Vista Alegre reforça legado de dois séculos a crescer em Portugal e no exterior
Há 200 anos que as porcelanas Vista Alegre são um símbolo de Portugal e, apesar dos percalços de que é feita a história da empresa criada por José Ferreira Pinto Bastos, o desígnio é manter a trajetória de crescimento, no mercado interno e no externo. Pelas mãos do Grupo Visabeira, que em 2009 adquiriu a Vista Alegre Atlantis, a reconhecida marca portuguesa definiu um plano de expansão que prevê uma maior presença internacional, mas também uma maior diversificação na oferta.
A Ásia é uma das geografias onde a Vista Alegre vê forte potencial de crescimento. Segundo Nuno Barra, administrador da Vista Alegre Atlantis, neste continente o foco está nos mercados da Coreia do Sul, China e Japão. A porta de entrada já foi aberta com a constituição de uma parceria com um empresário sul-coreano, que se materializou num espaço de 40 metros quadrados dedicados à marca portuguesa num grande armazém de Seul, em operação desde o ano passado. “O passo seguinte será a abertura de uma loja dedicada à Vista Alegre”, num investimento conjunto, explica o responsável.
Depois, chegará a vez da China e do Japão. Como frisa, o plano de negócios já está montado e bem definidas as premissas. O primeiro passo é encontrar um bom parceiro local. Depois, entrar numa department store (em português, grande armazém). E, por último, abrir uma loja exclusiva Vista Alegre.
Na Índia, “mercado que tem um potencial gigante e onde já tínhamos feito algumas experiências há cerca de três anos”, foi constituída já este ano uma parceria com um empresário que detém uma rede de lojas no país. “Correndo bem, abrimos uma loja”, diz o administrador responsável pelas áreas de Marketing, Design de Produto, Retalho e-Commerce do grupo português.
A ambição internacional da Vista Alegre não fica por aqui. Até porque o mercado externo tem uma forte palavra a dar no crescimento do negócio. No ano passado, representou 69,2% do volume de negócios do grupo (ou 94,7 milhões de euros), num exercício em que a faturação total cresceu 5,5%, para 137 milhões de euros.
A marca está também a apostar no México, onde abriram no ano passado um corner de 80 metros quadrados “na melhor department store da Cidade do México”, que se veio juntar aos sete espaços que exploram noutros grandes armazéns neste país, adianta Nuno Barra. No México, a Vista Alegre apostou em ter um country manager português a trabalhar o mercado.
A entrada de Cristiano Ronaldo no capital da Vista Alegre Atlantis - a empresa CR7 adquiriu uma participação de 10% em 2024 e de 30% na subsidiária espanhola -, veio também dar um impulso ao objetivo do grupo de crescer na região do Médio Oriente. A marca bicentenária portuguesa e também a reconhecida Bordallo Pinheiro (adquirida pelo Grupo Visabeira numa altura em que a sombra da falência pairava sobre a unidade das Caldas da Rainha) querem reforçar a sua notoriedade nesta região e, para isso, foi também acordado com o futebolista português a constituição, em partes iguais, de uma empresa no Médio Oriente para promover as duas marcas. Segundo Nuno Barra, as peças de assinatura nacional já são vendidas em mercados como o Kuwait, a Arábia Saudita e o Dubai.
A diversidade de geografias onde a Vista Alegre tem presença é grande - mais de 90 países -, mas é Franca que lidera o ranking dos principais mercados externos. Segue-se Espanha (tem presença em 40 espaços El Corte Inglès e lojas próprias em Madrid e Barcelona) e Alemanha. “Andam sempre muito próximos” em termos de vendas, diz o responsável.
O Brasil e os Estados Unidos da América são também países onde as vendas têm um peso importante na faturação (entre 4 e 5%). Já na Rússia, onde o negócio corria bem, foi preciso dar um passo atrás devido à guerra que opõe este país e a Ucrânia. O parceiro decidiu pôr termo à atividade. Na América latina, o grupo apostou no desenvolvimento de projetos na Colômbia, Equador, Guatemala e Argentina, com novas parcerias no retalho e hotelaria. Refira-se que as vendas para hotéis representam mais de 12% do volume de negócios da Vista Alegre Atlantis.
Uma marca, vários produtos
Com tranquilidade, a Vista Alegre tem vindo a reinventar-se e a alargar o seu portefólio aos têxteis para a casa, às cutelarias, aos acessórios de moda, como as echarpes em caxemira, e ao mobiliário de sala. Segundo Nuno Barra, “o futuro da Vista Alegre é ser uma marca de lifestyle”.
