Como qualquer capital europeia, Madrid tem de lidar com os desafios do século XXI para os grandes centros urbanos, tais como a mobilidade, a digitalização ou a sustentabilidade, sem esquecer os problemas decorrentes da pandemia. Mas 2021 está a pôr à prova a capacidade de gestão da capital espanhola. A começar pelo temporal Filomena, que deixou totalmente incomunicável a cidade, depois uma grave explosão de gás no centro, que fez quatro mortos, até aos mais recentes protestos a favor da liberdade do rapper Pablo Hasél, que acabaram com violência nas ruas e muitas detenções. Sem esquecer que em Madrid fica a maior urbanização ilegal do país..Na gestão da pandemia, Madrid está sempre no ponto de mira. Foi a cidade mais castigada na primeira vaga, na segunda atingiu números muito preocupantes e voltou a repetir um elevado nível de contágios e mortes na terceira. Mesmo com os números a seu desfavor, tem sido a cidade com menos restrições de mobilidade e ajuntamentos para combater a pandemia. Uma estratégia continuamente criticada, mas os resultados não foram assim tão maus. "A saúde é uma matéria da competência do governo regional e só posso dar o meu voto de confiança às autoridades", afirmou o presidente da Câmara de Madrid, José Luis Martínez-Almeida, durante um encontro com jornalistas estrangeiros. O autarca tem sido partidário de mais medidas restritivas para travar o coronavírus, "mas não devo opinar quais". A presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso (sua camarada no Partido Popular), defende a sua postura mais aberta para evitar trazer mais pobreza e fome aos madrilenos..O ano começou com mais uma má noticia para a capital. O Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) publicou um ranking no qual Madrid aparece como a cidade europeia com mais mortes relacionadas com a contaminação por dióxido de carbono. O governo de Almeida acabou com Madrid Central, uma proposta da sua antecessora, Manuela Carmena, para a criação de uma zona de baixas emissões no centro da cidade, através da qual conseguiram melhorar a qualidade do ar em Madrid em 2019. "Madrid Central não era a solução para os problemas do ar, a sua eficácia era muito limitada. A mobilidade é a principal fonte de contaminação, juntamente com as caldeiras", defende-se o presidente da câmara. "Fomos chamados antiecologistas e não é verdade. A nossa proposta é Madrid 360º", acrescenta. Um projeto que inclui a plantação de cem mil árvores, a construção de novos estacionamentos, tornar mais ruas pedonais e lançar autocarros elétricos gratuitos. Em Madrid há por dia um milhão de deslocações, dos quais só 1% em bicicleta. Por isso Almeida apostou em mais 50 estações da BiciMadrid no ano passado, com quatro mil bicicletas partilhadas novas, e neste ano é lançado o licenciamento da ciclovia no Paseo de la Castellana e lembra que "sem segurança não se pode potenciar este meio de transporte". Entre outras medidas anunciadas, em 2025 nenhum veículo sem dístico de eficiência ambiental poderá circular na cidade..E por falar em árvores, não se pode esquecer que Madrid é uma das cidades do mundo com mais árvores nas ruas, tendo sido duramente castigadas pelo nevão do início do ano. Dos 1,8 milhões existentes, 150 mil nas ruas e 400 mil na Casa de Campo sofreram danos. Os troncos e os ramos partidos dificultaram os trabalhos de limpeza numa cidade que nunca tinha ficado de tal forma coberta de branco. Uma imagem idílica que trouxe o caos durante vários dias..Reportagem: Madrid coberta de neve convertida numa estação de desportos de inverno.Antonio Daniel, de 6 anos, às vezes pergunta à mãe porque não podem viver numa casa igual às dos seus amigos. O menino mora numa barraca de madeira e chapa onde há cinco meses não há luz e para fazer os trabalhos do 1.