"Sem os acordos com BE, PCP e Verdes, estas alterações à legislação laboral não seriam possíveis"
É licenciado em Economia pelo ISEG e deputado na Assembleia da República desde 2011, foi secretário de Estado da Segurança Social, mais tarde das Obras Públicas no segundo Governo de António Guterres, sempre nas equipas de Eduardo Ferro Rodrigues; mais tarde ainda foi uma das peças fundamentais na coordenação política dos Governos de José Sócrates onde assumiu as pastas do Trabalho e Solidariedade Social e da Economia e Inovação. No atual executivo regressou à área do Trabalho e da Segurança Social e mantém-se como um dos homens fortes e António Costa; foi o responsável pela última grande reforma da Segurança Social em 2007. José António Vieira da Silva é o convidado desta semana da entrevista Diário de Notícias/TSF
Esta semana vai estar em debate no Parlamento um conjunto de diplomas sobre a legislação laboral, um pacote grande de propostas do Governo e também algumas dos partidos da esquerda e do PAN. O Bloco e o PCP têm insistido na ideia de que não há aqui, nestas medidas propostas pelo Governo, sinais de uma política de esquerda e que a prova disso mesmo é que não se altera nada do que a direita aprovou durante os tempos da troika.
Não é exatamente a minha visão. Depois podemos discutir o impacto destes anos que vivemos e como que podemos reagir a eles de forma positiva e progressista. Agora, se recordarmos o que era a posição política quer da troika quer, em grande parte, do anterior Governo na área laboral, vemos que ela assentava em três ou quatro pontos muito significativos. O primeiro era uma política de forte ataque à negociação coletiva, ou seja, a negociação coletiva era vista como um obstáculo à política de desvalorização salarial que era a base da estratégia de ajustamento. Depois tinham também, no que respeita ao valor do salário, um alvo bem fixo, que era o salário mínimo. Todos nos recordamos das sucessivas recomendações para manter o salário mínimo ou até de algumas insinuações, às vezes menos explícitas ou não seriam insinuações, de responsáveis do anterior Governo de que o melhor seria talvez diminuir o salário mínimo.
Havia também posições europeias nesse sentido, que permitiam ou pelo menos acomodavam essa posição.
Sim, quando falo estou a referir-me à política da troika, onde estavam instituições europeias, e à política do anterior Governo que continuo a pensar - talvez já não seja uma discussão muito atual - ia além da troika, desse ponto de vista. Mas a União Europeia mudou. Se olharmos para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais que foi aprovado em novembro passado, vemos que um dos pontos mais importantes é a valorização do salário mínimo, obviamente sempre com ponderação e de forma adequada à situação de cada país.
Mas eu falava de três pontos extremamente importantes. Um outro era uma posição face às relações de trabalho que, no mínimo, não tinha nenhuma preocupação com a instabilidade das relações laborais. Ora, se olharmos para o que tem acontecido ao longo destes anos nestas três áreas consideradas fulcrais não apenas pelo Governo - já estava no programa eleitoral do Partido Socialista - mas também nos acordos com os partidos que constituem este novo arco parlamentar, vemos que o que fizemos foi uma política alternativa, quase diria oposta, de crescimento sustentado do salário mínimo, sem com isso pôr em causa o emprego. O que fizemos foi uma política de estímulo à negociação coletiva, alterámos, por exemplo, as regras das portarias de extensão - é uma dimensão um pouco técnica mas muito importante, era um alvo fundamental -, ou seja, a possibilidade de alargar a cobertura dos acordos coletivos a mais trabalhadores era fortemente contrariada e o Governo seguiu o caminho oposto; nunca como no ano passado houve tantas portarias de extensão e que foram tão rapidamente colocadas no terreno.
Portanto, face à negociação coletiva temos uma aposta completamente diferente e face à questão da precariedade é este programa que estamos a implementar. Isto é obviamente do domínio público, mas não ficaria bem comigo mesmo se não o dissesse: muitas das medidas que fazem parte da legislação que vai a discussão e que fizeram parte do acordo de concertação social, foram previamente discutidas no grupo de trabalho que existiu entre o Bloco de Esquerda, o Governo e o Partido Socialista, e muitas das outras tiveram a ver também com posições conjuntas que foram assumidas também com os outros partidos e nomeadamente com o Partido Comunista.
