Das missas ao futebol, porque estão a ser cancelados eventos em todo o mundo
Missas suspensas, museus fechados, jogos de futebol cancelados ou à porta fechada, grandes feiras automóveis e tecnológicas adiadas, peregrinos estrangeiros proibidos de entrar em Medina e em Meca... Ao mesmo tempo que o número de infetados e de mortes pelo novo coronavírus aumenta em todo o mundo, soma-se à preocupação das autoridades e dos cidadãos o cancelamento e o adiamento de eventos públicos - alguns de grande dimensão, como a Meia-Maratona de Paris, o Grande Prémio de Fórmula 1 de Xangai, o Salão Automóvel de Genebra. Serão milhares em todo o mundo, se forem tidos em conta os mais pequenos, mas é impossível contabilizar todos eles. Nos países mais afetados pelo covid-19, como a China, a Itália ou a França, as decisões foram tomadas pelos governos centrais, mas também por autoridades regionais, e obedecem a proibições ou a regras apertadas como o isolamento de localidades.
São diversas as medidas com vista a conter a propagação do vírus que já infetou mais de 90 mil pessoas a nível planetário e causou cerca de 3000 mortes. Outras são decisões de mero bom senso e que obedecem a recomendações das autoridades sanitárias, não a ações mandatórias - trata-se de acontecimentos que esperavam um elevado número de participantes vindos de vários países a nível mundial e cujas organizações entenderam não garantir as condições de segurança e sanitárias desejáveis.
Em Portugal - que registou nesta segunda-feira os primeiros dois casos de coronavírus - as autoridades não tomaram a decisão de proibir este ou aquele evento público. O nível em que Portugal está, refere fonte da Direção-Geral da Saúde (DGS), não justifica por agora a proibição de eventos públicos. Ainda assim a DGS tem disponível um manual de recomendações para quem organiza, trabalha ou participa em eventos públicos de massas.
"Antes de decidir organizar, prosseguir, restringir, modificar, adiar ou cancelar o evento, recomenda-se que efetue uma avaliação de risco completa em articulação com as autoridades de saúde locais e nacionais", diz a DGS. E aconselha a que empresas e organizações tenham os respetivos planos de contingência. Por exemplo, devem ser avaliadas as características do evento, nomeadamente o número de pessoas esperadas e a densidade da multidão. Ou saber se os participantes no evento poderão ter sido expostos ou infetados com covid-19.
Itália e França são os dois Estados europeus mais afetados com o novo coronavírus - com mais de 2000 casos e 52 mortes e 191 infetados e três vítimas mortais, respetivamente. Por isso, são os países que tomaram medidas mais rígidas, a nível governamental, para conter a epidemia. Em França, por exemplo, está proibida a realização de eventos que juntem mais de cinco mil pessoas em lugares fechados e grandes aglomerações ao ar livre.
Esta medida, anunciada pelo ministro da Saúde francês, Olivier Véran, levou já ao cancelamento da Meia-Maratona de Paris, que deveria ter-se realizado no domingo passado, bem como a Feira do Livro, também na capital, prevista para o final de março. O Salão de Agricultura também fechou as portas antecipadamente, neste sábado.
Uma das medidas mais emblemáticas foi o encerramento do Museu do Louvre, domingo 1 de março, por ser um dos mais conhecidos do mundo e receber milhares de visitantes diários - cerca de dez milhões por ano. Esta medida, no entanto, não se insere no plano de contingência nacional, é uma tomada de posição de 300 funcionários que consideraram estar em perigo. Segundo a legislação laboral francesa, os trabalhadores têm o direito de deixar de trabalhar se entenderem que "uma situação representa um risco grave e iminente para a sua vida ou saúde".
Outros acontecimentos que reúnem muitas pessoas foram cancelados em França, desde o Carnaval de Nice e o de Annecy (6 a 8 de março). O Salão do Imobiliário de Cannes (MIPIM) foi adiado para junho.
