Um terço dos trabalhadores aceitaria cortes no salário para ficar alguns dias em teletrabalho
Oleksandr Pidvalnyi/Pixabay

Um terço dos trabalhadores aceitaria cortes no salário para ficar alguns dias em teletrabalho

Inquérito conduzido pelo Banco Central Europeu (BCE) conclui que o corte médio "aceitável" no salário de modo a ter um horário semanal híbrido rondaria os 2,6%.
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Cerca de 30% dos trabalhadores europeus auscultados no âmbito de um grande inquérito conduzido pelo Banco Central Europeu (BCE) junto das famílias da Zona Euro sinalizaram estar dispostos a reduzir o seu salário para poder ficar alguns dias da semana em teletrabalho, conjugando esta forma com dias de trabalho presencial.

O número de dias sugeridos pelos empregados para ficarem remotos varia de um a cinco dias. Já o corte médio "aceitável" no salário por estes indicado de modo a poderem ter um horário semanal híbrido rondaria os 2,6%, indica o mesmo estudo publicado esta semana pela autoridade presidida por Christine Lagarde.

Em Portugal, a realidade do teletrabalho tem vindo a expandir-se nos últimos anos.

O modelo emergiu em força na altura da pandemia de covid-19 (entre 2020 e 2022) por força dos vários confinamentos (limites à mobilidade de pessoas, à atividade das empresas no terreno, etc.), mas com a crescente adopção de novas tecnologias, dematerialização e simplificação de processos e a entrada de pessoas mais jovens no mercado de trabalho, o trabalho remoto (articulado com presencial ou não) tem vindo ganhar força em Portugal, mostram os números do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Dois milhões de pessoas em teletrabalho, em Portugal

Atualmente (os últimos dados são das estatísticas do emprego do INE referentes ao segundo trimestre de 2025 divulgadas no início de agosto), o país tem quase dois milhões de pessoas em teletrabalho, isto é, empregados que exerceram a sua profissão em casa "com recurso a tecnologias de informação".

Este contingente aumentou cerca de 6% em termos homólogos (face ao segundo trimestre de 2024) num contexto, claro está, de expansão generalizada do emprego nacional, que continua a bater recordes.

Assim, segundo INE, "a proporção da população empregada em teletrabalho, isto é, que trabalhou a partir de casa com recurso a tecnologias de informação e comunicação, foi de 20,9% (1 095,8 mil pessoas), igual à do 1.º trimestre de 2025 e mais 0,6 pontos percentuais (p.p.) do que no 2.º trimestre de 2024".

Ou seja, o teletrabalho é hoje regra para mais de um quinto dos trabalhadores em Portugal e está em franco crescimento.

O estudo do BCE

O trabalho preparado pelos economistas do BCE António Dias da Silva e Marco Weissler, e que integra o novo boletim económico, analisa a realidade da Zona Euro e tenta apurar a valorização que os trabalhadores fazem da opção do trabalho remoto.

"Desde a pandemia, o trabalho remoto tornou-se mais comum na Zona Euro. De acordo com o Eurostat, a percentagem de trabalhadores com idades entre os 20 e os 64 anos que, pelo menos ocasionalmente, trabalhavam em casa duplicou entre 2019 e 2024, passando de 11,7% para 22,4%", refere o estudo do BCE.

Neste aspecto, apesar da expansão do teletrabalho em Portugal, o país continua visivelmente abaixo da média europeia.

O Inquérito às Expectativas do Consumidor (CES, na sigla inglesa) da Zona Euro "mostra que estes padrões de trabalho remoto parecem ter-se consolidado, tendo permanecido amplamente estáveis ​​entre 2024 e 2025".

"Os benefícios não salariais – incluindo as possibilidades de trabalho remoto – são frequentemente oferecidos pelas empresas como alternativa a salários mais elevados" e estudos internacionais recentes sobre esta questão "descobriram que os colaboradores estariam dispostos a abdicar de parte dos seus salários em troca de poderem trabalhar a partir de casa", dizem os autores.

Ora, é o que está a acontecer, de facto, na área da moeda única europeia e já com bastante significado.

"De acordo com o CES, o padrão de trabalho híbrido continua a ser a opção mais comum e preferida entre os colaboradores que trabalham remotamente. Em 2025, 55,7% dos colaboradores não trabalhavam em casa, 11,9% trabalhavam em casa cerca de um dia por semana, 21,9% trabalhavam em casa entre dois e quatro dias por semana (trabalho híbrido) e 10,6% trabalhavam em casa cinco ou mais dias por semana", indicam os economistas.

"Os empregados não estão dispostos a abdicar de grande parte dos seus salários para terem um padrão de trabalho híbrido, apesar da elevada satisfação com os seus esquemas atuais de trabalho remoto", revela o mesmo estudo.

"Em maio de 2025, foi pedido aos inquiridos do CES que assumissem que o seu empregador não permitia o trabalho remoto e que indicassem qual o nível de corte salarial que estariam dispostos a aceitar (em percentagem do seu salário atual) em troca da opção de trabalhar a partir de casa dois ou três dias por semana".

As respostas foram: "70% dos empregados não estariam dispostos a aceitar um corte salarial para trabalhar a partir de casa", mas, "no entanto, 13% aceitariam um corte salarial entre 1% e 5%, enquanto 8% aceitariam uma redução entre 6% e 10%".

Abdicar de quanto no salário?

Segundo o estudo, o corte salarial médio que os empregados aceitariam para trabalhar dois ou três dias por semana a partir de casa "é de 2,6%".

Para os autores, este valor de abdicação salarial é "significativamente menor do que outras estimativas na literatura empírica", em estudos que apontam para a aceitação de cortes por parte dos trabalhadores na ordem dos 7% nos Estados Unidos ou dos 5,4% na Alemanha.

Uma vontade que varia muito

Para os autores, a preferência pelo teletrabalho varia muito entre empresas e atividades, sendo que muitos dos que trabalham 100% de forma remota até sinalizam mais vontade em ter dias de trabalho presencial. "Isto sugere que o trabalho remoto pode ser motivado mais pela necessidade ou pelas exigências do empregador do que pela preferência", defendem os economistas.

"A comparação dos padrões de trabalho remoto reais dos colaboradores com os padrões de trabalho remoto desejados revela algumas diferenças significativas".

"No geral, o padrão de trabalho híbrido parece ser a opção preferida de trabalho remoto, com a maioria dos trabalhadores híbridos (84%) a manifestar satisfação com o seu arranjo atual", mas, "curiosamente, 43% dos colaboradores que trabalham totalmente de forma remota preferiam passar menos dias a trabalhar fora do escritório".

Para os autores, "isto sugere que o trabalho remoto pode ser motivado mais pela necessidade ou pelas exigências do empregador do que pela preferência do empregado".

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