Festa rija e um lusodescendente em Atlanta
O dia em que assistiu à histórica jogada de Dwight Clark e Joe Montana, conhecida como "The Catch", ficou impresso para sempre na sua memória. "Lembro-me de ser pequeno e estar enamorado por essa imagem", conta Dean Câmara, um luso-americano de primeira geração que ficou fascinado com a dança das câmaras nesse playoff de janeiro de 1982. O touchdown deu a vitória aos San Francisco 49ers sobre os Dallas Cowboys e abriu caminho para a conquista da Super Bowl XVI (16). Para o filho de portugueses que crescia na Califórnia, foi também o início do amor às câmaras. Trinta e sete anos depois, o mundo inteiro verá a transmissão da final entre os Los Angeles Rams e os New England Patriots através das suas lentes: Dean Câmara foi um dos escolhidos para filmar a Super Bowl LIII (53) que se joga na madrugada de domingo para segunda em Atlanta, Geórgia.
"É o resultado de uma longa temporada, a trabalhar ao lado de alguns dos maiores cinematógrafos do mundo", disse ao DN o lusodescendente, dono da Cineasta Digital Productions. "Estar lá para o jogo final é algo que nos faz parar e beliscar-nos."
A relação de Dean Câmara com a produtora de vídeo do campeonato de futebol, NFL Films, vem de longa data. Já filmou outras finais no passado, é presença assídua nos jogos do campeonato e em 2017 venceu um prémio Emmy pelo trabalho no reality show Hard Knocks. "Sinto-me humilde e honrado por ser selecionado para a equipa", partilhou o cineasta. Chegou a Atlanta na quarta-feira, fez vários testes e teve alguns briefings, mas disse que não há grande preparação a fazer. O momento é portentoso, mas, no final, "é só filmar um jogo de futebol".
Os fãs do desporto-rei nos Estados Unidos são capazes de discordar. A final é histórica porque regressa ao grande palco uma equipa de Los Angeles; vinte e cinco anos depois de os Rams terem saído para St. Louis, Missouri, a cidade dos anjos volta a ter a esperança de se sagrar campeã.
O apoio à equipa começa a ver-se assim que se aterra no aeroporto LAX e se passa pela icónica pastelaria Randy"s Donuts, em Inglewood. A loja fez uma parceria com a Nike e pintou com as cores clássicas dos Rams - amarelo e azul - o doughnut gigante que tem no telhado e se vê de longe. Lá dentro, há doughnuts com cobertura de açúcar azul e missangas amarelas ou Rams escrito a amarelo sobre fundo azul. A última semana também foi uma correria para outra loja de doughnuts em LA, a Ravin"s Donuts, que criou iguarias em forma de bola de futebol com o incentivo "Go Rams". Em Santa Ana, a SR Favorite Treats criou uma cobertura de chocolate para morangos com as cores da equipa, e na loja de equipamentos desportivos The Locker Room of Downey estão à venda aventais para homens com o símbolo dos Rams, para adornar a maratona de barbecue que se adivinha.
Muita gente vai organizar ou participar em viewing parties (festas de visionamento) na casa de amigos, onde as grelhas vão passar várias horas a tostar salsichas para cachorros quentes e hambúrgueres para meter no pão. Mas é nos sports bars que a festa será mais rija. Estes bares que se veem por toda a cidade têm múltiplos ecrãs gigantes, cerveja a rodo a preços mais baixos e menus especiais para a Super Bowl. O Big Wangs de North Hollywood é um dos bares oficiais da torcida dos LA Rams e estará vestido a rigor, com prémios para os fãs, animação de marcas de cerveja como a Corona e a presença da CBS e Amp Radio. A expectativa é de "casa cheia", disse uma das empregadas, tal como acontece "em todos os jogos fora" da equipa.
Uns quilómetros para sul, na famosa Hollywood Boulevard, o Hard Rock Café terá uma festa de visionamento com 32 televisões e um videowall gigante com mais de três metros e meio de altura. Os bilhetes de entrada custam 50 dólares, com oferta de bebida e comida e, se tudo correr como os "angelenos" esperam, direito a festejar a vitória em pleno Passeio da Fama.
Na Baixa da cidade, o clube noturno The Reserve promete um evento "histórico" a começar às duas da tarde e na zona LA Live, onde há vários bares e restaurantes, a previsão é de uma enchente - à semelhança do que aconteceu quando a equipa de futebol feminino (o de bola redonda, como o europeu) se sagrou campeã do mundo da FIFA, em 2015. Mais perto da praia, em Santa Mónica, o hotel Shangri-La terá uma festa junto à piscina com bebidas grátis para fãs equipados com as cores dos Rams. Em Burbank, onde ficam os estúdios da Warner Bros, o Tony"s Darts Away vai oferecer uma versão vegana das asas de galinha, que são praticamente a comida oficial das tardes de futebol.
Nos muitos eventos que vão decorrer por toda a cidade, a expectativa é empolgar uma geração de fãs que não teve qualquer equipa local durante mais de duas décadas. Os Rams só regressaram a Los Angeles em 2016, o que explica que ainda estejam a tentar atrair novos fãs e reconciliar a velha guarda. Quando chegaram, corria a piada de que ninguém queria saber, porque Los Angeles tem habitantes vindos de todas as partes do mundo e muitos mantêm a fidelidade às equipas das suas cidades natais. Mas não há nada como uma fórmula vencedora para convencer os céticos.
