RDT. Estas três letras são uma espécie de marca registada de Raúl de Tomás, que tornou-se ests quarta-feira no segundo jogador mais caro da história do Benfica (20 milhões de euros), apenas superado por outro Raúl, o mexicano Jiménez, que custou 22 milhões aos cofres da Luz. As iniciais RDT estiveram bem visíveis por cima do número 9 da camisola do Rayo Vallecano, que vestiu nas duas últimas épocas, em que comprovou as qualidades que foi exibindo desde os 10 anos, quando entrou nas escolas do Real Madrid, clube que era detentor do seu passe e com quem o Benfica negociou a transferência..Raúl de Tomás nasceu a 17 de outubro de 1994 em Madrid. É filho de um antigo futebolista a quem chamavam Beni, mas que não passou do terceiro escalão do futebol espanhol. A mãe, Mila, nasceu na República Dominicana e, por essa razão, por vezes chamam-lhe dominicano, algo que o avançado sempre refutou. "Não é que não goste, apenas não é verdade. Sou espanhol, nasci em Madrid, representei todos os escalões jovens de Espanha até aos sub-21. A minha mãe é dominicana, veio para Espanha e conheceu o meu pai quando trabalhavam juntos na escola de condução", contou numa entrevista ao jornal regional El Norte de Castilla..Aos 5 anos já o pequeno Raúl seguia as pisadas do pai, dando os primeiros pontapés na bola com os amigos num parque de Parla, localidade a sul de Madrid. Não demorou muito até que a família se mudasse para o norte da capital espanhola, para Algete, pois os pais queriam ficar mais perto da escola de condução onde trabalhavam, em Barajas, não muito longe do aeroporto. Foi por isso que foi inscrito no San Roque, um clube de bairro onde foi descoberto por um olheiro do Real Madrid num jogo com o Alameda. Tinha apenas 9 anos quando esse emissário dos merengues abordou o pai..Um médio que imitava o ídolo Zidane.Um dia Beni (o pai) chegou do trabalho e disse ao filho que o Real Madrid queria que ele entrasse numa equipa para disputar o Torneio Social. Assim foi. Depressa recebeu uma carta a dizer que iria começar a pré-temporada. Era o cumprir de um sonho, afinal por essa altura já era adepto dos merengues e até jogava como médio, tentando imitar o ídolo Zinedine Zidane..Quando o Real Madrid lhe bateu à porta, Raúl de Tomás era apenas mais um miúdo de um bairro problemático dos arredores de Madrid, foi por isso que Míchel, antiga glória dos merengues que o treinava nos cadetes A, propôs aos pais que colocassem o filho num colégio interno, em Villanueva de la Cañada. Por essa altura, já tinha sido convertido em avançado e sentia os primeiros receios de um jovem jogador. Seria capaz de chegar a profissional? A questão era muito pertinente, afinal, eram já vários os companheiros de equipa que eram constantemente dispensados pelos técnicos do Real Madrid..RDT foi jogando nas camadas jovens do Real Madrid, aproveitou o colégio interno para estudar e amadurecer, começando a moldar o seu carácter resiliente. Só via a família ao fim de semana, mas olhando para trás o avançado admite que foi uma etapa decisiva na sua vida. "Se tivesse continuado no meu bairro, não estaria onde estou hoje", disse na entrevista ao El Norte de Castilla..O talento foi-se consolidando e permitiu-lhe ir subindo a escadaria da formação dos merengues até que, ainda com a idade de júnior, foi promovido ao Real Madrid B, também conhecido como Castilla, que então disputava o terceiro escalão do futebol espanhol. No primeiro ano sofreu uma lesão no ombro que o tirou da equipa durante várias semanas, mas na época seguinte desatou a marcar golos até ao momento em que teve de cumprir castigo por completar uma série de amarelos. Foi rendido pelo brasileiro Willian José que fez um hat trick e complicou a presença regular de Raúl no onze..Admirador de Cristiano Ronaldo.No início da época 2014-2015, o treinador italiano Carlo Ancelotti levou-o ao estágio de pré-temporada da equipa principal, nos Estados Unidos. Era um sonho partilhar o balneário com Cristiano Ronaldo e outros craques. Aliás, por essa altura CR7 já era o seu ídolo, considerando-o um jogador "completíssimo". "De repente estava ali com Ronaldo, com quem costumava jogar na consola... afinal era uma pessoa como