“É reconhecida pelo design, cor, formas e como domina estas áreas pode ser utilizada noutros produtos para a sala”, diz. Por isso, lançou este mês a primeira linha de mobiliário, cujo desenho é da responsabilidade da Pininfarina, empresa conhecida mundialmente pela conceção de vários modelos míticos da Ferrari.
Para a estreia no mobiliário de sala, a Vista Alegre apostou numa coleção composta por um aparador, uma mesa de jantar com 2,7 metros, cadeiras, poltronas e mesas de apoio. “São peças excecionais, com um processo produtivo muito manual e materiais de elevada qualidade. São do melhor que se faz no mundo”, frisa o gestor. São artigos “alinhados com o que melhor fazem” as marcas de luxo internacionais. Como sublinha, “são quase peças de arte”, que já estão em montra nas lojas de Lisboa e Porto. Na sua opinião, “as marcas de mesa têm que evoluir necessariamente para o lifestyle”. A Hermés “está no topo da pirâmide das marcas de luxo e do lifestyle e começou por fabricar selas para cavalos há 100 anos”, lembra. É uma aposta cuidadosa. “Desde o primeiro contacto com os designers até à apresentação passaram cinco anos”.
O design é uma disciplina à qual a Vista Alegre dá especial atenção. “A marca aposta muito no produto. Se não é diferenciador, se não é bom, não vende”, faz notar Nuno Barra. Essa estratégia tem resultado num número considerável de prémios internacionais. Os German Design Awards, Light in Theory, Good Design Chicago, Innovative Interiors, European Product Design Awards, German Innovation Awards, Architecture MasterPrize são alguns exemplos.
Em simultâneo, o grupo tem convidado artistas consagrados da pintura, escultura, arquitetura e de outras artes, como Álvaro Siza Vieira, Joana Vasconcelos, Patrick Norguet, Marcel Wanders, Pedro Cabrita Reis a desenhar peças Vista Alegre.
Há ainda espaço para os talentos jovens e emergentes. A Vista Alegre promove, desde 2011, residências artísticas na fábrica de Ílhavo, dando espaço ao desenvolvimento de novas linhas criativas. Todos os anos, o projeto ID Pool recebe dezenas de candidaturas dos cinco cantos do mundo para um trabalho de três a seis meses na empresa. Os designers selecionados têm a possibilidade de desenvolver em ambiente industrial as suas criações, muitas contribuíram já para o portefólio da marca, e garantir uma colaboração com a marca. Estas residências “são uma aposta muito grande” da Vista Alegre, frisa.
Entre o passado e o futuro
Estas estratégias são um olhar para o futuro, mas sempre promovendo o passado. Em Ílhavo, onde, em 1824, nasceu a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, mais tarde Real Fábrica, e que 200 anos depois continua a laborar, o Grupo Visabeira investiu na renovação e requalificação do museu que alberga um dos mais completos espólios museológicos do género, contando mais de 30 mil peças, e é visitado por milhares de curiosos portugueses e de outras partes do mundo.
No complexo industrial, é também possível visitar a Capela em Honra a Nossa Senhora da Penha de França, classificada como Monumento Nacional em 1910, e a Oficina de Pintura Manual da fábrica.
A Visabeira desenvolveu também um hotel de cinco estrelas no complexo industrial, aproveitando espaços pré-existentes e construindo um novo edifício de quatro pisos. No bairro operário, uma preocupação social do fundador da Vista Alegre, foram recuperadas algumas das moradias e transformadas em quartos, suítes, estúdios e apartamentos T1, T2 e T3, numa experiência de alojamento que o grupo pretende diferenciadora. No bairro, continuam a viver alguns dos antigos operários, agora reformados.
E nesta longa história que une várias gerações destaca-se ainda o teatro, onde os atuais trabalhadores dão corpo e voz a textos que muito público chamam. Maria do Céu Rocha é uma dessas vozes e garante que as peças estão sempre esgotadas. Nasceu na Vista Alegre, filha de funcionários da empresa, a mesma onde cedo também começou a trabalhar. Está a meses de se reformar, mas não pensa deixar o teatro. É uma ligação que a encanta. Afinal, diz, “fomos todos felizes aqui. Tínhamos tudo. Como costumo dizer, até os maridos arranjávamos aqui.”