A 12 de março de 2013, Gaby Hinsliff escrevia, no The Guardian, um artigo intitulado "Será uma mulher a próxima primeira-ministra britânica?". A ilustrar o artigo estavam duas mulheres, Theresa May e Yvette Cooper, que na altura eram, respetivamente, ministra do Interior no governo conservador de David Cameron e ministra-sombra do Interior. Hoje têm 62 e 49 anos. No Reino Unido, o maior partido da oposição escolhe um governo-sombra, em que por cada ministro do Executivo em funções existe um opositor com a mesma pasta que ele detém..May era ministra do Interior desde 12 de maio de 2010 quando Cooper se tornou, a 20 de janeiro de 2011, ministra-sombra do Interior. A trabalhista deixou a pasta entretanto, a 12 de setembro de 2015, para disputar a liderança do Partido Trabalhista, que foi então ganha por Jeremy Corbyn. A conservadora deixou o Ministério do Interior, no ano seguinte, a 13 de julho de 2016, para suceder a David Cameron na chefia do governo do Reino Unido. Efetivamente, como previra Hinsliff, o próximo inquilino do n.º 10 de Downing Street foi, efetivamente, uma mulher. A razão por que isso aconteceu, a vitória do Brexit no referendo prometido por Cameron e realizado a 23 de junho de 2016, é também, em grande parte, a razão pela qual os caminhos de May e Cooper se voltaram agora a cruzar na Câmara dos Comuns..No meio do caos em que se transformou a negociação do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, primeiro entre o governo britânico e a UE 27, depois entre o governo britânico e os deputados britânicos no Parlamento de Westmister, May surgiu como uma líder encurralada. Repetindo mil vezes as mesmas frases, chantageada, por um lado por eurocéticos conservadores que não se importam com um No Deal Brexit a 29 de março, por outro por conservadores moderados que rejeitam uma saída sem acordo e antes preferem sair do Partido Conservador, May foi obrigada a fazer aquilo que nunca fizera, oferecendo diálogo ao Labour de Corbyn, embora já tarde, admitindo que pode ser preciso adiar o Brexit..Corbyn acusou May de fazer um falso diálogo com a oposição, mas também podia ser acusado por ela de fazer uma falsa oposição, uma vez que todas as moções de censura que apresentou contra ela e o seu governo foram por saber que elas não tinham hipóteses de passar. Vendo recusadas as suas emendas nos Comuns, o líder do Labour viu-se, nesta corrida contra o tempo, forçado a apoiar a ideia a que sempre resistira: um segundo referendo para perguntar aos britânicos se querem o acordo do Brexit negociado por May com a UE 27 ou até mesmo ficar na UE. A resistência de Corbyn a uma segunda consulta popular levara já nove deputados trabalhistas a sair do partido para formar O Grupo Independente..No meio disto tudo, surge Yvette Cooper, que, segundo John Rentoul do Independent, "é, em vários aspetos, a líder da oposição alternativa". Há muito que a deputada trabalhista, eleita por Normanton, Pontefract e Castleford, vinha trabalhando apoios a uma emenda que desse aos deputados da Câmara dos Comuns a hipótese de travar um No Deal Brexit e de mandatar o governo para pedir à UE 27 uma extensão do artigo 50º - tal extensão teria de ser aprovada por unanimidade e, como já sublinharam alguns líderes, só seria concedida com um objetivo específico muito bem definido..Nesta terça-feira, véspera de votação das emendas que vários deputados iriam apresentar no contexto do Brexit, May foi ao Parlamento britânico prometer um calendário aos deputados. Assim, a primeira-ministra conservadora pretende voltar ao Parlamento, a 12 de março, com o acordo do Brexit para ser votado, já depois de alterado, espera ela, no que toca à questão do backstop (mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda depois do Brexit). A UE 27 já disse, repetidamente, que o acordo está fechado e não é renegociável. Apesar disso, May insiste, embora de forma pouco convincente..Segundo o seu calendário, se o acordo voltar a ser rejeitado, como já o foi a 15 de janeiro, no dia seguinte, 13 de março, os deputados terão a oportunidade de votar sobre uma saída do Reino Unido da UE sem acordo. Um No Deal Brexit. Se este for rejeitado, no dia 14 de março a Câmara dos Comuns vota sobre um pedido de extensão