Ora, se pergunta se não há nenhuma divergência, se temos todos a mesma visão, respondo-lhe que não temos, nunca tivemos e calculo que nunca teremos, por isso é que somos partidos diferentes ou vimos de partidos diferentes, mas que esta é uma viragem muito significativa, disso não tenho nenhuma dúvida. Estes três aspetos são mais do que suficientes para o provar.
Como é que justifica então que medidas de liberalização do mercado, como os cortes nos pagamentos das horas extraordinárias, nas compensações por despedimento, também num pormenor, que não é tão pormenor como isso, que é o número de dias de férias, nada disso mude? O Bloco e o PCP acusam mesmo o Governo socialista de estar a validar estas reformas que foram assinadas pelo PSD e pelo CDS; o PCP diz mesmo que as propostas do executivo agravam a exploração e desvalorizam o trabalho.
Bom, eu gostava que me explicassem como é que combater a precariedade e promover a negociação coletiva é algo que ataque o trabalho.
Mas porque é que não tocam nestas medidas?
O Governo identificou desde o início quais eram as áreas que considerava fundamentais. Nós temos hoje mais do dobro da negociação coletiva que tínhamos há dois ou três anos. Recentemente foi apresentado um estudo de responsabilidade não governamental que mostrava, por exemplo, que face aos dias de férias, face ao custo do trabalho suplementar, tudo isso tinha muitas vezes na negociação coletiva situações mais favoráveis do que a lei dispõe. Nós pensamos que esse é o caminho adequado, o caminho da valorização da negociação coletiva. Esta proposta legislativa que vai ser discutida para a semana, face ao custo do trabalho suplementar tem uma diferença, porque garante o chamado princípio do tratamento mais favorável, que diz que a negociação coletiva não pode fixar valores abaixo do que a lei fixa.
Vamos à grande questão: nós não podemos esquecer que o nosso país sofreu uma dupla crise de enorme profundidade cujas cicatrizes estão longe de estar saradas. Tem tido uma recuperação muito relevante, principalmente do ponto de vista do emprego, temos hoje basicamente mais 300 000 empregos do que tínhamos há dois anos. Isso seria considerado como uma proposta - se fosse apresentada dessa forma, nem sequer o foi - demagógica e mirífica, mas é a realidade; e o emprego continua a crescer de forma sustentada e persistente, mas apesar desse forte crescimento que já se começa a refletir de forma significativa nos salários do setor privado, temos um nível de criação de riqueza e um nível de emprego inferior ao que tínhamos antes do início da crise, ao contrário da maioria dos países.
Isso quer dizer, senhor ministro, que há pouca margem de negociação no Parlamento, tendo até em conta que uma parte substancial daquilo que será discutido e votado já foi alvo de um acordo de concertação social?
Eu não sou censor do trabalho dos deputados, a Assembleia da República é soberana nestas matérias. Agora, creio que há também aqui uma diferença entre os partidos - julgo eu - que, na essência, se reveem em muitas das matérias que foram apresentadas pelo Governo, que é uma importante distância na valorização que se dá ou não se dá ao diálogo social, à concertação social e aos acordos na concertação social. O Governo e o Partido Socialista têm tido uma posição que é de forte apoio ao papel do diálogo social, na linha do chamado modelo social europeu, e de defesa da validação da concertação como instrumento de reforço da eficácia das políticas.
É evidente que os governos podem ou a Assembleia pode e tem toda a legitimidade para legislar em todas as áreas, nalgumas têm a obrigação legal de ouvir os parceiros, mas quando o fazem suportados por um acordo de concertação, o potencial de eficácia dessa medida é muito mais elevado. E a imagem interna e externa que nós passamos da nossa capacidade de criar consensos é um elemento de enorme importância apara a credibilização do nosso caminho e da nossa política. Eu percebo e admito que haja outras forças políticas que não valorizem ou que não considerem tão relevante o papel do diálogo social e, naturalmente, numa democracia como a nossa, o papel decisivo é o papel de quem faz as leis - o Governo ou a Assembleia consoante aquilo que a lei estipula, mas existirem normas que são também apoiadas por um acordo entre os parceiros sociais, é algo que em qualquer país europeu é considerado um instrumento de forte importância. Essa diferença existe.