Em pleno período da Quaresma, também há restrições nas celebrações religiosas, com o arcebispo de Paris, Michel Aupetit, que também é médico, a reforçar as medidas de proteção nas igrejas - proibiu os apertos de mão durante a missa e a comunhão com o padre a dar a hóstia na boca dos fiéis. Durante a celebração, os padres deixaram de poder de beber o vinho do cálice e deixou de haver água benta na entrada das igrejas para os fiéis se benzerem.
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) recomendou também que, em face do surto de covid-19, os fiéis recebam a comunhão na mão e que se omita, enquanto continuar a situação de risco, o gesto da paz nas eucaristias.
Em Poise, no norte do país e considerada uma zona de risco, já que ali se registou a primeira vítima mortal, todas as missas foram canceladas até novas recomendações.
Em Itália - o quarto país do mundo com mais casos do novo coronavírus - uma das primeiras medidas a serem tomadas pela Itália foi o cancelamento de missas nas regiões do norte. O arcebispo de Milão, Mario Delpini, disse que as pessoas podiam aproveitar o tempo de isolamento "também para rezar, pensar, buscar formas de proximidade entre os irmãos e as irmãs".
A celebração de eucaristias foi apenas uma das ações das autoridades regionais para conter a propagação do coronavírus. Nas regiões de emergência - Lombardia e Veneto - fecharam escolas, universidades e museus e até o tradicional Carnaval de Veneza foi cancelado. Doze localidades foram postas de quarentena, seguindo assim o que já tinha acontecido na China, onde foram, por exemplo, isoladas 13 cidades da província de Hubei e que deixou 60 milhões de pessoas de quarentena.
O temor da propagação do covid-19 levou ainda alguns países a apertadas restrições e até proibir voos vindos de Itália - como já tinha acontecido com aviões provenientes da China.
Até os jogos da Liga de futebol italiana que as autoridades tinham decidido que seriam disputados no fim de semana passado à porta fechada acabaram por ser adiados para 13 de maio. Entre as partidas que foram chutadas no calendário está o clássico Juventus-Inter de Milão. Além do duelo do clube de Cristiano Ronaldo, foram também adiados os encontros Udinese-Fiorentina, Milan-Genova, Parma-Spal e Sassuolo-Brescia.
Na Suíça - que regista 24 infeções por covid-19 -, o governo decidiu proibir todos os eventos com mais de mil pessoas, pelo menos, até 15 de março. "Tendo em conta a situação atual e a disseminação do coronavírus, o Conselho Federal classificou a situação na Suíça como especial nos termos da Lei de Epidemias. Os eventos de larga escala, que envolvam mais de mil pessoas, serão proibidos."
Um dos eventos mundiais afetados por esta decisão foi o Salão do Automóvel de Genebra, cancelado na sexta-feira 28 de fevereiro - só no ano passado nesta feira internacional passaram mais de 600 mil pessoas. O certame - sempre muito aguardado ao nível das novidades do mundo automóvel - deveria começar com os encontros profissionais nesta terça-feira.
Até à decisão do governo suíço, a organização do Salão de Genebra tinha aconselhado os expositores a tomar medidas para evitar a propagação do vírus, nomeadamente certificarem-se de que os funcionários que iriam estar presentes não tinham apresentado sintomas nos últimos 14 dias.
"Este é um caso de força maior e uma tremenda perda para os fabricantes, que investiram massivamente na sua presença em Genebra. No entanto, estamos convencidos que os mesmos entenderão esta decisão ", disse Maurice Turrettini, presidente da Palexpo, organizadora do salão.
Algumas vozes já tinham criticado a demora em cancelar o evento, tanto mais que já tinha acontecido com o Salão Internacional de Invenções, que acolhe menos visitantes.
Por todo o mundo, não param de ser suspensos certames. Em Barcelona, foi cancelado o Mobile World Congress (MWC) - várias empresas, como Facebook, Sony, Amazon, Intel, Vivo, LG, Ericsson, entre outras, fizeram saber que não estariam presentes. Curioso é que as fabricantes de telemóveis chinesas, a Huawei e a Xiaomi, mantinham a sua participação.
