daqui, a sociedade civil ficará com legitimidade para reivindicar e exigir ao governo que as propostas aprovadas sejam implementadas..Neste tempo, a AR validou as assinaturas, nomeou um relator e agendou a discussão do documento. O movimento aproveitou este interregno para solicitar audiências a todos os partidos para os sensibilizar. "Fomos recebidos por todos, à exceção do PAN. Trabalhámos arduamente com todos e, ao fim deste tempo, há vários projetos de resolução. Desde março até agora foram entregues projetos do BE, do PCP, do CDS, do PEV e do PSD, entregue na segunda-feira..A base de quase todos os projetos "é a petição que entregámos" e teria sido "bonito que tal fosse assumido pelos deputados", comenta Gabriel Boavida..Alunos dos 10.º, 11.º e 12.º devem ter formação em suporte básico de vida.No manifesto que levou à sua criação, o movimento - que Gabriel diz serem técnicos de saúde, professores, estudantes universitários, cidadãos comuns - refere que a reanimação é um direito e que o saber reanimar é um dever. É com este lema que consideram que se constrói um "país mais bem preparado para responder a emergências médicas e a situações de paragem cardiorrespiratória.".Um dos objetivos do movimento é que até 2030 um terço da população saiba fazer suporte básico de vida (SBV), utilizar um desfibrilhador (técnica de desfibrilhação automática externa - DAE). Só desta forma será possível corrigir a taxa de sobrevivência de 3% registada atualmente. Uma taxa muito baixa tendo em conta a de outros países, como Holanda, onde a taxa de sobrevivência é de 30%, e EUA, onde em alguns estados esta taxa é de 50% ..A petição que hoje será discutida solicita à AR que legisle no sentido de tornar obrigatório o ensino de SBV-DAE a todos os alunos dos 10.º, 11.º e 12.º anos, uma vez por ano, durante três horas seguidas, e 50% do tempo seria ocupado com aulas práticas. Esta aprendizagem deveria ser precedida de uma formação em noções básicas de socorrismo nos 7.º, 8.º e 9.º anos..Todos os partidos aceitaram incluir esta medida nos seus projetos de resolução, propondo alguns que seja iniciada já no próximo ano letivo. "Não cabe na cabeça de ninguém que um aluno do 12.º ano saia do secundário com noções complexas em várias matérias, desde a Matemática à Física, da História ou ao Português, mas não saiba salvar uma pessoa", refere Gabriel Boavida..A formação deverá ser dada por técnicos acreditados. Na opinião de Gabriel Boavida, o ideal é que pudesse ser dada por técnicos a todos os alunos, mas "não há recursos humanos para o socorro, quanto mais para dar formação". Por isso, defende, esta formação deverá ser dada aos professores, que depois passarão os conhecimentos..Esta situação já é possível e o concelho de Sintra tem sido exemplo. Depois de formar o movimento, Gabriel Boavida foi recebido pelo presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, que foi muito sensível aos nossos objetivos. Foi através dele que Gabriel diz ter sido possível colocar a VEMER que faltava no hospital Amadora-Sintra quando o seu irmão necessitou de socorro. "Neste momento é a viatura com mais saídas por ano e que mais salva vidas", argumenta..Mas não só. No concelho foi também introduzido um projeto nas escolas destinado à formação de professores e de alunos do secundário. "Está a fazer um ano que uma aluna sofreu uma paragem cardiorrespiratória e foi salva por uma professora que tinha feito esta formação", argumenta..Neste momento, "no concelho de Sintra há quase mil jovens com formação em manobras de suporte básico de vida", diz Gabriel Boavida..Bombeiros, GNR, treinadores, personal trainers devem saber reanimar.Em segundo lugar, a petição solicita que esta formação seja igualmente obrigatória para algumas profissões, nomeadamente para "médicos, enfermeiros, cardiopneumologistas, fisioterapeutas, dentistas, farmacêuticos, outros profissionais de saúde, bombeiros, treinadores e personal trainers, vigilantes, novos polícias, novos militares, novos professores, etc.". Mais uma proposta que foi aceite e incluída nos projetos dos partidos..Na Europa, há países como a Suíça e a Holanda em que os alunos das escolas de condução são obrigados a fazer esta formação..Por fim, a proposta que o movimento cívico considera fundamental é o aumento do número de desfibrilhadores disponíveis em espaços com acesso público, desde centros comerciais, unidades hoteleiras, monumentos, áreas de diversão, embarcações turísticas, ginásios, transportes, etc..Neste momento, em Portugal há apenas 2400 aparelhos de desfibrilhação, o que "é muito pouco comparado com o que acontece noutros países. Na Holanda, por exemplo, há cerca de cem mil que estão acessíveis em espaços públicos"..Neste ano, este movimento conseguiu que todas as 40 viaturas do Instituto de Socorros a Náufragos tenham um desfibrilhador para poderem atuar se necessário. Em Sintra, a autarquia deu um às 29 escolas e formou 176 professores..O caminho está a ser feito aos poucos. E Gabriel Boavida alerta que estamos perante um problema de saúde pública. "Basta referir que a sida mata 300 pessoas por ano, os acidentes rodoviários 600 e as paragens cardiorrespiratórias, 12 mil. É a principal causa de morte fora dos hospitais.".O DN apurou que após a sessão plenária de sexta-feira, os seis projetos de resolução apresentados pelos partidos, foram votados por unanimidade, descendo à Comissão Parlamentar da Saúde para serem discutidos. .A questão não deve ficar resolvida ainda nesta legislatura, mas, na próxima, o tema deve fazer parte da agenda de trabalhos dos deputados, podendo os documentos agora votados resultarem num só ou até mesmo num projeto de lei. .Notícia atualizada a 10-7-2019