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01 MAI 2019
01 maio 2019 às 06h26

Ayrton Senna. Há 25 anos o Brasil perdeu o seu último campeão do mundo de F1

No dia 1 de maio de 1994, o Brasil assistiu em choque à morte, em direto pela televisão, daquele que é ainda hoje considerado o maior ídolo desportivo do país. O povo brasileiro viu partir uma estrela que lhe devolvera o orgulho no pós-ditadura militar.

Carlos Nogueira

"Ayrton, os nossos domingos não serão os mesmos sem você." Esta era uma das muitas mensagens que se podiam ler em São Paulo no dia 4 de maio de 1994, onde cerca de 240 mil pessoas encheram as ruas daquela cidade brasileira para receberem o corpo de Ayrton Senna da Silva, por muitos considerado o melhor piloto de Fórmula 1 de todos os tempos, que morrera três dias antes num violento acidente no Grande Prémio de São Marino, no circuito de Ímola, em Itália.

Há precisamente 25 anos, o Brasil ficava órfão de um dos maiores ídolos da sua história desportiva, que ainda hoje é o último campeão do mundo de Fórmula 1 que o país conheceu. Aos 34 anos, Ayrton Senna era um símbolo para todos os brasileiros, pois em dez anos nas pistas de Fórmula 1 ganhara três títulos mundiais (1988, 1990 e 1991). Além disso, o talento do brasileiro voador e o carisma que transmitia faziam dele o maior orgulho de um povo.

Na tarde de 1 de maio de 1994 o mundo viu ao vivo a morte de um ídolo em direto na televisão e o Brasil ficou em choque. As ruas de São Paulo e Rio de Janeiro ficaram desertas e o país estava parado em frente da televisão, à espera que as notícias negassem aquilo que parecia uma evidência face ao brutal choque do Williams de Ayrton Senna com o muro, depois de seguir em frente na curva Tamburello a 300 quilómetros por hora. O piloto brasileiro seguia na liderança da corrida, à frente do então jovem alemão Michael Schumacher.

Após ser retirado do carro, foi transportado de helicóptero para um hospital de Bolonha, de onde já depois de terminado o Grande Prémio, chegou a notícia. Ayrton Senna do Brasil, assim era chamado pelo jornalista Galvão Bueno, estava em morte cerebral.

O fim de semana mais negro da Fórmula 1

Era o mais chocante desfecho para aquele que foi o fim de semana mais negro da história da Fórmula 1. Afinal, nas sessões de treinos em Ímola, o carro do também brasileiro Rubens Barrichello havia capotado três vezes causando ao piloto fraturas no nariz e nas costelas, menos sorte teve o austríaco Roland Ratzenberger, que no último treino antes da corrida, perdeu a vida naquele que era o terceiro Grande Prémio da sua carreira, depois de o seu Simtek-Ford ter embatido contra um muro de betão a 315 quilómetros/hora.

Esta primeira tragédia já tinha causado enorme choque entre os pilotos da Fórmula 1, que questionaram então as condições de segurança e ameaçaram mesmo não iniciar a corrida. Entre os contestatários estava Ayrton Senna, que nas últimas imagens captadas pela televisão Globo antes de entrar no Williams para aquela que foi a sua última corrida, surgia com semblante carregado, com as mãos em cima do aileron traseiro contemplando o seu carro. Um ritual pouco comum no piloto brasileiro.

Senna, o maior ídolo brasileiro

Mas como Ayrton Senna se tornou um herói no Brasil? Tem tudo que ver com a conjuntura social e política do final da década de 1980. O Brasil tinha saído de uma traumática ditadura militar e estava a passar por uma grave crise económica que aumentou os níveis de pobreza em todo o país. Não havia muitos motivos de orgulho para um povo louco por futebol, mas que via a sua seleção nacional atravessar um longo jejum de 24 anos sem títulos mundiais.

E foi Ayrton Senna a devolver o orgulho ao povo com simples manifestações de patriotismo, como a de exibir a bandeira do Brasil após as suas conquistas. Eram imagens que passavam nas televisões de todo o mundo, que o tornaram num autêntico herói nacional.

Aliás, várias sondagens feitas ao longo dos anos em 1988, 1991 e 2012 davam-no à frente de outros ícones do Brasil, como Pelé, Ronaldo "Fenómeno", Zico ou Garrincha. O último desses estudos foi publicado pela Datafolha, em 2014 para o jornal Folha de S. Paulo, no qual Ayrton Senna recolheu 47% das preferências, à frente de Pelé (23%) e Neymar (2%). É por esta razão que ainda hoje, 25 anos após a sua trágica morte, o antigo piloto é a imagem de algumas marcas comerciais do país.