todas as outras. Sempre me tratou de forma espetacular", afirmou numa entrevista à agência EFE, acrescentando que considera o português "o melhor jogador do mundo"..A estreia pela equipa principal chegaria em outubro, num jogo da Taça do Rei com o Cornellà, em que entrou para o lugar de Benzema. Nessa temporada abandonou a ideia de querer ser emprestado quando soube que o ídolo Zinedine Zidane iria treinar o Castilla. Queria viver a experiência de trabalhar com o jogador que mais tinha admirado durante a infância, mas as coisas acabaram por não lhe correr bem e ainda hoje se culpa por ter desiludido Zidane. Acabou por ser emprestado ao Córdoba e na hora da despedida ouviu de Zizou umas palavras que ainda hoje guarda: "És um grandíssimo jogador, centra-te nisso e verás que tudo te irá correr bem.".Insultos mudaram-lhe a vida.No clube da Andaluzia teve um duro choque com a realidade, afinal era a primeira vez que saía debaixo das asas do Real Madrid. A pressão era maior do que no Castilla, até porque o Córdoba tinha o objetivo de subir à I Liga. Ali ouviu os primeiros insultos da sua vida ao ser substituído durante um jogo..Uma experiência que lhe ficou para a vida. Fechou-se em casa, não jantou e chorou, chorou muito... Não quis falar com ninguém, não abriu a porta de casa ao seu treinador pessoal, Pablo Airas, nem atendeu o telefonema ao pai. Esta situação delicada mudou a forma de encarar o futebol.."Na manhã seguinte, levantei-me e disse para mim próprio: 'vamos corrigir as coisas.' A partir daí mudei a minha alimentação, as horas de descanso, quis fazer tudo na perfeição. Sem dar por isso, esse dia ajudou a mudar a minha vida", revelou numa entrevista à revista online Panenka..Tinha de perseguir a perfeição e meteu na cabeça que tinha de chegar à elite. Apesar de sempre ter tido apoio do treinador pessoal na vertente nutricionista, a partir daí passou a comer apenas produtos biológicos e a cumprir religiosamente os períodos de descanso. Além disso, passou a ignorar os insultos nas redes sociais. "As pessoas têm voz para dizer o que quiserem, mas eu não posso enfrentá-las nem responder a todas", frisou nessa entrevista..Esta mudança radical fez que aumentasse a sua massa muscular e ganhasse velocidade que, como faz questão de dizer, "pode ser a diferença entre um golo ou um falhanço". Nas duas últimas épocas foi o melhor marcador do Rayo Vallecano, o que lhe permitiu destacar-se na Liga espanhola e chegar agora ao Benfica, onde terá a oportunidade de lutar por títulos e de jogar a Liga dos Campeões..Melhorou o jogo de pés com o... boxe.Outro dos segredos da ascensão de Raúl de Tomás nas duas últimas épocas tem também que ver com a prática de outra modalidade: o boxe. Sempre gostou de ver combates e começou a praticar por sua própria iniciativa. "Comecei numa altura em que não estava bem fisicamente e sabia que podia ser importante para mim", explicou ao jornal AS em março de 2018.."Com este desporto potenciei o jogo de pés frente aos defesas adversários", acrescentou, revelando que entrou em contacto com Eric Pambani, boxeur profissional, que lhe deu as primeiras aulas, passando depois a treinar-se com Damián Biacho, uma das grandes promessas do pugilismo espanhol, que aumentou ainda mais a exigência..Apesar de gostar de praticar boxe, Raúl de Tomás tem como principal prioridade o futebol, mas não descarta um dia subir a um ringue para competir. "Quando me retirar do futebol - espero que daqui a muitos anos -, gostava de experimentar entrar num ringue nem que seja só para ter essa sensação", admitiu ao jornal AS..Lema de vida numa tatuagem.Nas costas, Raúl de Tomás tem tatuado um lema de vida: "Segue os teus objetivos, cumpre os teus sonhos, mas não te esqueças de quem eras nem de onde vens." Não deixar que o dinheiro e a fama mudem a sua personalidade é uma das suas preocupações.."Provavelmente só 60% ou 70% dos jogadores conseguem manter os pés assentes na terra. Eu sou uma pessoa muito humilde, podem pensar que pela minha forma física ou pelo que transmito posso ser arrogante, mas quem me conhece sabe que eu sou normal", disse em entrevista à EFE, garantindo que não mudou a sua vida por agora ter mais dinheiro.