Filipa Urbano Calvão tomou posse como presidente do Tribunal de Contas em outubro de 2024.
Filipa Urbano Calvão tomou posse como presidente do Tribunal de Contas em outubro de 2024.Foto: PAULO SPRANGER

Tribunal de Contas chumba Conta Geral do Estado de 2024

Auditor acusa Estado de omitir "valores relativos a certificados de aforro e do tesouro vencidos e não pagos" e teme pelo "impacto nas famílias".
Publicado a
Atualizado a

A Conta Geral do Estado de 2024 (CGE 2024), o maior e principal documento que retrata a situação financeira das Administrações Públicas portuguesas, foi chumbada pelo Tribunal de Contas (TdC) por não cumprir a lei maior que rege as Finanças Públicas, anunciou, esta quarta-feira, a instituição presidida desde outubro do ano passado por Filipa Urbano Calvão.

O motivo invocado foi a violação de normas da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), o principal diploma que regula as contas públicas em Portugal (e que articula diretamente com o quadro de regras europeu do Pacto de Estabilidade), e que tem uma força legal quase constitucional.

Segundo o governo, a LEO "estabelece os princípios e as regras orçamentais aplicáveis ao sector das administrações públicas", bem como "o regime do processo orçamental, as regras de execução, de contabilidade e reporte orçamental e financeiro, bem como as regras de fiscalização, de controlo e auditoria orçamental e financeira, respeitantes ao perímetro do subsetor da administração central e do subsetor da segurança social".

O Tribunal entregou este Parecer sobre a CGE esta quarta-feira, mas devia tê-lo feito, também segundo a lei, até 30 de setembro.

No novo documento, o TdC indica que "o juízo emitido é de não conformidade com a Lei de Enquadramento Orçamental por a Conta não integrar as demonstrações orçamentais e financeiras consolidadas da Administração Central e da Segurança Social, facto que impossibilitou a sua certificação pelo Tribunal".

O juízo inclui ainda "reservas e ênfases por omissões no reporte, designadamente no âmbito da dívida pública, da carteira de ativos financeiros do Estado, do património imobiliário e das responsabilidades contingentes".

"E também por erros materialmente relevantes que subvalorizaram a receita e a despesa, bem como por contabilização irregular de montantes recebidos para financiamento de despesa enquadrável no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)", lamenta o coletivo de auditores.

Certificados de aforro e tesouro por pagar

O parecer identifica ainda "casos de incorreta classificação e reporte de fluxos financeiros com as administrações regionais, locais e com o setor empresarial do Estado e dá conta de que se encontram omissos na Conta valores relativos a certificados de aforro e do tesouro vencidos e não pagos".

Assim, o Tribunal decidiu enviar "69 recomendações ao Governo e à Assembleia da República, entre as quais uma nova referente ao processo de conversão dos títulos físicos de certificados de aforro, pelo seu impacto nas famílias".

O coletivo de juízes insiste ainda que "no âmbito dos produtos de aforro, identificaram-se montantes avultados relativos a contas aforro com dados desatualizados, verbas que podem correr o risco de prescrição".

Nos impostos, também há problemas. "O Tribunal evidencia ainda o não apuramento da despesa fiscal para 1/3 dos benefícios fiscais e o facto de não se controlar, para todos os benefícios fiscais em IRS, a existência de dívidas fiscais dos contribuintes (o que conduziria à sua suspensão)".

E acrescenta que fez uma análise ao património imobiliário da Segurança Social na qual "identifica que 20% dos imóveis encontram-se devolutos existindo constrangimentos na respetiva gestão, por uma grande parte necessitar de obras de reabilitação".

Nas PPP, o Tribunal alerta para "insuficiências existentes no reporte ao nível das parcerias público-privadas [PPP], quer quanto à identificação do universo, quer quanto à validação dos dados e alerta também para o acréscimo em 2024 das responsabilidades contingentes associadas a litígios em curso".

Demoras significativas no PRR

"No que concerne aos fluxos financeiros com a União Europeia, o Tribunal sublinha a persistência de significativas demoras na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do PT 2030, bem como na materialização dos seus efeitos".

Segundo o TdC, "a apenas dois anos do término do seu período de execução, verifica-se que 72% do valor total programado do PRR permanece por chegar à economia real".

E quanto ao PT 2030 (o envelope clássico dos fundos europeus programados a sete anos), "a taxa de execução no final de 2024 era de apenas 5,5%, apesar de decorridos já três anos do período de programação".

Adicionalmente, o Tribunal salienta "a persistência de insuficiências na informação disponibilizada publicamente relativamente à monitorização do PRR e ao reflexo da sua execução na Conta de 2024".

No que se refere à implementação da Reforma das Finanças Públicas, "o Parecer dá conta de que, do total de financiamento previsto no PRR para esta reforma, apenas 5,2% se encontram executados [até ao final de 2024], e identifica a falta de desenvolvimentos essenciais, designadamente quanto ao nível dos sistemas de informação e à qualificação de recursos humanos, bem como ao calendário de implementação".

Segundo chumbo em dois anos

A declaração de "não conformidade" com a Lei de Enquadramento Orçamental é algo que tem sido raro nos últimos dez anos, pelo menos, de acordo com um breve levantamento feito pelo DN.

Desde 2014, ano em que o país saiu do Programa de Ajustamento da troika, o Tribunal de Contas tem dado pareceres positivos, ainda que sempre com reservas.

Mas, em 2023, a CGE (responsabilidade do anterior governo PS, de António Costa e do ministro das Finanças, Fernando Medina), recebeu pela primeira vez este juízo negativo do Tribunal e por motivos parecidos com os deste ano 2024 (CGE da responsabilidade do governo PSD-CDS, de Luís Montenegro e Joaquim Miranda Sarmento).

No Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2023, incluindo a da Segurança Social, o TdC também avançou "com um juízo de não conformidade com a Lei de Enquadramento Orçamental, por não integrar demonstrações orçamentais e financeiras consolidadas da administração central (AC) e da segurança social (SS), o que também impossibilitou a certificação da Conta", como agora.

"Os atrasos na implementação da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) continuam a não permitir complementar a contabilidade orçamental com informação financeira e de gestão", declarou o TdC há um ano.

Na altura, o Ministério das Finanças (Medina) defendeu-se, apontando "para uma implementação gradual e faseada da Lei, o que torna necessária a adequação dos prazos legalmente definidos e já ultrapassados".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt