O que fará António Costa com a maioria absoluta, perguntam agora muitos dos eleitores. Neste domingo, no discurso de vitória, o primeiro-ministro reeleito sublinhou que "maioria absoluta não é poder absoluto" e que continuará a manter um diálogo institucional com o Presidente da República, que deverá estar bem atento e vigilante..Costa afiançou ainda que falará com o PSD, criando uma perceção de estabilidade em redor do grande centrão. O chefe do novo governo sabe também que, caso pretenda fazer grandes reformas, precisará do apoio de dois terços de deputados no parlamento e, portanto, o diálogo com o partido laranja será fundamental, bem como, ainda a esse propósito, um entendimento com Marcelo Rebelo de Sousa..Hábil no discurso de vitória, Costa traçou o caminho para o futuro. Se quiser avançar mais pelo trilho da descentralização ou até mesmo da regionalização, da reforma da administração pública e da reforma da justiça, precisa de consensos e de união em prol de causas tão polémicas quanto difíceis de executar no terreno. O caderno de encargos que se avizinha será intenso e é decisivo o modelo do novo governo, como já aqui escrevi. Além disso, há que enfrentar variáveis como a subida da inflação e das taxas de juro, a subida das matérias-primas e dos preços da energia ou o aumento do risco geopolítico. Ainda assim, com o inevitável crescimento económico pós pandemia e com os milhões dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, Costa tem a astúcia suficiente para enfrentar a incerteza económica e de política externa e decerto tudo fará para utilizar bem a maioria absoluta a favor do crescimento e do desenvolvimento do país. De preferência, sem cedências a clientelas e amiguismos e sem deixar de ser o partido com forte preocupação social, já sem as amarras do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. Ao mesmo tempo tem a oportunidade de enveredar por uma política expansionista, sem deixar de controlar e reduzir o défice e a dívida pública, ou seja, sem abandonar o slogan das contas certas..Costa pode deixar marca e obra num modelo à Cavaco ao ser bafejado pelos fundos europeus. E pode igualar o tempo de Cavaco Silva como primeiro-ministro e ultrapassar Guterres e Sócrates na liderança do executivo. Mas não pode cair na tentação de permitir cedências aos amigos e enteados, até para se distanciar da reta final quer de Cavaco quer de Sócrates - o mesmo que disse recentemente, em entrevista na CNN, que "o PS tem de começar por não desmerecer a única maioria absoluta que teve". Costa respondeu com uma absoluta maioria..Se o reconduzido primeiro-ministro pode deixar marca e obra no país à Cavaco, também pode ser o novo Soares do PS. Reforçado enquanto líder do próprio Partido Socialista, ficará para a história quer pelos deputados que conquistou quer pela popularidade que alcançou. E pode não ter necessidade nem vontade de sair do país dentro de dois anos, como os analistas políticos já anteviam, quiçá para um cargo na União Europeia, como presidente do Conselho Europeu. Agora está amarrado pela grande e absoluta vitória e não quererá pagar o preço alto que sofreu Durão Barroso, quando saiu do governo para ser presidente da Comissão Europeia. Saiu e fez bem pelo prestígio do cargo, mas o povo nunca o compreendeu. A vitória clara deixa-o amarrado ao próprio PS, secando, qual eucalipto, os sucessores que já se perfilavam: Pedro Nuno Santos (o mais provável) ou Fernando Medina..Costa ganhou e está para durar. E, se tudo lhe correr de feição e confirmando-se que não sairá para uma função internacional, com a experiência acumulada e com a idade que terá dentro de quatro anos (64), pode bem começar a sonhar com Belém, como referi no comentário que fiz na RTP, na noite eleitoral, de 30 para 31 de janeiro..Soares também enfrentou uma crise grande, de 1983 a 1985, e, a seguir, conseguiu ser presidente durante uma década. Afinal, dentro de quatro anos que outro candidato poderá ter o PS com tamanho legado? Quem estará mais bem preparado do que António Costa? É um jogo à Cavaco ou à Soares, misturando fundos europeus, poder executivo, popularidade e ambição. Para o animal político que é António Costa, Belém será o caminho óbvio. Resta saber se seria possível uma passagem quase direta a menos que fosse vencido por um candidato da direita. Quem seria? Passos Coelho, Marques Mendes ou Paulo Portas?.Para já, o foco de Costa é São Bento.