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Tudo começou com uma prenda do pai

Tudo começou quando o pai Milton Senna construiu um kart a partir do motor de um cortador de relva, que atingia 60 quilómetros/hora. Ayrton tinha apenas 4 anos e aquele tornou-se o seu principal brinquedo. A primeira corrida de kart foi em 1973, com apenas 13 anos, num circuito na cidade de Campinas e desde logo chamou a atenção, pois era o mais novo em pista e liderou grande parte da corrida.

Um ano depois conquistou o campeonato paulista, naquele que foi o seu primeiro troféu. Um prenúncio para uma carreira de sucesso que na adolescência lhe valeu o tricampeonato brasileiro e o bicampeonato sul-americano.

Sem grande entusiasmo no curso de administração que estava a tirar, Ayrton decidiu mudar-se para Inglaterra para concretizar o sonho de ser piloto de automóveis. Em 1981 entrou na Fórmula Ford e dois anos depois passou a competir na Fórmula 3. Nessa altura, o seu talento já era amplamente reconhecido em Inglaterra e foi convidado a fazer testes na Williams e na McLaren, mas como era muito novo as grandes equipas não queriam contratá-lo, acabando por assinar pela modesta Toleman, ao volante do qual se estreou na Fórmula 1 a 25 de março de 1984 no Grande Prémio do Brasil, no circuito de Jacarepaguá.

Uma falha no motor ditou o abandono na primeira corrida, mas na segunda, na África do Sul, foi sexto classificado e conquistou o primeiro ponto no campeonato do mundo. Mas o melhor resultado nesse primeiro ano foi no Mónaco, onde arrancou um surpreendente segundo lugar, mostrando toda a sua qualidade técnica no difícil Grande Prémio do principado. Era o primeiro sinal de que aquele havia de ser o seu circuito preferido, uma vez que conquistou seis vitórias em dez corridas, o que lhe valeu o nome de rei do Mónaco.

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Primeira vitória no Estoril e rivalidade com Prost

No segundo ano, Ayrton Senna assinou pela Lotus e mostrou que era nas condições mais difíceis que o seu talento vinha ao de cima. Foi assim no dia 21 de abril de 1985, quando venceu o primeiro Grande Prémio da carreira, numa corrida à chuva em Portugal, no Autódromo do Estoril.

O passo seguinte foi a McLaren, onde conquistou a glória com três títulos mundiais, mas também os maiores conflitos com o francês Alain Prost, que era o piloto principal da equipa, com quem manteve sempre uma relação de grande rivalidade.Que culminou com uma das mais polémicas corridas da história da Fórmula 1, em 1989, no Japão.

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Prost liderava o campeonato e a corrida, quando Senna tentou uma ultrapassagem arriscada que resultou num choque entre os dois carros, que obrigou o francês a abandonar a corrida. O piloto brasileiro acabou por vencer o Grande Prémio japonês, mas os diretores da corrida acabaram por desclassificar Senna por alegadamente ter cortado caminho para voltar à pista, uma decisão que deu o título mundial a Alain Prost.

No ano seguinte, o cenário inverteu-se. Senna chegou ao Japão líder do campeonato e forçou uma ultrapassagem a Prost que obrigou os dois pilotos a abandonar, o que dava automaticamente o título mundial ao brasileiro.

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Barrichello e Massa longe da glória

Ayrton Senna é um dos três pilotos da história do automobilismo brasileiro que conquistaram títulos mundiais de Fórmula 1. Emerson Fittipaldi foi o primeiro a ser coroado campeão em 1972 e 1974, Nelson Piquet ganhou em 1981, 1983 e 1987, enquanto Senna foi coroado campeão em 1988, 1990 e 1991.

Desde a sua morte que o Brasil procura um digno sucessor destes três campeões, mas a verdade é que ninguém alcançou a glória, nem os seus descendentes mais próximos: Christian Fittipaldi, sobrinho de Emerson, Nelson Piquet Júnior, filho do antigo tricampeão mundial, e Bruno Senna, sobrinho de Ayrton, não conseguiram sequer vencer grandes prémios.

E aqueles que atingiram algum destaque estiveram longe de alcançar a glória, são os casos de Rubens Barrichello e Felipe Massa, os únicos que conseguiram ganhar corridas na Fórmula 1 (11 cada um) depois do desaparecimento de Ayrton Senna, que em 2012 foi considerado pela BBC como o melhor piloto de sempre.