A oficialização chegou com o Orçamento do Estado para 2021: em plena pandemia que tinha a restauração, o turismo e a cultura de rastos, o governo preparava-se para devolver 200 milhões em IVA aos contribuintes. A medida era virtuosa à partida - o Estado prescindia de uma fatia dos impostos que deveria receber das áreas mais afetadas pelas restrições decorrentes da pandemia e punha esse valor na mãos dos portugueses para que o gastassem nesses setores, dando assim um importante empurrão ao consumo e uma ajuda aos negócios..Depois, começou a trapalhada. Foram precisos seis meses para sabermos mais do que isto. Em maio, lá nos informaram sobre as linhas gerais de como a coisa ia funcionar. E dias depois descobriu-se que o dinheiro para operacionalizar o programa fora subtraído aos tais 200 milhões que deviam voltar para as mãos dos contribuintes (cerca de 7 milhões). Então veio a trapalhada total, com a empresa a quem se entregou a gestão do programa e os custos que os estabelecimentos teriam de custear para aderir ao IVAucher. Soube-se em seguida que à dita empresa - comprada pelos islandeses da SaltPay no mês seguinte ao concurso público que lhe garantiu a gestão - foram facultados os dados pessoais de todos os contribuintes que aderiram ao IVAucher. Garantias de proteção? Estamos para saber se as há....Durante os meses de junho, julho e agosto - disseram-nos a meio de maio - poderíamos então ir juntando o valor do IVA gasto nas compras que fizéssemos dentro daquelas atividades. Tarefa que se revelou difícil para muitos de nós, dado o prolongamento das restrições ao sabor do gráfico de contágios que se tornou bola de cristal para António Costa decidir o futuro do país. Mas lá conseguimos dar vida ao "IVA que vai e volta" com uns almoços vespertinos e uns fins de semana de fuga antecipada das cercas sanitárias quinzenais, até se dar verdadeiro gás à coisa no mês de agosto..Agora chegou setembro, o mês de apurar o que se acumulou e distribuir para começar a gastar em outubro, dando aquele tal empurrão à economia. Mas entretanto o governo lembrou-se, a uma semana do fim do período de acumulação de saldo, que os livros escolares e música também são virtuosos candidatos a estímulo e por isso alargou a oferta a esse tipo de compras. Que acabam por ficar limitadas no valor e no tempo, já que todos os que têm filhos no ensino público recebem manuais gratuitamente; e as campanhas de regresso às aulas só arrancam em setembro... quando a possibilidade de juntar saldo no IVAUcher já fechou..Lembrou-se também o executivo que bom mesmo, em vez de uma ligação em rede que devolvesse o tal valor acumulado por cada um de nós para gastar nos estabelecimentos das áreas que mais sofrem, era pôr o dinheiro na nossa conta bancária. Bem, na nossa e na dos estabelecimentos - ainda não está bem claro a quem vai ser creditado o quê ou sequer como, visto que muitos acabaram por não aderir ao IVAucher. Claro que isso implica associar ao programa um cartão bancário, e envolver os bancos e ter na conta o contribuinte a quem se associou o gasto - os miúdos cujos pais compraram livros de fichas em agosto serão orgulhosos segundos titulares das contas dos progenitores, portanto..Quando se devia estar a operacionalizar o momento do estímulo ao consumo, estamos portanto ainda a ver como havemos de fazer isto e a lembrar-nos de que devíamos ter feito aqueloutro. E assim se transforma uma ideia virtuosa num campo minado.