O Ministério da Educação afirmou nesta quarta-feira que a reutilização dos manuais dos 1.º e 2.º ciclos no ano passado se situou nos 45%. Mas o 1.º e o 2.º ano continuam a ser o calcanhar de Aquiles da medida que tornou os manuais gratuitos até ao 6.º ano. "Em princípio, estes não vão ser reutilizáveis", disse o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel António Pereira, em entrevista ao DN..A avaliação da capacidade de reutilização dos manuais ainda decorre, depois de o ministério ter alargado o prazo para mais uma semana, com término no dia 5 de julho. Vários professores e funcionários continuam nas escolas a tempo inteiro, responsáveis pela triagem destes livros, apagando o que os alunos lá deixaram escrito e a decidir se podem voltar a ser utilizados por outros. Contudo, já é possível fazer um balanço deste ano letivo. Os dados do Tribunal de Contas relativamente ao ano letivo passado apontam para uma reutilização de 11% nos manuais do 1.º ciclo, mas Manuel António Pereira acredita que a taxa relativa a este ano seja "muito abaixo" da anterior. Somados o 1.º e o 2.º ciclo, apenas 4% dos manuais distribuídos eram em segunda mão, segundo o mesmo relatório..De acordo com o artigo 194.º da Lei do Orçamento do Estado para 2019, no final de cada ano letivo, os alunos do ensino primário e básico devem entregar os manuais de todas as disciplinas recebidos gratuitamente..No total das escolas que aderiram ao programa de reutilização de manuais, a taxa de livros reutilizados é de 50% e "algumas conseguiram uma reutilização de 80%", anunciou o ministro Tiago Brandão Rodrigues. Mas, de acordo com o presidente da ANDE, "a estrutura dos manuais não está pensada para a reutilização" nos primeiros anos do ensino primário. São livros que contêm espaços em que os alunos escrevem, desenham e colam autocolantes. "O próprio governo sabe que a forma como estão arquitetados torna-os de difícil reutilização", reitera. Além disso, a idade dos alunos desta faixa etária pressupõe que o cuidado com o material seja outro..Apesar de frisar o caso dos 1.º e 2.º anos, não espera que os números finais da reutilização registada nos 3.º e 4.º anos sejam altos. As razões são as mesmas, embora em menor escala, dada a superior idade dos alunos e o formato dos seus manuais..Questionada nesta quarta-feira pelos deputados presentes em audição parlamentar sobre a menor capacidade de reutilização dos manuais no 1.º ciclo, a secretária de Estado da Educação explicou que "a latitude de apreciação destes manuais é maior". Isto é, os critérios de avaliação para decidir a reutilização de cada manual do 1.º ao 4.º ano são mais flexíveis comparativamente aos anos seguintes.."Mesmo assim, os manuais têm de ser recolhidos" e Manuel António Pereira acrescenta que prefere deixar de lado uma perspetiva pessimista desta medida, sublinhando que o balanço geral da reutilização nas escolas até é "muito positivo". "É um bom princípio emprestar os manuais. De certa forma, está-se a cumprir a Constituição. Isto faz-se passo a passo e espero que o novo ciclo de manuais tenha uma estrutura pensada", acrescenta..A gratuitidade dos manuais escolares passa a lei e deixa de estar dependente da sua previsão em Orçamento do Estado.Mas, na semana passada, a secretária de Estado da Educação alertou que a medida poderia sofrer um retrocesso se a taxa de reutilização global não fosse positiva. Apesar de o PS já ter admitido que não tencionava voltar atrás. E o presidente da ANDE não acredita que tal esteja em causa..Neste ano letivo que agora terminou, a medida sobre a gratuitidade dos manuais alcançou 528 mil alunos entre o 1.º e o 2.º ciclo. Ao todo, o Estado gastou cerca de 40 milhões de euros - sendo 29,8 milhões para os manuais e 9,5 milhões para licenças digitais. Neste próximo ano, a iniciativa será alargada a todo o ensino obrigatório, passando a contemplar alunos do 1.º ao 12.º ano, agora com um custo estimado em cerca de 150 milhões de euros. Uma despesa que poderá variar de acordo com o número final de materiais reutilizáveis que transitam deste para o próximo ano..Conservação dos manuais depende das condições sociais do aluno.Desde o início do ano letivo e até esta sexta-feira, as escolas têm o dever de garantir a triagem de todos os manuais escolares emprestados aos alunos e, a partir deste processo, decidir quais são reutilizáveis ou não..De acordo com o guia de Apoio à Reutilização de Manuais Escolares, lançado pelo governo, a seleção dos que podem ser novamente aproveitados para circular entre alunos depende de diversos fatores. Entre eles "o número de utilizações anteriores", "a idade dos alunos e ano de escolaridade" (referência ao 1.º ciclo), "a existência de espaços em branco para preenchimento", a "deterioração inerente ao uso normal" ou mesmo a "verificação de danos anormais", bem como "outras circunstâncias objetivas e subjetivas a avaliar pela escola"..Caso os manuais não sejam entregues em bom estado, os encarregados de educação devem pagar o valor desse livro ou, na ausência de pagamento, ficarão sem um manual gratuito no ano seguinte. A secretária de Estado da Educação explica que a punição é uma forma de "regular direitos" e não de "limitar". "Direitos impõem boa utilização", disse Alexandra Leitão, durante a audição parlamentar desta quarta-feira..Contudo, cada escola tem autonomia para optar pelo modelo de triagem que melhor entender, dada a ambiguidade de análise de danos nos livros. O que o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) considera