Procurando então não fazer uma interpretação abusiva do que disse, obviamente que o Parlamento tem toda a margem de manobra mas, de alguma forma, o acordo que foi conseguido no âmbito da concertação social restringe essa margem de manobra?
Não, nós não estamos a falar de uma situação nova, já existiram pelo menos duas dezenas de acordos de concertação e muitos deles com tradução em peças legislativas, eu próprio já subscrevi uma série delas. Sempre houve esta tensão, mesmo com governos de maioria absoluta ou governos de coligação ou governos minoritários como é este, sempre existiu essa tensão. Estou convencido é que o debate que vai surgir vai valorizar os passos que foram dados e que vamos ter uma melhor lei laboral ao serviço do combate à precariedade, o que é algo de muita importância.
A instabilidade laboral tem um nome que se dá na discussão europeia, que é a segmentação do mercado de trabalho, a excessiva segmentação do mercado de trabalho. E até há as recomendações que no âmbito do semestre europeu, do processo europeu, são feitas a Portugal e que apontam para a necessidade de reduzir essa segmentação. Depois há duas formas de olhar essa redução: uma é a que aponta para uma diminuição, para uma flexibilização dos contratos sem termo e outra que aponta para uma redução da dimensão e do impacto que tem a contratação a prazo no nosso país. Esta é a nossa, mas existe a outra, nós não fomos por esse caminho, se tivéssemos ido, isso sim, estaríamos a prosseguir o caminho do passado, mas não, este acordo aponta no sentido contrário: reduz a duração dos contratos a termo, reduz as razões para existirem contratos a termo, promove a contratação sem termo, promove a negociação coletiva, tem toda uma lógica que eu diria, com toda a segurança, tem tudo a ver com uma mudança progressista. É verdade que sustentável tem tudo a ver com isso e nada a ver com as políticas do passado.
Não teme que o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias venha a ser travado no Tribunal Constitucional, tal como foi em 2008? O que é que muda agora em relação à versão de alteração que também foi proposta por si - também estava ao leme desta área da governação quando o tribunal a chumbou -, há alguma diferença que garanta que isto agora passa?
Julgo que sim. Em primeiro lugar, os 180 dias propostos que, aliás, estão agora em discussão na Comissão Europeia como o valor de referência, o valor máximo, podendo depois os países ultrapassar os 180 dias em situações especiais. É, portanto, o que está a ser discutido na União Europeia, desse ponto de vista não estamos longe do que acontece nas normas europeias. Agora, o que a proposta que foi aprovada na Assembleia da República fez neste caso, foi transformar os 180 dias na norma para o período experimental. O que nós fazemos nesta proposta não é isso.
Em Portugal celebram-se centenas de milhares de contratos todos os anos, mas são de natureza diferente, porque uns são de pessoas que mudaram de empresa, de atividade, e esses são umas centenas de milhares, outros são de pessoas que entram ou reentram no mercado de trabalho. São dois tipos de situação, são dois tipos de ligação que se cria entre o empregador e o trabalhador. Há um aspeto extremamente importante, as pessoas dizem: então vão mudar o período experimental de 90 dias para 180 dias? Mas o período experimental verdadeiro não era de 90 dias, isso é uma ilusão. Porque eu já apresentei os dados do último ano dos novos trabalhadores que foram inscritos na Segurança Social ou daqueles que regressaram depois de muitos anos fora e 86% fizeram-no com contrato a termo, nem utilizaram o período experimental. Portanto, o verdadeiro período experimental que existia para muitas empresas - e isso é errado - era o contrato a prazo. Isso vai deixar de ser possível porque a possibilidade de contratar a prazo só porque se é alguém à procura do primeiro emprego, desaparece da lei.
Verdadeiramente, o que nós estamos a fazer é a redução do tempo que era usado erradamente, ilegitimamente, mas com suporte na lei - talvez até dizer que era ilegítimo seja excessivo, porque tinha suporte na lei - como período experimental. As pessoas que entram no mercado de trabalho sabem que o que eu estou a dizer está suportado nas estatísticas, mas também é suportado pelo nosso conhecimento empírico. Quem é que entra - entrava - senão com um contrato a prazo numa qualquer empresa? Nós queremos é mudar o quadro, para usar aquela palavra que se usa muito neste contexto mudar o paradigma, queremos que haja verdadeiramente um período experimental e que ele possa ser de 180 dias para quem está a entrar no mercado de trabalho ou a reentrar, mas que continue a ser de 90 dias, por isso é que é diferente da situação que o Tribunal Constitucional avaliou há uma década aproximadamente. Para aqueles contratos sem termo para alguém que não tem uma experiência profissional, não tem uma relação de trabalho já estabilizada, queremos que o período possa ser um pouco mais longo para que as partes se possam conhecer melhor e possam dar mais garantias de que esse período experimental evolui para uma contratação sem termo. Eu não vejo isto como uma redução e como uma precarização, vejo como um estímulo à contratação sem termo, além de que foram reforçadas normas que pretendem blindar tanto quanto possível este período experimental de um uso perverso, que já podia existir com os 90 dias, muitos contratos a prazo também se faziam por poucos meses. A crítica que se faz aos 180 dias podia ser feita aos 90 dias.
Aquilo que nós verdadeiramente queremos mudar é o paradigma da relação. Esta medida, para mim, é uma medida diferente daquela que estava na legislação de 2009. Em relação à blindagem de que falei, o exemplo mais explícito ficou expresso na lei: um jovem que faz um estágio de nove meses numa empresa e, a seguir, a empresa contrata-o, já não tem direito a período experimental, se tem um contrato a prazo e a seguir passa para um contrato sem termo perde esse direito.
Isso implica uma maior fiscalização, o senhor disse que haveria a possibilidade de aumentar o quadro da autoridade desta área, isso é concretizável quando?
Quero fazer notar que a fiscalização nesta área não é apenas uma fiscalização que se faça apenas através de ações típicas de fiscalização com inspetores, é muito também através do cruzamento da informação, que hoje é muito mais rica, porque todas estas mudanças implicam que se conheça com rigor, ao nível da Segurança Social, que tipo de contrato é que a pessoa tem, quando é que ele muda de natureza. Há uma avaliação de risco que pode ser feita com muito mais facilidade utilizando esses dados, mas é verdade que estamos já com um concurso de reforço dos inspetores da Autoridade para as Condições de Trabalho. É um processo sempre mais lento do que nós gostaríamos, o Estado é diferente das empresas, tem um processo de seleção complexo. No caso dos inspetores do trabalho comprometemo-nos a criar uma norma, que ainda tem de ser trabalhada pois não existe em nenhum outro serviço, que garanta a estabilidade do número de inspetores, para que não haja um concurso, depois eles vão desaparecendo, a seguir há outro... para que haja uma espécie de bolsa que possa manter permanentemente o número de inspetores num nível que é internacionalmente considerado adequado para uma boa fiscalização do trabalho.
Acha que este pacote devia descer à Comissão sem debate na especialidade, poderia evitar-se um primeiro embate com o PCP e o Bloco?
Essa é uma decisão da Assembleia da República, não sei até se isso não será uma inevitabilidade pelo facto de não terem ainda decorrido os 30 dias da audição obrigatória, mas isso é uma decisão que a Assembleia da República tem de tomar. É mais uma dimensão de imagem política que se queria porque, no fim do dia, terá de haver uma discussão na generalidade e uma discussão na especialidade e, depois, uma aprovação final global. Eu creio que os deputados vão fazer um bom trabalho e que sairá um alei boa, uma lei que seja aplicável e que esteja perfeitamente integrada nos objetivos do acordo de concertação.
Estará em vigor a partir de quando, senhor ministro?
Há períodos de transição que se têm de garantir e respeitar. Portanto, a lei entra em vigor de imediato, mas alguns dos seus aspetos entrarão em vigor principalmente a partir do ano de 2019.
Silva Peneda disse numa entrevista recente que seria um suicídio o PSD inviabilizar o acordo de concertação social. Preferia que este conjunto de medidas fosse viabilizado com a abstenção do PSD ou com os votos a favor do Bloco de Esquerda e do PCP?
Eu queria deixar muito claro que, para mim, apesar das distâncias e de algumas divergências que são conhecidas e antigas entre o Partido Socialista, que é responsável por este Governo, e os outros partidos deste arco governativo, estas propostas são propostas que se inscrevem plenamente na dinâmica legislativa e governativa que só foi possível por este acordo parlamentar. Sem ele, não seria possível o tipo de políticas que foram sendo desenvolvidas de promoção do emprego quer na quantidade quer na qualidade. Também não há qualidade de emprego se não houver quantidade. Produzir leis perfeitas que depois não interagem com a economia para produzir emprego, podem ficar muito bonitas mas depois as empresas não estão lá. A ausência de oportunidades de emprego é a primeira forma de precariedade e a mais dura de todas. Portanto, nós queremos sempre continuar esta dinâmica, e estou absolutamente convicto que essa é também a opinião de todos os partidos. Depois, na aplicação das normas, nas visões sobre algumas dimensões da legislação laboral há diferenças, mas considero que estas iniciativas legislativas - que são várias apesar de traduzidas numa proposta de lei - têm uma inspiração profunda nos acordos que fizemos com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e o Partido Ecologista Os Verdes.
Não faço aqui nenhum apelo ao voto dos partidos da oposição, agora, se me perguntar se eu acho estranho que um partido da oposição que valorize ou que afirme valorizar a concertação social não se oponha a uma legislação que esteve associada a um longo processo de debate na concertação social, isso para mim não é estranho; mas isso é um problema que, nomeadamente, o PSD terá de resolver ele próprio, não faço disso uma questão, não há uma negociação em curso para o que quer que seja no domínio da legislação laboral.
Mas há efetivamente uma cultura diferente com esta nova liderança do PSD ou não?
Se quer que lhe diga a minha opinião, eu, se calhar, sou um dos muitos portugueses que ainda não perceberam muito bem que tipo de mudança é que a direção do Dr. Rui Rio trouxe ao PSD, porque os sinais são muito contraditórios, oscilam entre momentos em que se diz que seriam mais radicais na redução do défice e que já estaríamos com o défice zero (estou a citar de memória palavras de Rui Rio) e outros em que dizem que seriam muito mais generosos na concretização de políticas de expansão de rendimentos e por aí fora. Há aqui uma dupla forma de expressar, para usar uma expressão muito conhecida, que me deixa alguma incerteza sobre esta mudança, mas há um aspeto que é verdadeiro: a vontade para dialogar com os outros partidos, nomeadamente com o Governo e com o Partido Socialista é bem maior com esta direção do que a que existia no passado, isso parece-me óbvio, pelo menos nalgumas áreas tem acontecido. O Governo dialogar com a oposição é um dos aspetos básicos da democracia, não tem de estar de acordo, tem de dialogar, além de que existem áreas onde o Governo sempre disse que é vantajoso um amplo consenso nacional, nomeadamente em áreas cujas decisões implicam compromisso com um prazo mais prolongado.
Volto a dizer que se houver um voto que viabilize esta legislação, tendo ela saído de um debate longo na concertação social, não ficarei surpreendido. Já fiquei surpreendido por posições opostas no passado, mas isso era com outro quadro político.
Em finais de 2017, 20% dos trabalhadores por conta de outrem ganhavam o salário mínimo nacional, estamos a falar de 670 000 pessoas. Quer aproveitar este momento para lhes dizer que no próximo ano vão ter um aumento superior a 20 euros?
Não, não quero. Não porque não gostasse, mas nós temos uma legislação sobre o salário mínimo que diz basicamente o seguinte: o Governo decide o valor do salário mínimo - é diferente noutros países, há diferentes formas de atualização do salário mínimo - ouvidos os parceiros sociais. Este processo ainda não se iniciou para este ano. A partir de determinada altura na nossa democracia, pois só houve salário mínimo em Portugal na democracia, passou a ser possível haver acordos, o que nunca tinha sucedido até 2006, nunca tinha existido um acordo entre os parceiros sobre o salário mínimo. Criou-se um pouco a ilusão de que se não houvesse acordo, não poderia haver aumento do salário mínimo, não é verdade, a lei o que diz é isso. Obviamente que é sempre mais favorável que haja um acordo, mas não estamos ainda aí neste momento.
Nós assumimos um compromisso de divulgar trimestralmente o impacto do salário mínimo e isso é extremamente importante que seja feito. Vamos divulgar brevemente o segundo trimestre deste ano e há mudanças significativas, por exemplo, há uma tendência para a diminuição do peso das pessoas que recebem salário mínimo, o que quer dizer que há mais gente a passar...
Serão menos de 670 000?
O que eu digo é que em janeiro tínhamos esse valor, que era o valor que correspondia ao aumento do salário mínimo que houve em janeiro, em dezembro teremos seguramente umas dezenas de milhares a menos. Porquê? Porque ao longo desse processo as pessoas tiveram melhorias salariais; isso já aconteceu em 2017 e, pelas indicações que nos vêm do lado da Segurança Social, estou absolutamente convencido que vai acontecer também em 2018. Agora, a posição do Governo é conhecida, há o objetivo de continuar a subir o salário mínimo e cumprir as metas da legislatura, temos obviamente toda a disponibilidade para discutir com os parceiros sociais.
A discussão oficial, como o senhor disse e bem, não foi ainda iniciada, mas há, de facto, posições públicas dos dois lados. Já ouvimos coisas a que nem sequer estaríamos muito habituados: do lado dos sindicatos, a exigência de que o salário mínimo vá acima dos 600 euros, que é, digamos, a proposta base do Governo, a subida de 580 para 600, mas também ouvimos dos patrões a criação, digamos, da expetativa de que há possibilidade real de o salário mínimo ficar acima dos 600 euros. O Governo terá coragem para enfrentar o que parece ser esta espécie de consenso entre patrões e sindicatos?
Como disse, a lei o que diz é que o Governo decide ouvindo os parceiros sociais, naturalmente que vai ter em atenção a opinião dos parceiros e, se houver um acordo, irá decerto honrá-lo.
Mas o que é mais importante, se houver um consenso à volta de um valor digamos de 615 € ou 620 €...
Se o Governo poria travão? Não sei, isso teria de ser avaliado, essas propostas raramente vêm sozinhas, têm, portanto, de ser avaliadas no seu todo. Agora, há aqui um aspeto extremamente importante: se nós nos recordarmos do aumento do salário mínimo que foi feito no início de 2016 e do debate que provocou, verificamos que esta estratégia de subida sólida, mas consistente, do salário mínimo desdramatizou esse debate em Portugal. Hoje, como disse e muito bem, há até já do lado dos empregadores - já existia, não de dirigentes associativos, mas de empresários que diziam que, se calhar, até seria vantajoso, e eu percebo as razões - uma mudança de clima que é extremamente sintomática do que foi a mudança que aconteceu neste país.
Houve o debate de que seria um travão à criação de emprego...
