Roger Eatwell, de 70 anos, assinou com Matthew Goodwin o livro National Populism e esteve em Lisboa para o lançamento da edição portuguesa, cujo título foi abreviado para Populismo (ed.Desassossego)..O livro está estruturado sob o chapéu de quatro D: desconfiança (nas elites), desalinhamento (dos partidos tradicionais), destruição (do modo de vida) e despojamento (aumento da desigualdade económica). Qual deles pode ser o mais disruptivo? O que nós dizemos é que estes fatores são bastante complicados e inter-relacionados. É muito difícil separá-los. E não podemos esquecer-nos de que esta revolta começa nos anos 1990, com a Frente Nacional francesa e o Partido da Liberdade austríaco, muito antes da grande crise de 2008 e das grandes migrações de 2015. É uma revolta contra uma classe política e uma elite. São pessoas que, em geral, não rejeitam a democracia, querem eleições, mas sentem que uma elite emergente, educada, globalizada e voltada para as empresas tende a não ouvir o povo..Estão desligados. Pudemos ver isso no embate entre Donald Trump e Hillary Clinton em 2016, quando esta disse que metade dos apoiantes de Trump são "uma cesta cheia de deploráveis" e Trump respondeu a dizer que gosta das pessoas com pouca educação. É uma coisa estranha de dizer, mas penso que estava a tentar demonstrar que tinha uma afinidade para com o que os norte-americanos chamam de estados de sobrevoo, os estados entre a Califórnia e o nordeste à beira-mar, muito liberais e dinâmicos, em oposição aos estados no coração dos EUA, da negligenciada América rural. Podemos ver isso no Congresso dos EUA, em 2018. É o mais representativo de sempre no que respeita a mulheres e minorias étnicas. Mas no que respeita a pessoas com um passado de trabalho manual não há nenhum, mas há um largo número de milionários..Portugal deixou de estar imune ao populismo de extrema-direita com a eleição de um deputado. Vocês dizem que veio para ficar no que chamam de pós-populismo. O que é isso? Não prevemos que os partidos nacionalistas populistas vão chegar aos governos ou continuar a subir. Por exemplo, neste ano, na Dinamarca, o Partido do Povo ficou em terceiro nas europeias, quando nas anteriores tinha sido primeiro. Isso explica-se, em parte, porque os sociais-democratas foram buscar grandemente o programa do Partido do Povo em termos de ataque à imigração e na defesa da cultura dinamarquesa, ao mesmo tempo que defendem o Estado social e valores ecologistas. Mas os temas que os populistas trazem para a agenda política vão manter-se por muito tempo. O que falamos do pós-populismo é uma versão leve, em que os sociais-democratas são uma exceção, de partidos de centro-direita que vão buscar parte da retórica e parte do programa. Em França, foi o que Sarkozy fez em 2007 em relação ao programa de Le Pen, que cai de forma estrondosa em comparação com 2002..Com a apropriação de medidas populistas nos programas de governo de partidos conservadores, qual é a linha vermelha entre o que é e não é democrático? No nacionalismo populista, principalmente nas democracias mais amadurecidas, como os EUA ou o Reino Unido e, cada vez mais, Portugal, é um desejo de reequilibrar a balança. Alguns dirão que estamos demasiado liberais, mas não democráticos o suficiente e por isso querem mais referendos. No geral, os seus programas são muito difusos, mas referendos é o que quase todos pedem. Não significa que queiram derrubar o Parlamento, mas um reequilíbrio. Se formos para os extremos, e a Hungria pode ser um exemplo, vemos Orbán a falar de democracia iliberal e a querer pôr em causa aspetos essenciais do sistema, como mudar a Constituição para dar ao Fidesz uma maioria absoluta, atacar os meios de comunicação livres e ameaçar universidades. É necessário distinguir os partidos: há uns genuinamente democráticos, o que será verdade para o UKIP, e no Partido do Brexit de Nigel Farage e também nos populistas holandeses de Geert Wilders. Outros, nas margens, estão a empurrar-nos para águas perigosas..