necessário, devido às diferenças socioeconómicas entre alunos.."Há alunos que têm todas as condições do mundo para chegar ao final do ano com os livros em muito bom estado. Vivem perto da escola, têm boas casas e locais de estudo, têm condições para os transportar. E há outros que saem da escola, vão tomar conta de gado e levam os livros para o monte enquanto vigiam as ovelhas", lembra. Por isso, os manuais entregues em mau estado podem depender quer da "falta de cuidado dos alunos" quer das "condições de trabalho" que o mesmo tem..Segundo o dirigente e também diretor de uma escola básica em Cinfães, "cada escola analisa entre dez e 15 mil livros". E há prémios para aquelas que terminarem a triagem com maior número de livros reutilizáveis. No início do ano, o governo anunciou uma campanha que contempla prémios de dez mil euros para as 20 escolas com as taxas de reutilização mais elevadas, além de um selo que distingue outras cem escolas que são exemplos de boas práticas. Mas Manuel António Pereira diz não concordar com esta ideia. "Porque não se pode tratar por igual o que é diferente", referindo-se aos alunos que vivem em situações mais precárias e, por consequência, estarão mais sujeitos a serem aqueles com manuais em pior estado de conservação. "Por muito que nós nos esforcemos, é muito difícil algumas escolas atingirem bons resultados que outras escolas conseguem", frisa..Ainda em junho deste ano, em entrevista ao DN, o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) dizia que esta medida poderia levar as escolas a "passar do 8 ao 80". "Não podemos deixar que esse incentivo leve ao exagero de não permitir que um aluno sublinhe os livros", alertava Filinto Lima..Pais obrigados a apagar manuais.No final de cada ano, o balanço relativamente à reutilização tem sido positivo. O lado negativo, diz Manuel António Pereira, é o "excesso de trabalho que recai sobre as escolas, que estão afogadas em trabalho devido aos exames [com professores destacados para a correção de exames] e a preparação do próximo ano". E lembra que "as escolas têm cada vez menos recursos humanos". Contudo, admite não ver outra alternativa senão responsabilizar as escolas por este trabalho..Mas há encarregados de educação que se queixam de ser obrigados a ter de dar conta de parte deste processo. Durante a audição parlamentar desta quarta-feira, a deputada do PCP Diana Ferreira confrontou o ministro com o caso da Escola Básica e Secundária Rodrigues de Freitas, onde alegadamente "os pais estão a ser ameaçados" para apagar os manuais utilizados pelos filhos, contra a pena de no próximo ano não terem direito a livros escolares ou a pagá-los..Em resposta à deputada, o ministro da Educação disse apenas que "muitas famílias têm participado neste movimento, mas as escolas é que têm feito muito deste trabalho". Sem acrescentar mais sobre o assunto, ouviu-se depois a secretária de Estado Alexandra Leitão que considerou a participação dos pais uma prática "normal". "Ter de apagar parece-me o absolutamente normal de ser exigido", disse..O presidente da ANDE lembra que cada escola tem autonomia para decidir como realizar a triagem dos manuais..Todos os que não forem reutilizáveis têm o destino final ao encargo dos agrupamentos, podendo ser utilizados para reciclagem. No guia de Apoio à Reutilização de Manuais Escolares, o governo recomenda que, sempre que possível, "os manuais reaproveitados possam ser utilizados em todo o agrupamento, não ficando acometidos apenas a uma escola específica"..Editoras vão fazer "uma boa ideia não passar disso".Com a gratuitidade dos manuais escolares, nem todos saíram a ganhar. O dirigente da ANDE lembra que a medida causou prejuízo nos editores nacionais. E considera que, mais tarde ou mais cedo, haverá uma manobra de resposta que pode custar a todos os encarregados de educação.."Este princípio do empréstimo não é simpático para as editoras. O que nós [diretores] achamos é que, num futuro muito próximo, aquilo que é uma ideia fantástica do governo - que é fornecer os manuais aos alunos e poupar dinheiro às famílias - vai fazer que as mesmas famílias tenham de gastar mais dinheiro para terem os filhos na escola", lamenta. Até agora, a única despesa dos pais eram as fichas de exercícios inerentes aos manuais e, segundo Manuel António Pereira, pode vir a ser inflacionada pelas editoras.."O preço dessas fichas poderá vir a ser igual ao preço dos manuais. Por muito que custe, já sabemos que vai acontecer. O que era uma boa ideia não vai passar disso. É o Estado a gastar e as famílias a gastar também.".Como obter os manuais gratuitos.Os manuais gratuitos podem ser obtidos através da plataforma MEGA, responsável pela distribuição e controlo dos mesmos. Cada encarregado de educação deve submeter a candidatura no site, onde podem aceder aos dados escolares dos seus educandos, bem como aos vouchers com os quais poderão levantar os livros. Na mesma plataforma, podem consultar uma lista de livrarias através das quais se pode fazer o levantamento dos manuais..Caso o encarregado não tenha possibilidade de acesso à internet, pode dirigir-se ao estabelecimento de ensino onde o educando está matriculado e pedir presencialmente os vouchers..Assim que recebem os manuais, são obrigados a assinar uma declaração na qual se comprometem a entregá-los no final de cada ano letivo - ou no final do ciclo de estudo, no caso dos anos e das disciplinas sujeitas a exame..A distribuição de manuais contempla quer os novos quer os reutilizados, que são distribuídos aleatoriamente.