A culpa do Brexit não é da Rússia, das fake news, nem do povo ignorante. Passados quase três anos, ao menos isso já podia ter sido percebido..Logo a seguir aos resultados do Brexit (e depois da eleição de Trump e do sucesso de Le Pen), uma parte da inteligência internacional resolveu convencer-nos, e eventualmente acreditar, que o Brexit e o resto eram, em grande parte, o resultado de uma manipulação dos eleitores pelas fake news promovidas pelos russos e disseminadas pelas malditas redes sociais. E, além disso, fruto da ignorância dos que votaram (sobretudo os velhos e os pouco ilustrados) sobre o que de facto lhes ia acontecer..Quase três anos depois do referendo, e para lá de tudo o mais que o tema ainda justifica, há uma evidência - as sondagens não mudaram nem radical nem consistentemente - que prova dois pontos. O The Guardian (insuspeito na matéria) dava conta neste sábado das conclusões a que chegou um estudo aos vários inquéritos de opinião sobre o tema ao longo dos últimos meses: há uma ligeira vantagem do Remain (54/46), mas é estreita e frágil. Até porque as outras também davam a vitória do Remain, lembram-se? E presume que os eleitores que não votaram iriam agora votar. Ou seja, não prova (ou prova o contrário) a tese de que os eleitores foram manipulados pelas fake news, a Rússia e as mentiras dos brexiteers..Mesmo admitindo que durante a campanha houve notícias falsas intencionalmente postas a circular, e que a Rússia pode ter contribuído nesse exercício; que os defensores do Brexit mentiram, conscientemente, sobre a facilidade do processo e as suas virtudes, há que convir que entretanto a realidade se manifestou com bastante evidência. Até fora das Ilhas Britânicas é claro o que se está a passar: é o Reino Unido, são os políticos britânicos que não se entendem sobre o que querem e quanto estão dispostos a ceder. Ninguém, de um modo geral, acusa a Europa de ter torcido o braço ao Reino Unido. .Aquele acordo é o acordo que o governo negociou e diz que é bom. É contra o governo que (quase todas) as pessoas e (quase todos) os deputados estão. Isso prova que a opinião das pessoas, que não se alterou fundamentalmente, não foi fruto de uma campanha de desinformação e mentira. Há muito quem gostasse que tivesse sido, mas não foi. A menos, claro, que acreditem que essa campanha permanece e que as pessoas não veem na televisão o que se passa no Parlamento e por aí fora..Esta discussão, que parece apenas um ajuste de contas, é das mais importantes para os próximos tempos. Se continuarmos a achar que as pessoas não votam como achamos que deviam porque são enganadas e manipuladas, em vez de reconhecermos nos eleitores a vontade de ter o resultado que escolhem, vamos continuar a combater com armas erradas, e a chamar-lhes estúpidos, em vez de percebermos o que querem. E, consequentemente, não seremos capazes de lhes dar alternativas dentro do sistema. É esse o problema.