É menina, pesa 2080 gramas, nasceu às 15.25 desta segunda-feira, duas semanas antes do termo de gravidez. Filha e mãe estão bem de saúde. É o quinto parto do dia na maternidade do Centro de Saúde Urbano do Macurungo e o terceiro a que assiste a enfermeira obstetra Maria de Jesus que chegou há três horas de Portugal com o avião da Cruz Vermelha Portuguesa. Os partos são contínuos, filhos de mães que têm o primeiro filho muito antes dos 18 anos..A mãe desta menina, que ainda não tem nome como a maioria dos recém-nascidos - é a família que o irá escolher e quem tem a primeira palavra é o pai -, é Luísa Francisco, que acabou de atingir a maioridade. Maria de Jesus ficou surpreendida com a situação que encontrou: "As únicas coisas que a maternidade tem são os lençóis e as macas. As mães trazem duas capulanas [pano tradicional] para tapar a mãe e o bebé, esta como era novinha só trouxe uma, exatamente a mesma situação que encontrei em Timor." Isso foi há dez anos..Maria de Jesus vestiu uma bata esterilizada, calçou luvas (era a única), explicou como aspirar e limpar o bebé com material esterilizado, no fundo, como proteger a mãe e o filho das infeções. Percebe-se que é muito pouca a informação destas mulheres. As grávidas não sabem o sexo da criança, também as semanas de gravidez, que vacinas tomou ou outras informações que, em Portugal, por exemplo, são banais..Assistiram ao parto as alunas do Instituto Politécnico da Beira Índico, que estão no segundo ano do curso para parteiras e este é um estágio de formação, que diziam continuamente à mãe para fazer força e "fechar a boca"..Entre elas, Olívia Zeca, 32 anos, Felícia Filipa, 29 anos. A primeira tem cinco filhos, entre 1 e 15 anos; a segunda, quatro, entre os 3 e os 15 anos. Ficaram com as casas parcialmente destruídas, sem as placas a cobri-las, mesmo assim, continuam, a surpreender-se com a maravilha da vida. "Um parto é tudo, é uma grande alegria poder ajudar.".Não há muita privacidade nestas unidades, ainda mais quando os partos coincidem com a chegada de uma comitiva da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), acompanhada do seu presidente, Francisco George, e dos Médicos do Mundo (MdP). É a primeira vez que as duas estruturas assinam um acordo de cooperação para prestar assistência aos sobreviventes de uma catástrofe, além disso de nível internacional..Razia Aliasse, 38 anos, funcionária de uma loja, também assistiu ao parto e tem um sorriso rasgado. Acompanha-a a irmã, Naizma, de 40 anos, que trabalha numa clínica na Beira, e veio entregar donativos. Coordena o grupo Abdul Abamo, 33 anos, que viajou de Maputo a suas expensas para doar leite em pó, papas, fraldas, águas, açúcar, pensos, leite fresco, bens que foram doados ao Movimento Muçulmano de Apoio às Vítimas do Ciclone Idai..A enfermeira Jesus ainda assistirá um quarto parto, desta vez a filha de Isabel João, que está acompanhada da mãe e deixou dois filhos em casa; uma rapariga de 6 anos e um rapaz de 4..É às mulheres que pertence o reino dos bebés que nasceram nos últimos dias na maternidade de Macurungo, cinco a sete por dia. No serviço de parturientes estão mais sete e apenas dois são do sexo masculino..Caira Felisberta, 21 anos, teve uma menina às 11.00. Já tem uma filha com 5 anos, o que significa que foi mãe aos 17. Mora num bairro próximo de Magute.."O parto foi bom, correu muito bem. Nada se compara ao que passei na noite de 14 para 15 de março [quando a Beira foi atingida pelo ciclone] com as chapas da casa a voarem], entre as 21.00 e as 06.00. O marido estava "de serviço" e ela fugiu para a casa de uma amiga..Na sala de partos, a mãe com mais filhos é a Luísa Luís, 29 anos, com quatro crianças, de 8, 5 e 2, além da menina que nasceu às 20.00 de domingo..Um dos bebés do sexo masculino é o primeiro filho de Cremilda Lacerda, 21 anos, a que assistiu Lara Martins, coordenadora da missão em Macurungo..As crianças ainda não têm nome - a exceção é a Sebastiana, filha de Lúcia Pedro, de 23 anos, a sua segunda filha..A maioria das parturientes são de Macurungo, onde a CVP e MdM instalaram um hospital de campanha, a funcionar desde sexta-feira, e cuja instalação corresponde a um pedido do Ministério da Saúde moçambicano. "Instalámo-nos aqui porque é um bairro com muita população, população carenciada, e que vive com as piores condições higiénico-sanitárias", diz Lara Martins, da CVP e chefe da missão.."É um bairro bom, com muita família, faltam coisas, mas gosto muito de cá morar", diz Cremilda..A missão está a instalar uma segunda maternidade em tendas e com equipamento novo e especializado. Ao lado fica outra tenda para as consultas externas: pediatria, consulta do adulto, saúde materna e apoio psicossocial. Há, ainda, um espaço para as urgências e que pode fazer pequenas cirurgias, incluindo a administração de antibióticos e analgésicos por via intravenosa..788 casos de cólera.Estão instalados junto às tendas da UNICEF suíça, numa zona a que chamam Complexo de Saúde e onde todas as Organizações Não Governamentais respondem pelo chapéu da Organização Mundial de Saúde..O espaço das Nações Unidas é especializado em cólera e é coordenado pela equipa dos Médicos sem Fronteiras (MSF). Tem sete tendas, uma delas para triagem, sendo rígidas as regras de esterilização e de prevenção, nomeadamente o uso de máscaras, luvas e batas. A entrada está vedada ao exterior..Foram reportados 47 casos da doença em Macurungo, num total de 788, o balanço desta segunda-feira dos MSF. Neste bairro da Beira, só ontem, segunda-feira, surgiram 25 novos casos. Os doentes são tratados e podem seguir para casa e ficam entre 24 e 48 horas, os casos mais graves podem permanecer 72 horas. Há registo de uma morte, de uma pessoa que entrou em estado avançado da doença.."O importante da cólera é evitar a transmissão da doença, que se faz através da boca. Daí o uso de desinfetante, luvas e máscaras. Aqui, damos uma solução com açúcar, soro e, depois, antibióticos. O importante é beber muita água", explica o espanhol José Valléjo, enfermeiro e coordenador da unidade. Tem atualmente cerca de 80 camas, número que pode ser ampliado..Tem outro centro para o tratamento da cólera em Munhava e esperam abrir um terceiro em breve..A jornalista viajou a convite da Cruz Vermelha Portuguesa.