... que iria provocar o desemprego. Agora assumimos de uma forma desdramatizada o crescimento do salário mínimo como um dos elementos da política económica e social. Acho que há poucas coisas tão simbólicas do que mudou no nosso país neste últimos anos, fruto desta nova maioria e fruto deste novo Governo, como essa mudança em relação ao salário mínimo. E isso só é possível porque aquilo que era a nossa convicção transformou-se numa realidade que é compatibilizar o crescimento dos salários com o aumento do emprego; nós temos mais 300 000 pessoas a trabalhar do que tínhamos; nós estamos com níveis de pessoas desempregadas com valores do início do século. É um facto. Um dos dramas do nosso momento atual é que melhorámos mais no desemprego do que no emprego. Melhorámos nos dois, mas os valores do desemprego são valores de 2002, 2003, 2004 e os valores do emprego ainda são valores inferiores a 2008, e porquê? Porque um dos dramas mais duros, mais pesados e com consequências mais duradouras das crises que fomos vivendo foi o fenómeno migratório. Portanto, é mais fácil hoje atingir uma taxa de desemprego do que era quando tínhamos mais gente.
É certo que há aqui também um dado novo: a população ativa voltou a crescer. Porquê? Porque pessoas que estavam fora do mercado de trabalho acharam que tinham de novo oportunidade, mesmo aqueles chamados desencorajados, aqueles que não procuravam emprego, esses diminuíram. Não só passaram a procurar, como passaram a encontrar emprego. Se olharmos, por exemplo, para os escalões etários onde cresceu o emprego - cresceu em todos -, mas onde cresceu mais foi nas pessoas com mais de 45 anos. Quer dizer que houve uma capacidade de recuperação da economia oferecendo alternativas de trabalho a pessoas que todos nós pensávamos à partida, seriam aquelas que teriam mais dificuldades em regressar ao mercado de trabalho. O que significa que este está a ser um processo inclusivo e sustentado, julgo que temos boas razões para pensar que ele vai continuar.
Lembro-me de o ouvir falar do tema das reformas antecipadas para as carreiras contributivas muito longas. O objetivo dos 60 anos de idade e dos 40 anos de carreira ficou pelo caminho ou haverá novidades no próximo ano?
Quero esclarecer uma coisa: nunca foi a posição do Governo que fosse possível atingir uma reforma sem penalização com 60 anos de idade e 40 de carreira contributiva. Já agora gostava de explicar porquê. Porque generalizar essa norma - que alguns defendem, curiosamente de várias sensibilidades políticas - implicaria, para manter o equilíbrio que o sistema tem hoje, aumentar a taxa contributiva entre 5% e 6%, e isso é insustentável do ponto de vista económico. Porquê? Porque aos 60 anos, a esperança média de vida dos portugueses, maior nas mulheres do que nos homens, anda à volta dos 25, 26 anos. Ou seja, uma carreira contributiva de 40 anos seguida de uma "carreira" de pensionista de 26 anos não é sustentável do ponto de vista económico. Estaríamos a criar uma ilusão aos portugueses.
Então, o que é que é sustentável, senhor ministro?
O que é sustentável é continuar o caminho que estamos a fazer, que é garantir as reformas. A pergunta que, às vezes, os jovens me fazem, já há muitos anos, porque eu, para o mal e para o bem, há muitos anos que lido com estas questões é: "Senhor ministro, será que eu terei reforma no meu tempo?" A melhor resposta que eu posso ter é dizer que há 20 anos já me perguntavam o mesmo. E o nosso sistema continua a ser um sistema com solidez; com problemas, vai enfrentar desafios duros daqui a uns anos, desafios demográficos, mas com possibilidades de resposta como estávamos a ver no emprego, mas o nosso sistema recuperou solidez. Outro dado fundamental: durante uns anos, por razões da crise, o Governo teve de transferir para a Segurança Social vários milhares de milhões de euros para manter as pensões em pagamento. Ora, isso hoje já não é necessário. O sistema da Segurança Social, nas chamadas pensões contributivas, já tem receitas suficientes, e este ano de 2018 é o primeiro ano em que essa transferência extraordinária desapareceu.
Houve uma margem muito fraca de pessoas que foram apanhadas por essas regras para as carreiras contributivas muito longas, creio que 15 000 pensionistas...
Isso não é uma margem fraca.
Mas haverá regras novas no próximo ano?