"A preocupação global em torno do surto do novo coronavírus, as preocupações associadas às viagens e outras circunstâncias relacionadas fazem que seja impossível manter a realização do evento", lê-se num comunicado da organização. A feira esperava mais de cem mil participantes de mais de cem países e o prejuízo pode ultrapassar os 500 milhões de dólares.
O MWC Shanghai, que está marcado para começar em 30 de junho, apesar da distância do calendário, também corre algum risco de não se concretizar. "Precisamos de tomar uma decisão em breve, mas não agora", disse Mats Granryd, diretor-geral da GSMA, organizadora do evento.
Ainda no campo das tecnológicas, o Facebook também decidiu cancelar a já habitual F8, a conferência em que apresentada as novidades. A empresa de Mark Zuckerberg alegou que, em primeiro lugar, está a saúde e a segurança dos parceiros e dos funcionários. O encontro, que estava marcado para maio, será substituído por iniciativas locais, vídeos e conteúdos transmitidos ao vivo.
De pé continua ainda o South by Southwest, um dos maiores festivais a nível mundial e que engloba cinema, tecnologia e música do mundo, de 13 a 22 de março em Austin, no Texas, e que costuma reunir quase meio milhão de pessoas. Neste caso, a organização anunciou que várias empresas chinesas cancelaram as suas inscrições.
O receio da propagação do novo coronavírus pode ter consequências na Game Developers Conference (GDC), a maior feira de jogos eletrónicos do mundo. É que, apesar de a GDC se manter nas datas previstas - 16 a 20 de março -, em São Francisco (EUA), onde são esperadas cerca de 30 mil pessoas, marcas como Sony, Facebook e Electronic Arts já cancelaram a sua participação.
Também não se vai realizar na data prevista (4 a 8 de março) a Feira Internacional de Turismo de Berlim, e o mesmo acontece com a Feira Mundial de Turismo de Paris. Neste último caso, decisão foi tomada com o objetivo de "cumprir as instruções do poder público e após consulta com clientes e parceiros.
Na Alemanha não há decisões políticas que levem ao cancelamento do evento, mas a organização da feira de Berlim entendeu que não consegue garantir os requisitos de segurança, nomeadamente que os participantes provassem que não estiveram em regiões de risco - eram esperados mais de dez mil expositores de 180 países
Os Jogos Olímpicos (JO) de Tóquio, de 24 de julho a 9 de agosto, podem estar igualmente ameaçados pelo covid-19. E as palavras de Toshiro Muto, do comité organizador, dão conta disso mesmo. "Estou muito preocupado com a propagação do coronavírus, que pode diminuir a atmosfera e a dinâmica da organização dos Jogos. Espero que o problema seja resolvido o mais rapidamente possível."
Em entrevista à agência Associated Press, Dick Pound, o mais antigo membro da direção do Comité Olímpico Internacional (COI), admitiu mesmo a possibilidade de os Jogos não se realizarem. "Estaremos provavelmente na iminência de um cancelamento dos Jogos se em maio o coronavírus estiver incontrolável. Esta é uma nova guerra que temos de enfrentar. No espaço de três meses vamos ter de questionar se existem condições suficientes de confiança para as pessoas viajarem para Tóquio", explicou, assumindo que a decisão terá de ser tomada até dois meses antes do início dos JO.
A agência antidoping chinesa comunicou entretanto ao Comité Olímpico Internacional que suspendeu os controlos, devido ao estado de emergência que assola o país de onde o covid-19 é originário e que já regista mais de 2900 vítimas mortais.
A UEFA também já manifestou a sua preocupação dada a propagação do coronavírus e as consequências que poderá ter no Europeu de futebol 2020, mas diz que só não se realizará se a situação piorar.
"Estamos numa fase de espera. Estamos a monitorizar país a país e o futebol tem de seguir as ordens de cada país", disse Michele Uva, do Comité Executivo, à televisão italiana RAI.
