Surtos na Grande Lisboa. Hospitais garantem resposta, mas estão "preocupados"
Em 15 dias, a região de Lisboa e Vale do Tejo tornou-se o foco mais preocupante da pandemia. As taxas diárias relativas ao número de novos casos de infeção estiveram quase sempre acima dos 90%. Os hospitais da região dizem ter capacidade de resposta, mas deixam um alerta: é preocupante. Tanto mais que as unidades começam a voltar ao funcionamento normal com mais urgências, cirurgias e doentes não covid-19. No hospital Amadora-Sintra e no de Loures, a situação complicou-se.

O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, tem neste momento 64 doentes internados. Há um mês tinha cerca de 60.
© Mário Cruz/Lusa
Pode dizer-se que a evolução da pandemia de covid-19 poupou o país não só no número de casos que necessitaram internamento, como no número dos que necessitaram dos cuidados diferenciados, nomeadamente de cuidados intensivos. Isto porque, e como responderam ao DN alguns hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo e o próprio presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, "não houve nenhuma unidade que tivesse esgotado a sua capacidade".
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Os dados enviados ao DN por várias unidades dão conta disso mesmo. No entanto, fontes hospitalares salientam, que se o pico que se vive agora na região de Lisboa e Vale do Tejo não está a exigir uma maior resposta da parte hospitalar, tal deve-se ao facto de a maioria dos novos casos estar a ser registada nas faixas etárias mais novas, tal como tem sido mencionado pela diretora-geral da Saúde, Graça Freitas. Ou seja, na faixa etária em que "a doença se manifesta de forma mais ligeira e sem necessidade de internamento ou de cuidados indiferenciados", a maioria pode e está a ser tratada e vigiada no seu domicílio.
Até agora, uma das unidades mais afetadas foi o Hospital Fernando Fonseca, mais conhecido como Amadora-Sintra, que viu, na última semana, o número de doentes internados aumentar. Segundo fonte hospitalar, durante o pico da pandemia, a instituição chegou a ter hospitalizados 73 doentes, no entanto, na passada quinta-feira, este indicador subiu para 67. O DN sabe que, esta quarta-feira, a unidade teve inclusivamente de reabrir uma enfermaria dedicada a doentes covid, que tinha sido encerrada e que os profissionais de saúde diretamente envolvidos estão preocupados com a lotação das camas disponíveis.
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Fala-se ainda na possibilidade de adiar a marcação de férias dos profissionais, entretanto permitidas pelo Governo. Sintra e Amadora são dois dos municípios com mais casos registados na última semana. Têm agora, respetivamente, 1400 e 915 casos de infeção pelo novo coronavírus.
O hospital Amadora-Sintra reabriu, esta semana, uma enfermaria dedicada à covid-19 que tinha sido encerrada.
Também o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, viu a lotação das suas camas a diminuir à medida que o número de infetados crescia no concelho (são agora 1114, no total) e chegou a ter de encerrar as urgentes a doentes transportados pelo INEM, no final do mês passado.
Entre 24 de maio e dois de junho, o hospital teve, em média, 60 doentes internados, tendo atingido os 66 nos dias 25 e 26 de maio, indicou a Hospital ao DN. Nos cuidados intensivos (CI) estiveram entre sete e dez doentes, seis destes precisaram de ventilação. Isto quando há um mês (no período entre um e dez de maio), as hospitalizações rondavam os 45 infetados, seis em cuidados intensivos (e metade a precisar de ventilação).
Hospital de Loures tem mais 15 doentes internados do que há um mês.
No caso do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), o maior do país, que integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente, o número de doentes internados com covid-19 pouco se alterou no último mês.
Em resposta ao DN, o CHULN indica que até ontem tinha internados 64 doentes em Santa Maria com covid-19, 13 dos quais em Unidades de Cuidados Intensivos. Apenas mais quatro infetados do que o hospital havia tido no início de maio, quando eram cerca de 60, os doentes internados com o novo coronavírus e 20 em CI.
Esta unidade destaca ainda que, desde março, altura em que foi acionado o seu plano de assistência à covid-19, o número médio de internamentos manteve-se estável, o que fez também com que não houvesse necessidade de aumentar o número de enfermarias destinadas aos doentes não críticos - até agora têm estado quatro a funcionar, com um total de 80 camas. Mesmo assim, sublinha fonte hospitalar, "não estiveram lotadas, e não houve necessidade de acionar mais enfermarias também previstas no plano inicial".
No Hospital de Santa Maria, número de hospitalizações mantém-se estáveis, rondando as 60.
Neste momento, há já a assinalar também algum regresso à atividade normal (apesar de condicionado na região da Grande Lisboa por causa do crescimento de novos casos), o que está a fazer com que, ao longo do mês de maio, se tenha assistido a um aumento de mais internamentos de doentes não covid, seja para doentes "cirúrgicos", seja para doentes "médicos". Uma tendência que surge também de maior afluência à urgência, colocando pressão assistencial adicional.
Por tudo isto o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APHA) sublinhou ao DN ser urgente a definição de um plano nacional para a retoma de atividade, até para melhor se poder responder a estes picos regionais ou localizados, como o que está a acontecer na região da Grande Lisboa, e a possíveis segundas vagas. "Esta planificação é urgente para todo o país. Agora, surgiu um pico na área de Lisboa, mas não quer dizer que não surjam picos noutros locais. Por isso, temos vindo a alertar para a necessidade de uma planificação geral e em rede". Ideia também defendida pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
"Atenção especial" para a região de Lisboa e Vale do Tejo
Alexandre Lourenço refere que a situação que está a ser vivida na área de Lisboa, e que está afetar sobretudo os concelhos de Loures, Amadora, Sintra e Almada, "é uma preocupação e deverá ser objeto de uma atenção especial. Apesar de na primeira fase da doença não termos tido instituições que tivessem atingido a totalidade da sua capacidade, a situação de agora deveria estar a envolver já uma resposta organizada entre todos os hospitais da região. Daí, sublinha mais uma vez, a necessidade de uma planificação em rede, de forma a haver até respostas fora da região, sobretudo para as áreas em que temos mais limitações, como cuidados intensivos".

Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
© Orlando Almeida / Global Imagens
O representante dos administradores hospitalares salienta que até agora não chegámos nem de longe nem de perto à totalidade da capacidade de resposta nas unidades de intensivos. "Estamos longe disso, mas parece-me que uma resposta concertada nesta matéria deve estar sempre em cima da mesa, ou, por exemplo, a hipótese de os hospitais da região de Lisboa, que é agora a mais afetada, em caso de necessidade poderem vir a ser equipados com material de outros hospitais, onde não estejam a ser necessários". Acrescentando: "O que quero dizer é que estas matérias devem ser objeto de planificação, e antes de as coisas acontecerem. Não podem ser decididas quase dia a dia. Se forem planeadas dá mais confiança aos serviços de saúde e aos profissionais."
A nível nacional, o indicador dos internamentos revela uma "trajetória decrescente", como descreveu o secretário de estado da Saúde, António Lacerda Sales, em conferência de imprensa, nesta quarta-feira. Segundo o boletim da Direção-Geral da Saúde, há agora 428 doentes hospitalizados, o número mais baixo desde o dia 28 de março, quando estavam internadas 418 pessoas. Nos cuidados intensivos, encontram-se atualmente 56 infetados com o novo coronavírus.
Mas os recordes, como já referido, não se sustentam com os valores da área da Grande Lisboa. No caso do Centro Hospitalar Lisboa Central, que inclui o Hospital Curry Cabral, São José, Santo António dos Capuchos, Santa Marta, Dona Estefânia (hospital pediátrico) e a Maternidade Alfredo da Costa, também o número de internamentos é agora superior ao de há um mês.
Se a dois de maio, estas unidades tinham 54 doentes hospitalizados (11 em CI), a dois de junho passaram a ser 71 (oito em CI). Em sentido contrário, está o número apresentado ao DN para os doentes acompanhados em domicílio, menos 119. São agora 149, os cidadãos seguidos em casa.
Centro Hospitalar Lisboa Central tem mais 17 doentes covid-19 internados do que no início do mês de maio.
Também a quantidade de crianças hospitalizadas no Dona Estefânia é menor. Passaram de sete, no inicio do mês de maio, para cinco, no primeiros dias de junho.
Para além destas instituições, o DN contactou ainda o Hospital Garcia de Orta, em Almada, que disse não poder divulgar os números dos internamentos, remetendo explicações para a DGS.
Bastonário dos médicos: o número de consultas e cirurgias não covid "ainda está por determinar"
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, acredita que a evolução epidemiológica na região de Lisboa e Vale do Tejo "está controlada", mas não descansa e diz-se "preocupado" com os novos internamentos. A situação "tem repercussões na vida do sistema, porque quanto mais pessoas infetadas, há sempre pessoas que têm doença mais grave e têm de ser internadas", aponta ao DN.
"Por outro lado, numa altura em que estamos a pensar no regresso [da atividade programada], isto significa um atraso na retoma do tratamento dos doentes não covid", continua o médico do Hospital de São João.

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos.
© ESTELA SILVA/LUSA
Para Miguel Guimarães, o número de consultas adiadas é muito superior às 540 mil mencionadas pela ministra da Saúde. Tal como as 51 mil cirurgias oficiais que ficaram por fazer estarão aquém da realidade, porque "nestes três meses, o número de doentes inscritos para ser operados foi extraordinariamente baixo e ainda está por determinar. Devemos fazê-lo por comparação com os mesmos meses do ano anterior", defende.
"A dimensão do problema ainda não está completamente avaliada", acredita, mas pede confiança aos portugueses. O bastonário garante que os hospitais têm circuitos devidamente identificados para os doentes covid e para os restantes, evitando-se o risco de contágio.