O Governo tem uma proposta faseada de ir aperfeiçoando esse processo e voltar a ter mecanismos sustentáveis de flexibilidade da idade da reforma, mas obviamente que nós hoje também nos defrontamos com um mercado de trabalho diferente, onde começam a faltar as pessoas e não onde há pessoas em excesso. A situação da política de reformas antecipadas também tem de levar em linha de conta a situação do mercado de trabalho, mas nós não deixámos cair esse dossier, vamos aprofundá-lo. Agora, temos de o fazer com a ponderação que garanta que não temos nenhum desequilíbrio de curto prazo na Segurança Social, pelo contrário, vamos reforçando excedente. No ano de 2019 vai acontecer uma coisa que é única, que é o segundo ano consecutivo em que há um aumento real das pensões para mais de 90% dos pensionistas. Porquê? Porque a economia está crescer acima do valor que determina o aumento real das pensões. É certo que estamos a falar de uma inflação baixa e, portanto, as variações são pequenas, mas isso nunca tinha acontecido desde que há uma fórmula para atualizar as pensões. O que quer dizer que este excedente é em parte para suportar esse enorme aumento de despesa com as pensões e, ao mesmo tempo, para suportar a sustentabilidade do sistema.
O PS não devia recuperar o tema da introdução da condição de recursos nos complementos sociais no regime não contributivo, as chamadas pensões mínimas? Há pessoas que recebem estes complementos tendo outras fontes de rendimento?
É um debate que tem de se fazer. Nalguns casos, já são reduzidas essas possibilidades quando essas pensões são acumuladas com pensões obtidas no estrangeiro, o que é um número significativo, mas é um debate que a sociedade portuguesa tem de fazer, ainda não o fez. Nós tínhamos objetivos para esta legislatura e eles estão, em grande parte, cumpridos, mas há outros, como essa reflexão que terá de ser exigente, terá de ser sempre uma reflexão para o futuro e não para o passado. Nós assumimos um compromisso sólido que não vamos falhar, que foi o de não haver cortes nas pensões em pagamento, portanto aquilo que possamos vir a fazer nesse aspeto, que é um pouco técnico, terá de ser sempre na perspetiva do futuro.
Também não nos podemos esquecer de que a crise que vivemos foi longa, veio interromper muitas carreiras e, nesses casos, vai ter consequências negativas nalgumas pensões do futuro.
O senhor tem nas mãos a área da governação com maior potencial de desgaste entre o PS e os seus parceiros de esquerda. Sente, de alguma forma, que pode começar a haver no próprio PS a tentação de abrir uma crise e avançar para eleições antes do momento previsto?
Não, sinceramente não sinto isso. Já uma vez disse que os portugueses estão muito atentos à situação política, social e económica em Portugal; se virmos os estudos de opinião vemos que os portugueses estão atentos aos problemas do desemprego, do sistema de pensões, da saúde, mas também ao equilíbrio das contas públicas. A experiência que vivemos, a dureza da crise que vivemos, o facto de termos exigências muito difíceis por fazermos parte da zona euro - temos vantagens, mas temos responsabilidade muito pesadas - faz com que as pessoas estejam muito atentas e, a meu ver, seja muito difícil aceitarem a criação de crises numa ótica taticista, numa ótica de "se agora houver uma crise e houver eleições, eu ganho com isso". Já houve alturas em que esse pensamento era facilmente usado, por menor atenção das pessoas, hoje, os eleitores portugueses são muito exigentes a esse respeito, e estão à espera que esta legislatura termine e termine nesta lógica de compromissos que se cumprem, de tentativa de chegar a consensos, a acordos, de não desistência, de reforço da nossa posição externa. Essas são as linhas desta mudança e julgo que os portugueses querem que esta experiência chegue ao fim e depois farão a sua avaliação, e nós também, todos faremos essa avaliação.
Este caminho que percorremos, também do ponto de vista político, é um caminho que tem obviamente dificuldades, conhecendo as diferenças entre os partidos, mas tem conduzido a bons resultados. Caminhos com bons resultados, com boas saídas, são caminhos que não devem ser questionados de forma leviana, devem ser avaliados na sua potencialidade e valorizados quando correspondem àquilo que a maioria dos portugueses acha serem as escolhas mais corretas para o seu futuro.