Se não houver alterações, o Europeu realiza-se de 12 de junho a 12 de julho, em 12 países. Portugal integra o grupo F, com a França e a Alemanha.
AInda relativamente ao futebol, e após terem sido confirmados dois casos positivos em Portugal, a Liga de clubes afirmou que estava na disposição de, se tal se justificar, realizar jogos à porta fechada ou até adiar jornadas para ajudar à contenção da doença.
Entre os grandes eventos desportivos suspensos encontra-se o Grande Prémio de Fórmula 1 de Xangai, cujo início estava previsto para 19 de abril. "Todas as partes vão ter o tempo necessário para estudar a viabilidade de datas alternativas para a realização do Grande Prémio caso a situação melhore", refere a FIA em comunicado.
A decisão do governo suíço de proibir eventos com mais de mil pessoas por causa do novo coronavírus atirou o campeonato nacional de futebol da 1.ª e da 2.ª divisões para depois de 23 de março. As jornadas finais do campeonato suíço de hóquei no gelo, um dos desportos mais populares do país, foram também suspensas até 15 de março.
Duas corridas mundiais de motociclismo já foram igualmente adiadas como medidas de contenção da doença - a primeira foi a corrida de abertura do Mundial de Moto GP no Qatar, país que decidiu colocar em quarentena, por 14 dias, todos os passageiros provenientes de Itália, ou que tenham estado no país nas últimas duas semanas. Seguiu-se o cancelamento do Grande Prémio de Motociclismo da Tailândia (22 de março). "Precisamos primeiro de nos concentrar na pandemia. Devemos adiar a corrida hoje até novo aviso", disse o vice-primeiro-ministro tailandês, Anutin Charnvirakul, que é também responsável pela pasta da Saúde.
Por cá, os campeonatos internacionais de Portugal de badminton, que deveriam ser disputados entre quinta-feira e domingo, nas Caldas da Rainha, foram cancelados nesta segunda-feira devido ao surto de coronavírus
"A Direção-Geral da Saúde do Governo de Portugal procedeu a uma avaliação de risco, à luz dos conhecimentos científicos existentes até à data e referentes à doença infecciosa covid-19, concluindo que quaisquer medidas de contenção que possam diminuir o risco de propagação da doença não parecem garantia suficiente para reduzir o perigo de transmissão da doença", anunciou a Federação Portuguesa de Badminton (FPB).
A nível cultural, ficou nesta segunda-feira a saber-se que o Salão do Livro de Paris (20 a 23 de março) foi cancelado, enquadrando-se na medida do governo francês que proíbe eventos com mais de ciico mil pessoas - costuma receber mais de 160 mil pessoas.
Já a Feira do Livro de Londres (10 a 12 de março) mantém o agendamento, seguindo as medidas atualmente recomendadas pelas autoridades de saúde e prometendo aplicar outras que venham a ser sugeridas. Continua igualmente prevista a realização da Feira do Livro de Leipzig, na Alemanha, de 12 a 15 de março.
A Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, em Itália (30 de março a 2 de abril), é que já tinha passado para outra data, 4 a 7 de maio.
A Billboard cita a Associação Chinesa de Artes Cénicas para dizer que na China e em Hong Kong já foram cancelados ou adiados mais de 20 mil eventos musicais. Várias bandas e artistas decidiram cancelar concertos ou adiar digressões, nomeadamente em países asiáticos.
Os Green Day, por exemplo, cancelaram a tournée asiática, que deveria começar a 8 de março em Singapura e que passaria por Tailândia, Filipinas, Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul e Japão. Também o grupo de k-pop BTS, Ruel, Khalid, o rapper Stormzy, Mabel e os New Order e os The National cancelaram os espetáculos na região.
O setor da moda também tem sofrido com o surto, com desfiles e eventos adiados, como em Xangai. Por cá, a organização da ModaLisboa, cuja 54.ª edição decorre entre quinta-feira e domingo, admite a possibilidade de a iniciativa decorrer "à porta fechada" e divulgar os desfiles em livestream [direto online].