E agora, já se pode falar no diabo?

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Num ano com um recorde de vagas abertas para especialidades médicas, houve também o maior número de sempre de lugares sem candidatos. A maioria dos profissionais de saúde foge a sete pés da Região de Lisboa e Vale do Tejo, onde as Urgências continuam em estado caótico e as demissões de chefes de equipas e direções dos hospitais se sucedem por falta de condições para trabalhar. Coincidência? Os problemas no SNS são antigos, mas pioraram gravemente nos últimos anos - e a covid foi apenas uma justificação que a esgotadíssima Marta Temido, respaldada pelo primeiro-ministro, foi repetindo para não reconhecer que a ideologia que lhe serviu de guia para as políticas de Saúde é um desastre. Ainda assim, o novo ministro consegue ver uma situação "muito melhor" nos hospitais.

Os agricultores portugueses continuam à espera dos apoios que o governo promete em anúncios sucessivos, mas nunca chegam ao terreno, irremediavelmente condenados a enfrentar a solo a seca, a escalada de preços da energia, os custos de fertilizantes e materiais essenciais à produção. Do governo, diz-lhes a experiência, só devem esperar o pior: críticas e ofensas, regras bacocas que dificultam ou tornam impossível a vida rural, ideias mirabolantes e considerações de mau gosto de quem devia representá-los e defendê-los. Ainda assim, a ministra de uma pasta já quase oca vai acenando com verbas incríveis (definidas por Bruxelas) e argumentos espantosos - afinal, não há extinção das Direções Regionais (DRA), diz agora, mas os diretores transitam para as CCDR; tudo não passou de uma grande confusão, esclarecida apenas ao fim de uma semana e depois de, num movimento inédito, todo o setor se unir para exigir a manutenção das DRA e a saída de Céu Antunes.

Os estudantes estão na rua porque não aceitam a perda de qualidade na Educação, que os prejudica. Os funcionários públicos fazem greve porque estão cada vez mais longe no comboio das carreiras e dos salários dignos. Os polícias manifestam-se contra a degradação das condições em que trabalham e do desrespeito de que são alvo há anos.

O otimista primeiro-ministro que manda na maioria absoluta, imune a crises, vai sorrindo e acenando. Mesmo que substitua em média um governante por mês, entre homens de confiança constituídos arguidos por prevaricação e secretários de Estado que o defenderam contra o ministro de quem dependiam, sendo descartados sem mais - ainda que o próprio António Costa tenha declarado não ter problemas em manter um ministro que aproveitou a sua ausência para anunciar um projeto de novo aeroporto que não existia nos planos do chefe do governo. O mesmo PM que, depois de trazer ao seu executivo 50 pessoas com relações familiares, criou a "Lei dos Primos" (que impede a nomeação de parentes até ao quarto grau), apenas para a quebrar no governo absoluto, com a nomeação de dois irmãos. O mesmo PM que descarta a chegada do diabo, apesar de os alarmes se terem tornado ensurdecedores - inflação sem dar sinais de abrandamento, ao contrário do débil crescimento do país, juros a subir à alta velocidade com que se esboroam as poupanças, famílias já a cortar na comida...

Se ainda assim Costa não vê o diabo, talvez seja bom pedir ao selecionador nacional que interceda por nós.

Subdiretora do Diário de Notícias

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