"A função de consultor não é uma carreira", "não se concorre para ser consultor", "os consultores são uma função temporária", mas esta "existe porque essas pessoas têm muita experiência" e os seus préstimos são "muito relevantes" para o Banco de Portugal (BdP), defendeu, esta terça-feira, Mário Centeno, numa audição parlamentar a pedido do Chega, a propósito do 'caso' Hélder Rosalino.Centeno disse mais: os consultores do banco central (eram seis no total, no final de 2024) são profissionais que, "apesar de terem interrompido a sua carreira" no BdP para irem para o governo, reguladores e outras instituições de relevo do setor público, "têm direitos como trabalhadores", como "serem recolocados nos seus lugares de carreira ou funções como se tivessem continuado a progredir e não tivessem saído", isto é, que "não podem ser penalizados por terem ido desempenhar outras funções muito importantes" fora do banco central, acrescentou Centeno na resposta à polémica que se instalou desde que o ex-administrador Rosalino foi convidado para o governo para ir ganhar o mesmo que no Banco (quase 16 mil euros mensais). Acabou por não ir.O banco central tinha, de facto, "seis consultores" no final de dezembro último, mas nem todos se podem dizer "temporários", tendo em conta a permanência já longa que pelo menos um deles tem nessa posição.É o caso do antigo vice-governador Pedro Duarte Neves, que é consultor do banco central desde que saiu do cargo, a 7 de setembro de 2017, vai fazer oito anos, este ano.Foi três anos antes de Centeno ser apontado para cinco anos como governador, em 20 de julho de 2020. Este primeiro mandato do atual governador termina agora, em 2025. Por lei, podia abraçar um segundo termo (tendo Centeno clarificado, entretanto, que não quer ser candidato à Presidência da República, por exemplo), mas surgiram notícias de que o atual governo não pretende reconduzi-lo no cargo.Pedro Duarte Neves é um quadro histórico do Banco de Portugal e chegou ao topo quando foi nomeado, em abril de 2006, para o cargo de vice-governador do conselho de administração (na altura liderado por Vítor Constâncio) sob proposta do ministro das Finanças de então, Fernando Teixeira dos Santos (governo PS). O nome de Duarte Neves foi aceite pelo primeiro-ministro da altura, José Sócrates, que assinou a respetiva resolução do Conselho de Ministros.Em 2011, em plena crise da bancarrota, Pedro Duarte Neves seria reconduzido no cargo pelo governo seguinte (PSD-CDS, liderado por Pedro Passos Coelho), proposto pelo ministro das Finanças desse executivo, Vítor Gaspar.Vice-governador ganhava quase 16 mil euros por mês há oito anosO mandato do vice-governador terminaria, como referido, em setembro de 2017, tendo permanecido na esfera do banco central ao ser convidado para o distinto papel de consultor, função que ocupa desde então.Na altura, o vice-governador ganhava um salário mensal bruto de 15.868,90 euros, valor que terá mantido como conselheiro do Banco.Em 2024, o cargo de vice (ocupado agora por Luís Máximo dos Santos e Clara Raposo) beneficiou das atualizações aplicadas à Função Pública desde 2017, que aumentaram a respetiva remuneração para 17.041,11 euros mensais brutos.Duarte Neves trabalha de forma próxima com o departamento de estudos e é o editor da Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal.Nascido em agosto de 1961 (vai fazer 64 anos este ano), o economista estará quase a aposentar-se, tendo em conta o quadro legal previsto para o setor bancário, que também se aplica aos trabalhadores do BdP.Quem é quem entre os conselheirosMas como surgiu a "polémica" e a caça ao quem é quem entre os conselheiros do banco central?Tudo surgiu na sequência da intenção do Governo em nomear Hélder Rosalino (ex-administrador e consultor da administração Banco de Portugal) para secretário-geral do executivo, no final do ano passado, indo ganhar o mesmo que ganhava no Banco, noticiou o Correio da Manhã, a 28 de dezembro. Aventou-se ainda que o BdP iria ajudar a pagar o salário de Rosalino, que seria o dobro do do primeiro-ministro, Luís Montenegro.Centeno refutou totalmente esta hipótese, primeiro num comunicado, logo em dezembro, e esta terça-feira, no Parlamento, argumentando que seria ilegal. Era ter o banco central a financiar diretamente o governo, algo que é expressamente proibido pelos tratados europeus.Por exemplo, "o doutor Hélder Rosalino está a cinco anos de se poder aposentar", revelou Centeno. Rosalino foi consultor por dois meses, quase três (era esse o período definido para os seus préstimos como consultor, disse o governador), mas gorada a sua ida para secretário-geral do governo PSD-CDS, de Luís Montenegro, a administração do BdP decidiu convidar o antigo administrador do BdP e antigo governante do executivo de Pedro Passos Coelho para administrador da Valora, a empresa do BdP que produz notas de euros.Segundo os arquivos do Governo, Rosalino nasceu em Sintra, em outubro de 1968, pelo que este ano fará 57 anos. Ou seja, pode atingir a idade de reforma aos 62 anos, a fazer fé no que disse Centeno, que citou as regras e os direitos consagrados aos seus trabalhadores pelos instrumentos de contratação coletiva do setor bancário, que também é aplicada ao banco central português.Ontem, Centeno revelou mais um dos cinco nomes de “consultores” que faltavam: é Ana Cristina Leal, ex-administradora, que atualmente é a responsável pela articulação com o FMI no exercício regular de supervisão, análise de riscos e testes de esforço ao sistema financeiro português, o chamado FSAP - Financial Sector Assessment Program.Pelo caminho, o governador ainda lembrou outros consultores de "valor" do passado recente (já não são), como Aníbal Cavaco Silva (antigo primeiro-ministro e Presidente da República), Vítor Constâncio (antigo governador do BdP e vice-presidente do Banco Central Europeu, hoje professor universitário no ISEG e na Universidade de Navarra) e Vítor Gaspar (antigo ministro das Finanças, hoje diretor do departamento de assuntos orçamentais do Fundo Monetário Internacional).A economista Teodora Cardoso, que faleceu em setembro de 2023, outra histórica do BdP (onde começou em 1973), também foi conselheira da autoridade monetária.Quanto aos outros no ativo, Mário Centeno nada disse, mas segundo a revista Sábado, de 14 de janeiro, são: Sílvia Luz (mulher do ex-ministro Vítor Gaspar); Ana Cristina Leal, João Cadete de Matos (ex-diretor do Departamento de Estatísticas do Banco de Portugal até 2017, depois presidente do regulador das telecomunicações Anacom até final de 2023) e o referido Pedro Duarte Neves.