A perplexidade dos dias em que vivemos
Aos jornalistas cabe fazer perguntas, mas ultimamente há muitas que têm ficado sem resposta. Uma delas, realizada já há alguns dias pelo Diário de Notícias, prendia-se precisamente com o processo de vacinação e definição de prioridades no Hospital da Cruz Vermelha, sobre as quais, e em off, começavam a surgir dúvidas e reticências. Eis senão quando o coordenador da task force apresenta a sua demissão ontem à tarde por "irregularidades" no processo de vacinação da mesma unidade. Segundo um comunicado do Ministério da Saúde, trata-se de irregularidades detetadas pelo próprio "no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente do conselho de administração". O próprio Francisco Ramos, numa nota que enviou diretamente à imprensa, justificou a sua tomada de posição e disse que "ao tomar conhecimento de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha, do qual sou presidente da comissão executiva, considero que não se reúnem as condições para me manter no cargo de coordenador da task force para a elaboração do Plano de Vacinação contra a Covid-19 em Portugal. Assim, apresentei [na terça-feira], dia 2 de fevereiro de 2021, à senhora ministra da Saúde, a renúncia ao cargo", lia-se na nota.
Portanto, Francisco Ramos demitiu-se na terça-feira, mas o governo nada disse na manhã seguinte. Aliás, primeiro-ministro e ministra da Saúde visitaram um centro de saúde em Alvalade, Lisboa, e explicaram o plano de vacinação sem nunca tornarem pública a demissão. Só a meio da tarde de quarta-feira sai o comunicado do Ministério da Saúde.
Não menos estranho é ver aterrar em Lisboa uma equipa de 26 profissionais de saúde alemães, entre os quais seis médicos, e vê-los seguir diretamente para um hospital privado em vez de se dirigirem a um hospital público. Perguntam os portugueses: não deveriam estes especialistas dirigir-se ao olho do furacão e ajudar no Hospital Amadora-Sintra (apoiado pelo Hospital da Luz) ou no Hospital de Santa Maria, em que as filas de ambulâncias à porta já fazem parte da paisagem? Colocar o auxílio externo no conforto de um hospital privado, detido pela chinesa Fosun, causa, no mínimo, estranheza. Médicos e enfermeiros dos hospitais públicos não entendem a decisão que dizem ser meramente política e não sanitária. Os portugueses merecem uma explicação. E diz a regra da comunicação que quando a mensagem não chega ao destinatário a culpa é sempre do emissor.