A inveja à portuguesa que nos faz emigrar

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Há um par de meses, Mísia lembrava uma lição aprendida com Manoel de Oliveira. Contava a fadista, no podcast A Beleza das Pequenas Coisas, que o realizador a desenganara sobre o orgulho nacional, ao explicar-lhe que os portugueses padecem de uma variante de inveja que não lhes permite chegar a ter vaidade nos seus. Se o olhar invejoso dos espanhóis sobre o Bentley do vizinho tem agregada a ideia de que eles hão de conseguir comprar um Rolls-Royce, a visão dos portugueses de um Twingo na garagem do lado desperta-lhes o desejo de que o vizinho deixe de ter dinheiro para combustível.

É esta inveja destrutiva, desprovida de ambição, que leva à crença generalizada de que qualquer português bem-sucedido é um aldrabão ou um explorador dos fracos, nunca alguém que suou as estopinhas para alcançar o êxito. O grande sonho não é trabalhar para chegar mais longe, é ganhar o Euromilhões. Os exemplos não são os grandes empresários, os empreendedores que enfrentam o risco para fazer o que nunca alguém se atreveu antes, os que conseguiram dar o salto e continuam a batalhar, são as conquistas no ginásio da celebridade mediática do dia.

Esta forma de ser intrinsecamente gravada no ADN português é potenciada pelos casos de justiça que envolvem supostos poderosos e que raramente chegam a consequências. Mas é (conscientemente?) eternizada pela cada vez mais dolorosa mediocridade dos nossos decisores políticos, mais empenhados em manter a cabeça acima das águas eleitorais do que em contribuir para melhorar o país, mais preocupados em colher dividendos da propaganda demagógica que os projetou à liderança do que em lançar boas sementes para o futuro de Portugal.

Décadas disto - séculos, se recordar o fim dos Lusíadas - empurraram-nos para um modelo que alimenta a mediocridade e a mediania, que nos condena à dependência e ao conformismo com muito pouco. E se alguém levanta a cabeça para tentar ver mais longe não é olhado como exemplo a copiar ou inspiração para fazer diferente e melhor, mas rapidamente golpeado para que retorne à multidão dócil e conformada com o ocasional pedaço de pão.

Vivemos num país em que ter dinheiro e sucesso é mal visto pela sociedade e penalizado pelo Estado - veja-se os impostos, taxas e taxinhas que castigam os resultados das empresas e os rendimentos dos trabalhadores, desincentivando a progressão. Apregoa-se a vontade de que as pessoas e as companhias levantem voo, enquanto se lhes amarram blocos de cimento aos pés.

É de tudo isto que fogem os nossos jovens, como antes fugiram. Portugal tem hoje a 8.ª maior taxa de emigração do mundo, com mais de 700 mil, só na última década, a deixar a perspetiva de uma vida de pobreza para trás. E assim vamos perdendo os melhores, os inconformados, os corajosos, os empreendedores que podiam puxar pelo país. Nós, por cá, seguimos a passos largos rumo ao primeiro lugar no pódio mais triste.

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