Bolsonaro e o bullying

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O presidente do Brasil já atacou, antes ou depois de assumir o Planalto, mulheres - "não a estupro porque é feia", disse no Congresso a uma deputada em 2014.

E indígenas - "se não têm dinheiro, se não têm cultura, se não falam a nossa língua, porque têm 13% do nosso território?", perguntou no Campo Grande News, em 2015.

E negros - "o afrodescendente que eu vi lá [num quilombo, refúgio de descendentes de escravos] pesava sete arrobas, nem para procriar serve mais", afirmou em 2017 no Clube Hebraica, em São Paulo.

E orientais - "é tudo pequenininho aí?", perguntou a um turista japonês, fazendo piada com o estereótipo do tamanho do pénis, no aeroporto de Manaus, em maio.

E gays - "o Brasil não pode ser o paraíso do mundo gay, temos famílias", em conversa com jornalistas no Planalto pouco depois.

E deficientes físicos - "tínhamos na presidência um energúmeno que não sabia contar até dez porque não tinha um dedo", há dois anos, referindo-se a Lula da Silva, que perdeu o mindinho da mão esquerda num acidente metalúrgico.

Tudo no comportamento do presidente da República é típico do pré-adolescente bully, que abusa ou intimida em função da raça, da orientação sexual, da aparência - e, nas redes sociais, "idiotas úteis", para usar uma expressão do próprio ao classificar os estudantes que foram às ruas protestar contra os cortes nas verbas universitárias, reproduzem o estilo do Messias.

Por isso, Bolsonaro - como os bolsonaristas online - já foi acusado de bullying dezenas de vezes, por opositores e por colunistas de direita e de esquerda - até um dos seus assessores, Filipe Martins, usou a expressão bully pulpit, aludindo a uma tese do presidente americano Theo Roosevelt, para tentar justificar o injustificável tweet sobre a chuva dourada.

No entanto, bullying é pouco - o buraco é mais em baixo, como se diz no Brasil.

No fundo, no fundo, Bolsonaro sente-se, e age, não apenas como um bully mas também como uma vítima de bullying. Que não o superou e, por isso, como dizem os especialistas, "pode ter comportamentos agressivos" e "carência de habilidades sociais".

Da infância do presidente sabe-se pouco. Mas da sua vida militar é público que foi processado por ter escrito um artigo em 1986 para a revista Veja a pedir aumento salarial para a tropa, sem consulta aos seus superiores, e por ter, na sequência, elaborado um plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio. Por causa do incidente, a sua passagem para a reserva, logo em 1988, foi acelerada e os seus filhos sucessivamente vetados em colégios militares, segundo contou Carlos Bolsonaro, em março deste ano em entrevista a Leda Nagle, no YouTube.

E, na sua vida política, enquanto deputado não foi além de membro da ala mais exótica do baixo clero do Congresso Nacional, a mesma onde se encaixa, por exemplo, o palhaço Tiririca, e olhado de cima para baixo pela maioria dos seus pares. Também nunca chegou aos programas sérios das redes nacionais de televisão - limitou-se a ser convidado de programas sarcásticos ou de entretenimento.

Mas, de repente, por força de circunstâncias políticas incríveis, esse bully que se sente em simultâneo vítima de bullying, está em posição de força. Acima até de militares de alta patente e dos mais expressivos congressistas nacionais. Pronto para vingar os seus traumas. E de arma em punho.

Para começar, jurou mandar "a petralhada [eleitores do PT] para a ponta da praia [local onde eram executados os opositores da ditadura militar]".

Já despediu um fiscal do meio ambiente que o multou, no longínquo ano de 2012, por pescar em águas protegidas.

Há um mês patrocinou um ato a seu favor e contra os outros poderes.

E o acesso às armas vem sendo facilitado, o desmatamento e os agrotóxicos prosperam, os fanáticos religiosos ganham influência, as regras no trânsito afrouxam. Em suma, o atraso avança.

Tomara que o Brasil tenha mecanismos democráticos e institucionais - e esteja suficientemente alerta - para que esta história de bullying não superado não acabe em tragédia.

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