Assim que neste domingo cortou a meta e soube que tinha acabado de ser campeã mundial de velocidade de Supersport 300, Ana Carrasco chorou de emoção, limpou as lágrimas e vestiu uma camisola com a mensagem: Ride like a girl (conduz como uma mulher). A mensagem não podia ser mais clara para aquela que acabara de se transformar na primeira mulher a vencer um mundial de velocidade no motociclismo. Habituada a pilotar entre os homens, desta vez, Ana foi mesmo o carrasco de 39 pilotos (entre eles mais uma mulher: María Herrera)..Antes de se sagrar campeã tinha garantido que trabalhava "para obter resultados como piloto, não como mulher", embora reconhecendo que "sendo mulher os resultados saltam mais à vista" e "isso é importante para abrir portas a outras profissionais". Ana nunca disfarçou o orgulho de ser mulher e ostentou e impôs uns toques cor-de-rosa na moto Kawasaki e no equipamento verde-alface. A guerreira de Cehegín (Múrcia) passou então a ser conhecida como Pink Warrior (a guerreira cor-de-rosa) . A alcunha pegou a ponto de já ser imagem de marca e que dá inclusive nome ao clube de fãs da mais recente campeã de Supersport 300.Ana é natural de Cehegín, Múrcia (Espanha), e começou a correr com apenas 3 anos. O pai era piloto e cedo lhe ofereceu, bem como à irmã, uma moto. Antes de saber falar já sabia conduzir. Mas rapidamente percebeu que "não era um brinquedo e que podia fazer mais do que passar o tempo a andar de moto". Aos 13 anos fez a primeira prova e aos 14 estreou-se no campeonato espanhol de velocidade. Depois foi sempre a subir de categoria e a quebrar barreiras..Habituada a ser a primeira mulher em quase tudo por onde passa, Ana tornou-se a mulher mais jovem (16 anos) a correr e a marcar pontos no Campeonato do Mundo de Moto3, no Grande Prémio da Malásia de 2013, e a primeira piloto a pontuar em todas as classe desde 2001..No ano passado, tornou-se a primeira mulher a ganhar uma corrida individual de motociclismo no Campeonato do Mundo, no circuito de Portimão, em Portugal..Já neste ano garantiu a vitória em Ímola, em Itália, convertendo-se assim na primeira mulher a vencer uma corrida e a liderar um Campeonato do Mundo sob a égide da Federação Internacional de Motociclismo (FIM)..Drama e emoção na última corrida.Ana Carrasco esteve na liderança do Mundial durante grande parte da época, mas nas últimas quatro corridas não conseguiu manter o nível que a fez líder e permitiu a recuperação dos rivais. Na última prova da temporada, os treinos em Magny-Cours (França) não lhe correram bem e saiu do 25.º lugar da grelha de partida. Os rivais na luta pelo título saíram melhor: Deroue partiu da pole, Mika Pérez na 4.ª linha e Luca Grunwald na 14.º.."Hoje foi um mau dia, mas o Mundial decide-se amanhã", atirou Ana após os treinos livres de sábado, reconhecendo que a missão era "difícil", mas que ainda tinha esperança de que uma má corrida ou uma queda dos rivais lhe permitisse sagrar-se campeã mundial de velocidade. E foi isso que aconteceu. Neste domingo, a espanhola da DS Junior Team saiu da 25.ª posição, mas acabou em 13.º lugar. Amealhou um ponto, enquanto Scott Deroue desistiu, com um problema mecânico, e Mika Pérez (precisava ganhar) perdeu a liderança da prova na última curva da última volta para Dani Valle. E assim Ana Carrasco fez história e sagrou-se campeã mundial de velocidade..Mas não foi fácil. A meio da época, a FIM aprovou uma alteração aos regulamentos em que estipulava um peso mínimo combinado entre moto e piloto. O que obrigou a um equilíbrio da sua moto, que passou a ter mais 14 quilos e a ser a terceira mais pesada do circuito mundial. Uma diferença "brutal" que a atrasou em algumas provas, mas que nunca a deitou abaixo. Foi a única piloto a pontuar em todos os 11 grandes prémios disputados nesta temporada..Ana já competiu nas categorias Moto3 (em 2015) e Moto 2 (em 2016), mas as dificuldades financeiras do projeto levaram a que fizesse marcha- atrás e competisse no campeonato Supersport 300, uma categoria abaixo. Uma decisão que se revelou certeira. No final da prova de domingo dedicou o título a Luis Salom, piloto que morreu em 2016 no circuito de Montmeló, no Mundial de Moto3. "No dia em que o perdemos prometi a mim mesma que lhe dedicaria o meu primeiro título. Éramos muito amigos. Obrigada à Kawasaki, que me ajudou muito até chegar aqui, à minha família e amigos", disse Ana..O sonho de Ana é chegar ao MotoGP, a categoria rainha do motociclismo mundial. E um dos campeões, Marc Marquez, já a felicitou e deu as boas-vindas..Outras mulheres entre homens.No motociclismo, outras mulheres destacaram-se nos últimos 30 anos, apesar de nenhuma ter conquistado um título mundial como Ana Carrasco conseguiu neste domingo. Em 1988, a finlandesa Taru Rinne tornou-se a primeira piloto a conseguir pontuar numa prova do campeonato do Mundo de MotoGP, na categoria de 125cc, no Grande Prémio de França, ao alcançar o 14.