"É fácil e indolente dizer que ninguém quer saber dos Rams, mas isso não é de todo verdade e dizê-lo ignora a sua existência em LA durante tantos anos, antes de se terem mudado para St. Louis", explica William Villar, que é natural do Minnesota e se mudou para Los Angeles há 17 anos em busca de uma carreira no entretenimento. A sua perceção é que o grau de excitação na cidade por causa desta final é de seis numa escala de zero a dez, e isso é consistente com o trabalho que a equipa está a fazer para voltar a estabelecer-se localmente. "De 1995 até agora perdeu-se uma geração de fãs", analisa, "mas os jovens estão a abraçá-los, pelo que tenho visto".
Há até quem tenha mudado de clube por causa do regresso. A cantora Bruna Rodrigues, que trocou o Brasil por LA há alguns anos, tinha apreço pelos San Francisco 49ers e continua a gostar "do uniforme" deles, mas aderiu completamente à Rams Nation. "Eu esperava que chegassem até à Super Bowl", diz, animada, sublinhando que a equipa "melhorou muito" desde que foi buscar Sean McVay como treinador. Aposta na vitória dos Rams por 28-26, embora reconheça que a grande estrela dos Patriots, Tom Brady, é um obstáculo de peso. "O Tom Brady é sempre um perigo, mas eu confio que o treinador dos Rams irá trazer uma estratégia que vá, pelo menos, permitir que o run game seja efetivo." O outro problema que identifica é a falange de apoio. "Os fãs dos Rams não viajam muito para jogos, e seria bom ter o apoio da multidão para que os audibles dos Patriots fossem abafados."
Do outro lado, algumas dessas vozes que vão puxar pelos New England Patriots serão de portugueses e lusodescendentes. Apesar de a Califórnia ser o estado com mais luso-americanos do país, cerca de 350 mil, a comunidade pende para o lado dos Patriots. "Há muitos portugueses na Nova Inglaterra que são fãs, e outros na Califórnia", confirma Nelson Ponta-Garça, que vive entre a Califórnia e os Açores e produziu os documentários Portuguese in California e Portuguese in New England. O músico português dos Extreme, Nuno Bettencourt, é um deles. Fã dos Patriots, vai abrir as portas da sua casa nos Hollywood Hills para uma festa de visionamento, onde o casal de luso-americanos Liz e Tony Rodrigues estará a torcer por lados diferentes. Ela pelos Patriots, ele pelos Rams. E a sobrinha do músico, a cantora Maria Bettencourt, vai estar com amigos num "barbecue à americana" para apoiar a equipa a partir dos Açores. "A minha família paterna emigrou para Boston nos anos 70, portanto não havia como não apoiar os Patriots", explica. "O meu gosto pelo jogo e adoração pela equipa cresceu de há uns anos para cá, quando voltei a ir regularmente aos Estados Unidos e vi como era tudo tão importante para os meus tios e amigos." Para a artista, é uma forma de se sentir mais chegada à família do outro lado do Atlântico. Acredita, obviamente, na vitória, até porque "o Brady é o Brady", o jogador que os rivais adoram odiar. "Tenho a certeza de que vamos sofrer até ao fim do jogo, em true Patriots fashion, mas será, com certeza, uma noite de celebração e de muita festa", antecipa.
Em Atlanta, por detrás da lente, Dean Câmara quer acima de tudo ver um bom jogo, mas está contente que os Rams tenham chegado à Super Bowl. "Não apenas porque são da Califórnia mas também porque um dos seus jogadores, John Mundt, é da minha cidade natal de Modesto e andámos no mesmo liceu", revela. Ambos são protagonistas do clássico sonho americano. "Poder ver outro miúdo da mesma cidade pequena do vale central da Califórnia na Super Bowl a perseguir os seus sonhos... é muito porreiro."
11 Os Patriots são a equipa da NFL que mais Super Bowls disputaram, num total de 11. A equipa de Tom Brady conquistou cinco edições e caso vença os Rams igualam os seis troféus dos Pittsburg Steelers. Já a equipa de Los Angeles vai disputar a sua quarta final - só venceu uma vez.
4 Tom Brady, quarterback dos New England Patriots que já conquistou cinco títulos, foi eleito quatro vezes o MVP (jogador mais valioso) do Super Bowl. O marido da modelo brasileira Gisele Bündchen detém vários recordes individuais, entre os quais a maior quantidade de passes para touchdown em Super Bowls (18).
17 Nunca um confronto entre quarterbacks representou melhor o que é uma disputa de gerações. Do lado os Patriots o consagrado Tom Brady, de 41 anos. Pelo Rams vai atuar Jared Goff, 24 anos, apenas na sua terceira temporada na NFL. A diferença entre os dois é de 17 anos e 72 dias.
1,2 O Super Bowl só perde para o Dia de Ação de Graças como a data em que os americanos mais comem e bebem. Estima-se que durante a final sejam consumidos 1,2 mil milhões de litros de cerveja, quantidade suficiente para encher 480 piscinas olímpicas. Outros números curiosos: 14,5 toneladas de batatas, 1,25 mil milhões de asas de frango e 1,8 toneladas de pipocas.
5 Com uma audência a nível global de mais 110 milhões de pessoas, o intervalo do Super Bowl é o espaço mais pretendido pelos anunciantes, mas pago a peso de ouro. Um anúncio de 30 segundos custa cerca de 5 milhões de dólares (cerca de 4,3 milhões de euros). Os Maroon 5 vão animar a plateia ao intervalo.