º ano, quando acaba a luz natural, usa a luz do telemóvel da mãe ou de uma pequena lâmpada que funciona com um motor elétrico. Isto quando podem pagar. Com os pais, Maria e Jonny, ambos de 26 anos, e as duas irmãs mais novas, Maria Isabel, de 3 anos, e Sylenia, de 4 meses, são uma das muitas famílias madrilenas que moram no setor 6 da Cañada Real Galiana, um bairro ilegal que ocupa 14 quilómetros em três municípios da região madrilena: Coslada, Madrid Capital, e Rivas Vaciamadrid. Estamos a falar, de forma oficial, de mais de sete mil pessoas (entre elas 2500 menores) que vivem nesta urbanização dividida em seis setores, sendo o número 6 o mais problemático. Há quem diga que são mais de 30 mil. "Dormimos com quatro e cinco mantas, com o nevão a minha bebé ficou doente pelo frio, não podíamos ir buscar lenha por causa da neve. Como não temos luz não podemos ter os alimentos no frigorífico", explica Maria ao DN. "Eu bem gostava de sair daqui e encontrar trabalho. Na nossa casa entram menos de 500 euros por mês do rendimento mínimo vital", acrescenta a jovem que chegou a este bairro quando se casou..Foi em 1978 que Gregorio Montes se instalou no meio do campo e, desde então, muitos outros seguiram o seu exemplo. Todos formam a maior urbanização ilegal de Espanha. Curiosamente, noutras zonas do país aconteceu o mesmo, mas acabou por se regularizar e são agora bairros legais. Mas em Cañada Real milhares de vizinhos criaram ao longo de quatro décadas uma rede urbana e social, permitida de alguma forma pelas administrações e agora é um verdadeiro emaranhado de difícil solução. Neste espaço convivem habitantes das classes médias com melhores casas (de tijolo), com classes mais pobres que mal vivem em barracas. Segundo alguns dos residentes, foram fazendo puxadas ilegais de luz e água. Desde 2011 que já não se podem construir ali casas.."Há uma zona grande de famílias marroquinas, empregadas domésticas e algumas famílias espanholas que começaram com uma pequena horta e depois construíram as suas casas. Também há população cigana romena", explica ao DN o padre Javier Baeza, da paróquia San Carlos Borromeo, que trabalha muito com os habitantes da Cañada. "Há ainda um setor pequeno onde se reúnem os consumidores de droga. Concentram-se nos pontos de venda de droga e atividades ilícitas", sublinha. As plantações de marijuana podem ser uma das causas dos cortes de eletricidade que afetam 850 famílias. A Naturgy, empresa fornecedora de eletricidade neste bairro, encontrou 60 puxadas ilegais que registaram "consumos à escala industrial" que serviriam para abastecer as casas e estas plantações. "Só há quatro contadores de luz. Os habitantes querem ter um contrato, pagar o seu recibo, mas como são construções ilegais não têm certificados de residência e não é possível", explica Rosa Die, da Cáritas Diocesana, instituição que trabalha com as famílias da Cañada..Em 2017 foi assinado um acordo entre Estado, Comunidade de Madrid e câmaras municipais (de Coslada, Madrid e Rivas Vaciamadrid) para encontrar uma solução. Entre as medidas propostas estava o realojamento de 700 famílias do setor 6, mas até agora só saíram cem. "Para algumas famílias não é fácil sair daqui, é a sua realidade, sentem-se inseguras lá fora", explica Rosa. E nem sempre aceitam a ajuda das autoridades como se viu durante o temporal Filomena. Só uma família aceitou ajuda das equipas da proteção civil..A verdade é que ninguém assume responsabilidades ou resolve a falta de luz. "Está a condenar-se todos pelos erros de alguns", sublinha o padre Baeza. O presidente da Câmara de Madrid insiste que "estamos a seguir a trajetória traçada para os realojamentos. Os cortes de luz são consequência do aumento das plantações da marijuana". E os dias, as semanas e os meses passam. "Só falam da droga, há imagens de pessoas na Cañada num Porsche... e todos nos insultam, eu até percebo. Mas essa não é a realidade, muitos vivemos das ajudas que nos dão, o dinheiro não nos chega ao fim do mês", lamenta-se Maria. Apesar dos seus 26 anos, esta jovem mãe não faz planos para o futuro. Só gostava de voltar a ter luz para que os seus filhos não passem frio e, se alguém confiar nela, um trabalho.