É um especialista em fascismo e no livro faz a distinção entre fascismo e populismo. Não encontra pontos de contacto preocupantes? Existem sobreposições nas ideologias. Com o fascismo as maiores ligações são no estilo. Veja-se a América Latina: os líderes dizem o que os eleitores querem ouvir e fazem promessas que não podem cumprir. Tentam identificar junto do povo uma linguagem ou uma causa comum ou atividades que possam parecer normais. Há paralelos com o fascismo: líderes carismáticos, linguagem manipuladora, origem humilde, utilização de teorias da conspiração. Se olharmos para a retórica, a sua luta nas ruas fez-se com paramilitares. No Reino Unido isso é hoje proibido. E os populistas não celebram a violência, o UKIP e o Partido do Brexit não celebram a violência. Isso vê-se um pouco na Hungria quando o Jobbik, partido ainda mais extremo do que o Fidesz, tinha uma milícia, mas foi proibida. O fascismo era uma ideologia muito masculina. O populismo também pode sê-lo e aí podemos encontrar outro paralelo. O Vox é um partido muito patriarcal e tradicional, com um papel da mulher muito limitado e hostil no que respeita aos direitos dos homossexuais. Mas se olharmos para a Alternativa para a Alemanha [AfD], a sua líder parlamentar [Alice Weidel] é doutorada em Economia, é uma banqueira internacional que fala mandarim, é abertamente lésbica e a sua parceira é cingalesa. E na TV alemã foi chamada de "vadia nazi". Ou Marine Le Pen, uma advogada defensora da igualdade das mulheres no trabalho, e que tem tido vários assessores gays. Estes partidos estão longe do fascismo clássico. Isso seria impossível. É uma grande divisão no espectro dos partidos populistas, com o Vox, o Chega e cada vez mais a Liga de Salvini, que defende o papel tradicional e patriarcal da extrema-direita de um lado e outros. Como os partidos são nacionalistas tendem a refletir os valores do país. Em termos de tamanho, os Países Baixos são pequenos, densamente povoados e historicamente muito liberais e isso reflete-se na campanha dos partidos populistas. Mas todos eles têm um núcleo comum no qual defendem o poder do povo, a maioria silenciosa que tem sido ignorada pelas elites.. Populismo tem como objetivo compreender as motivações dos eleitores dos movimentos populistas, mas não apresenta soluções. Porquê? O livro é feito para o leitor generalista e não podia ultrapassar-se o limite de 85 mil palavras. Mas a razão principal para escrever o livro -- e eu votei pela permanência na UE e nunca votei em Nigel Farage -- é que os eleitores dos populistas estão a ser tratados de forma injusta. São chamados de fascistas, racistas, ignorantes e estúpidos. E os liberais não fizeram suficiente autocrítica sobre os problemas do liberalismo. Não temos de concordar com estes eleitores, mas também não temos de achar que a maioria é racista por não querer imigração sem qualificações. Algumas questões relacionadas com a imigração são legítimas. A ONG Hope not Hate, que é antirracista, fez um grande estudo sobre imigração e concluiu que 85% dos britânicos tinham uma opinião equilibrada. A maioria estava satisfeita com a imigração, mas perguntava quantas pessoas sem qualificações o país precisa. E o que fazemos com a comunidade muçulmana? Ao contrário das comunidades negras, os muçulmanos parecem cada vez menos integrados..Há quem na comunidade tente estabelecer uma agenda ultraconservadora, por exemplo, ao contestar a educação sexual nas escolas. Estive em Bradford, no norte de Inglaterra, este ano, que tem uma grande população muçulmana. Depois das aulas, os rapazes vão para as madraças, onde permanecem duas, três horas, onde são instruídos em árabe. Frequentemente, a primeira língua em casa não é o inglês. As raparigas tendem a não participar nas atividades desportivas. Em Bradford há um enorme problema de obesidade, mais agravado na comunidade muçulmana. Que vamos fazer? Temos de falar na integração na sociedade. Penso que o número de verdadeiros racistas no país é baixo e muito mais baixo do que há 40 anos porque o país mudou. Mas os movimentos antirracistas não aceitam os populistas porque veem-nos como movimentos racistas. Veem racismo em todo o lado e o que faz é antagonizar