º lugar. Um ano depois, alcançou o segundo lugar numa grelha de partida e foi sétima classificada numa prova na Alemanha..Na década de 1990, mais precisamente em 1995, uma japonesa deu também cartas entre os homens. Tomoko Igata, ainda hoje a mulher com mais pontos conquistados no Campeonato do Mundo de MotoGP, categoria de 125cc, igualou o feito de Taru Rinne, com um sétimo lugar..Mais recentemente, na categoria de Moto3 (a terceira na hierarquia), a espanhola María Herrera andou pelo circuito entre 2013 e 2017. No ano de 2015 obteve o seu melhor resultado, garantindo um total de nove pontos e tendo como melhor classificação um 11.º lugar no GP da Austrália. Hoje, depois de problemas com patrocínios, corre no campeonato de Supersport 300, tal como Ana Carrasco..No automobilismo, uma das histórias de maior sucesso de mulheres que competem contra homens é a da francesaöMichèle Mouton, que em 1981, ao volante de um Audi Quattro, se tornou a primeira piloto a vencer uma etapa do Campeonato Mundial de Ralis (WRC), em Sanremo (competia ao lado de nomes como Ari Vatanen, Hannu Mikkola e Markku Alén). Foi o primeiro de quatro triunfos em provas do WRC, um deles em Portugal, em 1982, ano em que lutou pelo título mundial até à última prova, terminando em segundo lugar, atrás do alemão Walter Röhrl..Há também o caso de sucesso da alemã Jutta Kleinschmidt, a primeira mulher (e única até hoje) a vencer uma edição do famoso rali Paris-Dakar, em 1995. Kleinschmidt correu pela equipa da Mitsubishi e superiorizou-se ao colega de equipa Hiroshi Masuoka, deixando o bicampeão francês Jean-Louis Schlesser em terceiro lugar. O histórico triunfo de Kleinschmidt aconteceu contra todas as previsões, pois Schlesser, o grande favorito, foi punido com uma sanção de uma hora na última etapa por comportamento antidesportivo..Nos desportos de quatro rodas, a Fórmula 1 continua a ser um circuito muito fechado às mulheres. Mas várias pilotos tentaram a sua sorte, embora desde 1992 nenhuma tenha participado em corridas. Em 1975, contudo, uma italiana fez história. Lella Lombardi, que chegou a participar em 12 corridas, foi a primeira a conseguir pontuar numa prova de F1 - alcançou um sexto lugar no GP de Espanha, ao volante de um March. Mas a primeira a sentar-se ao volante de um F1 foi Maria Teresa Filippis, também de nacionalidade italiana, que fez três corridas entre 1958 e 1959, mas sem conseguir pontuar - o melhor que conseguiu foi um 10.º lugar..Curiosamente, neste fim de semana em que Ana Carrasco fez história ao sagrar-se campeã mundial de motociclismo em Supersports 300, outra mulher destacou-se num desporto automóvel: Hailie Deegan, de 17 anos, tornou-se a primeira mulher a vencer uma corrida da Nascar K&N Pro Series, com uma vitória no NAPA Auto Parts/Idaho 208, em Meridian, nos Estados Unidos. Com este triunfo, Hailie assumiu a liderança da classificação de rookie do ano..O hipismo é a única modalidade olímpica em que atletas do mesmo sexo disputam provas individuais e por equipas sob as mesmas condições. A vela chegou a admitir homens e mulheres na mesma equipa, mas hoje já têm provas separadas. E verdade é que desde que começaram a participar em Jogos Olímpicos, em 1952, em determinadas categorias do hipismo é muito frequente as mulheres conquistarem medalhas, sobretudo no adestramento individual (desde 1972 há sempre uma mulher no pódio) e nos saltos (ganham medalhas a cada dois ciclos olímpicos)..Não se tratando de competição pura e dura contra homens, algumas mulheres destacaram-se nos últimos anos em desportos ou áreas dominadas pelos homens. No futebol, há alguns (poucos) casos de mulheres que chegaram a treinadoras de clubes de escalões secundários. A portuguesa Helena Costa é um desses exemplos, quando em 2014 assumiu o comando do Clermont Foot, do segundo escalão do futebol francês, depois de ter sido selecionadora feminina do Irão. Foi uma das primeiras a consegui-lo nas principais ligas europeias, depois de Carolina Morace, em 1999, que treinou um clube da III Divisão italiana. A aventura de Helena Costa, contudo, foi demasiado curta, pois nem iniciou a época, devido a divergências com a direção do clube..No ano passado, também no futebol profissional, embora na área da arbitragem, uma mulher fez história. Depois de ter arbitrado durante dez anos na II Divisão alemã e ter sido nomeada para os mais importantes jogos do futebol feminino, a germânica Bibiana Steinhaus tornou-se a primeira mulher a dirigir um jogo dos grandes campeonatos europeus, no caso um Hertha Berlim-Werder Bremen, da terceira jornada da Bundesliga da época passada. Algumas árbitras exerceram como auxiliares em jogos do principal escalão em França, Itália ou mesmo Inglaterra, mas Bibiana foi a primeira a usar o apito a este nível..Também no futebol americano se fez história. Jen Welter, que como praticante da modalidade tinha jogado numa liga profissional com homens (na Indoor Football League), tornou-se em julho de 2015 a primeira mulher a integrar a estrutura técnica de uma equipa profissional da NFL - treinou os Linebackers Arizona Cardinals. Em 2017, os San Francisco 49ers seguiram o mesmo exemplo e contrataram Katie Sowers para o cargo de adjunta.