do artigo 50º do Tratado de Lisboa por parte do Reino Unido. Se isso for aprovado, começa todo um processo de negociação, em termos de objetivo e de prazos, se não for, resta a saída a 29 de março, sem acordo. Um No Deal Brexit. Por esse cenário ter estado sempre a pairar no ar, vários governos, como o de Portugal, têm estado a preparar planos de contingência. In extremis existe sempre a possibilidade de o Reino Unido retirar, unilateralmente, a ativação do artigo 50º..Nesta quarta-feira, depois de May prometer este calendário, Cooper apresentou uma emenda sobre o direito dos deputados a votar, no dia 14 de março, numa extensão do artigo 50º. Basicamente, aquilo que prometeu May era a emenda de Cooper, aquilo que estava na emenda de Cooper era aquilo que prometeu May. Daí que o governo tenha decidido apoiar a emenda da deputada trabalhista, que, desde outubro de 2016, desempenha o cargo de presidente do comité dos Assuntos Internos na Câmara dos Comuns. A emenda foi aprovada com 502 votos a favor e 20 contra. Os opositores foram rebeldes conservadores, mas curiosamente, notaram os media britânicos, não os eurocéticos suspeitos do costume..Subitamente, no meio do caos, parece ter surgido um balão de oxigénio sobre o Brexit, de pouco menos de duas semanas. E Cooper, a mulher que em 2017 acusou May de não ser uma pessoa de palavra, por ter rejeitado eleições antecipadas, para logo em seguida as convocar, tem mérito nisso. Essas eleições, em que May queria legitimar-se nas urnas, após receber o presente envenenado do Brexit das mãos de Cameron, levou à perda da maioria absoluta que o Partido Conservador tinha. E, consequente, à tensão negocial que existe atualmente na Câmara dos Comuns..Cooper, natural da Escócia, nação do Reino Unido que votou contra o Brexit em 2016, é filha de uma professora de Matemática e de um antigo diretor não executivo da Autoridade para o Desmantelamento do Nuclear. Formada em Filosofia, Economia e Política estudou em estabelecimentos de ensino conceituados, como a Universidade de Harvard nos EUA e a London School of Economics no Reino Unido. Começou a sua carreira profissional como conselheira política para a área da economia e chegou a trabalhar, em 1992, no Arkansas, na candidatura presidencial do democrata Bill Clinton. Este viria a ser presidente dos Estados Unidos entre 1993 e 2001..Especializada em economia, foi jornalista no Independent até 1997, ano em que foi eleita deputada pela primeira vez para a Câmara dos Comuns. A 10 de janeiro do ano seguinte, casou com Ed Balls, também ele um ex-jornalista, também ele político, também ele do Labour. Quando Cooper foi nomeada ministra para o Tesouro, em 2008, Balls, próximo de Gordon Brown há muitos anos, já era ministro de Estado para a Infância. Yvette Cooper e Ed Balls foram o primeiro casal a estar juntos no mesmo governo no Reino Unido. O casal tem três filhos, Ellie, Joe e Maddy. Aquando do nascimento do segundo filho, em 2001, Cooper tornou-se a primeira secretária de Estado britânica a tirar licença de maternidade paga. Cooper e Balls foram dois dos muitos deputados apanhados no chamado escândalo das despesas (expenses row), em 2009, tendo sido forçados a devolver 1363 libras..Depois de o Labour ser derrotado nas legislativas de 2010 pelos Conservadores de Cameron, tanto Cooper como Balls foram citados como potenciais candidatos à sucessão de Gordon Brown na liderança dos trabalhistas britânicos. Avançou ele. Mas a corrida foi ganha por Ed Miliband. Cooper foi então nomeada ministra-sombra das Finanças, depois ministra-sombra dos Negócios Estrangeiros, depois ministra-sombra do Interior. Nessa pasta fez frente a Theresa May, até decidir disputar, em 2015, a liderança do Labour. A corrida foi ganha por Jeremy Corbyn. O atual líder do Labour..Apesar disso, tem sido Cooper a trabalhista que mais cartas tem dado no que ao Brexit e à Câmara dos Comuns diz respeito, promovendo consenso entre todos os partidos para fazer aprovar a emenda que conseguiu fazer aprovar na quarta-feira. "O seu questionamento forense pode ter ajudado a produzir um Brexit muito mais suave", escreveu, no The Telegraph, Jane Merrick, num artigo intitulado "É Yvette Cooper a verdadeira líder da oposição?".