Os populismos, com definições várias mas com um traço unificador, talvez possam encontrar na atitude de reprovação de uma ordem estabelecida a identificação geral dos movimentos sem necessariamente terem um projeto de substituição..Talvez se tenha encontrado a primeira identificação nos fins do século XIX na Rússia, quando se desenvolveu um movimento de base agrária antiocidental com referências da mesma origem na própria França, com o chamado boulangismo, e na América do Sul com a ditadura de Getúlio Vargas, ou de Perón na Argentina, tudo segundo a investigação de Guy Hermet..Conforme os tempos, identificam-se por apelos de liberdade contra o regime vigente, embora diferente em cada época e Estado. Por isso, agora, na circunstância do globalismo, os movimentos que assumem o traço identificador do populismo não se referem necessariamente a um Estado, mas a associações de Estados, como se passa com a União Europeia, ou contra a própria situação visível mas insuficientemente racionalizada da interdependência global. A União Europeia é objeto de movimentos com essa natureza, de que recentes eleições, designadamente na Alemanha, na Áustria, na Itália, na França, só a servirem de lembrança, parecem atingidas, movidos designadamente pelas inquietações provocadas pelo turbilhão das migrações em busca de acolhimento para salvar a vida e algum sonho de futuro, com invocação do princípio que afirma que o globo é "terra casa comum dos homens", ou fazendo antes ressuscitar a memória do passado diferente, contrariado pela estrutura e intervenção da frágil nova ordem em que vivemos..Na União Europeia tornou-se referência o movimento da Frente Nacional francesa, que tem obtido variável apoio do eleitorado, mas sem atingir o poder. A presença do yes we can britânico que conduziu, na evolução, ao inquietante brexit atual também não é de excluir das causas do crescimento do populismo, assim como a lembrança do franquismo veio acrescentar inquietação causada pelo nacionalismo da Catalunha. Mas, nesta data, uma nova causa dinamizadora do populismo parece nascer pelo aparecimento das fações em relação à Igreja Católica, o que, para começo, parece aconselhar a releitura das intervenções de Lutero e das suas consequências, nem todas políticas, quer no plano dos Estados europeus quer das revoltas da sociedade civil..O Papa Francisco, que os cardeais foram buscar ao fim do mundo, tem sido um dos líderes mais interventores e escutado, senão o mais influente, do apelo à não exclusão agressiva baseada na etnia, na cultura, na fé, nos comportamentos da sociedade civil. A súbita denuncia mundial da violação dos mandamentos, sobretudo no que toca à regra sem exceções da proteção dos pequeninos, exige a qualquer instituição, e sobretudo sendo religiosa, uma reação baseada na mobilização interna a favor da reposição da autenticidade, uma implacável condenação dos violadores, e a lembrança de que dentro da Igreja não existe prescrição, e não qualquer impedimento a uma das consequências da sempre insuficiência, da Igreja e do Estado, que é abrir o caminho sem embaraços ao Ministério Público..Também neste domínio existe a necessidade, que é evidente no domínio do Estado, de verificar e distinguir entre corrupção no sistema e a fragilidade desse violado sistema. Neste caso, a corrupção do sistema - prática dos crimes e encobrimento - está na competência da instituição restitui-la implacavelmente à pureza; mas está na competência da autoridade do Estado, especialmente do poder judicial, exercer uma severa justiça..O exercício da primeira autoridade não pode ser desviada por interesses que seriam também de enfraquecimento da autoridade institucional e da unidade ameaçada nesse caso pela cisão, segundo o método de Lutero, ou pela debilidade corrosiva da repressão das infidelidades aos princípios da instituição, caminho que levaria a menorizar a relevância dos crimes. O que se espera é, enfrentando todas as piores consequências para a segurança do número de fiéis, impor a vigência dos princípios e conseguir deter as ações divisionistas: é ao que chamam o toque dos sinos, cujo som é tentativamente desconhecido pelos populismos inovadores. Designadamente quando pretendem que foram buscar Francisco ao fim do mundo por errado entendimento da assistência do Espírito Santo. A firmeza do bispo de Roma, avançado nos anos de vida e firme no seu magistério, não lhe permite ignorar que alguns observadores, como Chomsky, diagnosticam, não por esta razão, que "o povo está zangado", mas talvez mundialmente caminhe para a falta de esperança. É para a repor que a batalha da autenticidade vem a caminho..Professor universitário