ainda mais o populista ao ser chamado de fascista ou racista..Uma sondagem recente concluiu que uma maioria de britânicos não se importaria que se recorresse à violência sobre os deputados desde que o seu desejo sobre o desfecho do Brexit se concretizasse. Foi uma sondagem muito criticada. As sondagens podem sugerir coisas aos inquiridos e manipular respostas. O referendo de 2016, com o resultado de 52% a favor do Brexit e 48% contra dividiu os eleitores. As sondagens sobem e descem, mas pode dizer-se que há metade para cada lado. Pode mudar se houver um novo referendo porque a campanha pode ser melhor, com outros argumentos. As pessoas não mudaram de opinião, tendem a ficar mais polarizadas, em especial entre os brexiteers da classe trabalhadora com menos educação. Há quem pense que as elites querem roubar-lhe o voto e isso deixa-os enraivecidos. Mas penso que quando o Brexit se resolver, de uma forma ou de outra, o tema vai desvanecer..Que lições podem extrair-se do Brexit? Um dos maiores erros da política britânica dos tempos modernos foi no dia em que David Cameron pensou, sem dúvida, que uma maioria de 55% ou mais iria votar a favor da UE. A convocar um referendo, o resultado devia ser válido apenas com uma maioria de pelo menos 55%. Cameron nunca pensou de forma séria sobre se iria correr mal nem sobre a dinâmica da campanha. O que se viu foi Boris Johnson, que não era brexiteer, decidir que era a sua oportunidade. A história há de comprovar que essa era a sua ambição pessoal. A maioria dos investigadores não gosta de personalizar, preferem as forças estruturais, e por aí fora. Mas Johnson era popular e os líderes importam. Se tivesse decidido pelo outro lado, o resultado podia ter sido ao contrário. E a campanha foi muito estranha, foi de mentiras e medo. A campanha pela permanência achou que bastava atemorizar as pessoas. A campanha pela saída mentiu, em particular com o slogan do autocarro de campanha [que o Reino Unido enviava 350 milhões de libras por semana para Bruxelas]. Os referendos podem ser úteis, mas convocar este foi especialmente tolo..É legítimo convocar um referendo pela independência na Catalunha? O problema é saber quem tem direito a manifestar-se sobre a autodeterminação. Na Catalunha devia ser a Espanha inteira a votar? É o que pensam os nacionalistas espanhóis. Mas para um nacionalista catalão isso era inaceitável, porque a Catalunha é uma nação. O mesmo se passa na Irlanda do Norte ou em qualquer outra parte do mundo. Não há uma resposta certa ou errada, nem simples. É um problema gigante na teoria das relações internacionais porque em primeiro lugar temos de decidir que partes do território têm direito à autodeterminação..Concorda com Yascha Mounk, autor de Povo vs. Democracia, quando diz que é necessário aceitarmos o nacionalismo inclusivo como forma de restaurar a confiança nas sociedades ocidentais? Algumas coisas que Mounk diz estão erradas. Se perguntarmos aos húngaros se querem um líder mais forte vão pensar num muito autoritário. Mas se fizer a mesma pergunta aos britânicos, estes vão pensar numa Margaret Thatcher. Mounk tem razão quando fala nos problemas dos líderes fortes em democracia em países como a Hungria ou o Brasil, mas está errado quando fala dos britânicos ou dos portugueses. Estes querem numa liderança forte uma pessoa decidida e que saiba ouvir as pessoas. Mas o ponto é se precisamos de um nova visão do nacionalismo. E acho que sim. Como diz o norte-americano Jonathan Haidt, quando pensamos no nacionalismo vemo-lo como agressivo e hostil, mas ele faz uma comparação: pelo facto de amar a minha mulher isso não significa que eu menospreze as outras; pelo facto de eu gostar do meu país não vou insultar os outros. É verdade que os nacionalismos podem assumir formas diversas. E temos de afastar o nacionalismo positivo, que nos dá uma sensação de pertença, do mau nacionalismo. Esse vai ser o debate dos próximos anos, como trazer de volta as pessoas que saíram do sistema.. Populismo. A revolta contra a democracia liberal Matthew Goodwin e Roger Eatwell 320 págs. 18,80 euros Ed. Desassossego