Nazaré da Costa Cabral, presidente do Conselho das Finanças Públicas
Nazaré da Costa Cabral, presidente do Conselho das Finanças PúblicasFotografia: João Silva

TGV, gastos militares e em saúde ameaçam descarrilar ajustamento prometido a Bruxelas

Segundo o CFP, nos próximos quatro anos, as finanças públicas de Portugal vão confrontar-se "com riscos materialmente relevantes para a evolução da despesa, cuja probabilidade de concretização é elevada" e que, a materializarem-se, vão "criar dificuldades no cumprimento da trajetória" prometida à Comissão Europeia.
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O ajustamento estrutural das finanças públicas portuguesas sob o chapéu do novo Pacto de Estabilidade está ameaçado ou em risco devido a "pressões" orçamentais (essencialmente, novas despesas) que deverão surgir, quase de certeza, nos próximos quatro anos, avisa o Conselho das Finanças Públicas, na Análise do Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (POEN-MP 2025-2028), que o governo (o Ministério das Finanças) enviou para a Comissão Europeia (CE) há cerca de duas semanas.

De acordo com o novo estudo, divulgado esta terça-feira, as despesas com a linha ferroviária de alta-velocidade, os gastos militares e de segurança adicionais a que Portugal se verá obrigado para cumprir os seus deveres com a NATO e gastos novos em Saúde que hoje não constam são surpresas orçamentais de valor muito relavante à espreita que, assim, podem atrapalhar o referido ajustamento e o equilíbrio das constas públicas que, para o CFP, é "fundamental".

Embora este POEN seja feito numa base de políticas invariantes (ou seja, a partir de 2026 assume-se que não há novas medidas de política, apenas os efeitos das medidas já aprovadas até agora, como também não se integram os efeitos na economia de reformas e investimentos do PRR - Plano de Recuperação e Resiliência), o Conselho das Finanças, que é presidido por Nazaré Costa Cabral, convidou útil catalogar uma série de despesas e ver o que aconteceria se estas fossem inoculadas no modelo de projeção.

Segundo o CFP, "acrescem riscos materialmente relevantes para a evolução da despesa, cuja probabilidade de concretização é elevada".

De acordo com a entidade que avalia as políticas públicas, o cenário agora calculado "inclui a evolução tendencial da receita e da despesa, em políticas invariantes, a partir de 2026".

No entanto, "para além deste elemento, tal como em qualquer exercício com um horizonte de médio-prazo, é possível catalogar um conjunto de riscos ou pressões que rodeiam o cenário central".

"Entre estes riscos contam-se o impacto orçamental da linha de alta velocidade Porto-Lisboa (LAV), a despesa com defesa e segurança tendo em consideração os compromissos internacionais assumidos por Portugal, e a despesa com funções sociais, concretamente a saúde", enumera o CFP, só para citar os que considera mais relevantes. 

"Este conjunto não exaustivo de pressões corresponde a aproximadamente 1% do PIB", uma sobrecarga na despesa que, pelas contas do Conselho das Finanças, "acrescentaria cerca de 2,5% ao nível da despesa líquida no ano de 2028, criando dificuldades no cumprimento da trajetória sem medidas compensatórias", diz o estudo.

Despesa em alta velocidade

O impacto orçamental dos projetos do comboio de alta velocidade "dependerá da partilha de riscos entre o sector público e privado e, bem assim, da percentagem de financiamento por fundos europeus", diz o CFP.

"A informação disponível publicamente aponta para que o encargo líquido das PPP (parcerias público-privadas), nomeadamente com empreitadas, sinalização e telecomunicações, comece a ganhar relevância nos anos de 2027 e 2028, podendo alcançar os 0,1% e os 0,2% do PIB, respetivamente."

"Ora, tal coincide justamente com o biénio no qual o compromisso assumido por Portugal para o crescimento da despesa líquida é mais restritivo."

Gastos militares ganham força

O CFP não tem dúvidas: "A despesa com defesa nacional terá de aumentar" para cumprir o "Compromisso de Investimento na Defesa" assumido pelos Aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) em 2014.

Deste compromisso "deverá decorrer uma pressão para a despesa pública, pois a afetação à Defesa Nacional, de forma sustentada, de 2% do PIB, exigirá um aumento desta despesa em torno dos 0,5 pontos percentuais (p.p.) do PIB (aproximadamente 1650 milhões de euros a preços de 2028), encargo esse que não se encontra contemplado nesta projeção em políticas invariantes apresentada pelo CFP", explica o estudo do Conselho.

Saúde até mais tarde e cada vez mais dispendiosa

"A prestação de cuidados com saúde coloca pressões acrescidas sobre a despesa pública", sendo que o CFP detetou uma nova fonte de risco além da tradicional pressão demográfica do envelhecimento populacional e do aumento da esperança de vida das pessoas, que assim tendem a precisar de mais cuidados de saúde, até mais tarde.

O CFP olhou para "o cenário de risco do Ageing Report", o relatório anual da Comissão Europeia sobre o panorama demográfico e as suas implicações nas pensões e na saúde, e notou que este "incorpora um crescimento mais dinâmico da despesa em linha com as tendências mais recentes e capta o impacto de fatores não demográficos (inovações tecnológicas, novos tratamentos e equipamentos de diagnóstico) e institucionais (alargamento dos cuidados prestados)".

Assim, "neste contexto, a despesa com saúde e cuidados continuados pode, no ano de 2028, agravar-se cerca de 0,4% do PIB face ao cenário central do exercício", projeta agora o CFP.

Cumprir plano à risca é "fundamental" para um país endividado, avisa CFP

Este Plano entregue por Portugal (e pelos restantes parceiros da União Europeia) deve ter um horizonte temporal de 4 ou 5 anos, consoante a duração regular da legislatura nacional.

O plano de ajustamento das contas a médio prazo "é um elemento central" na forma como se conduz a UE e para a estabilidade das contas públicas, faz ver o CFP.

"A taxa de crescimento comprometida para a despesa líquida é o único indicador operacional neste novo enquadramento".

Este indicador "despesa líquida" procura "captar a evolução da despesa e da receita não explicada pela evolução da economia e, por isso, sob o controle do decisor político", do governos e das restantes autoridades institucionais nacionais.

Assim, esta despesa líquida é a despesa pública expurgada "das despesas com juros, medidas discricionárias em matéria de receitas (e.g. aumentos e reduções discricionárias de impostos), das despesas relativas aos programas da União inteiramente cobertas por receitas provenientes de fundos da União, das despesas nacionais relativas ao cofinanciamento de programas financiados pela União" e também expurgadas de "elementos cíclicos de despesas relativas a prestações de desemprego, e de medidas pontuais e outras medidas temporárias", explica a entidade avaliadora.

No fundo, diz o CFP, esta despesa líquida acaba por traduzir "o compromisso necessário para assegurar a sustentabilidade da dívida pública" e "constitui a única restrição orçamental que enquadra a política orçamental nacional ao longo do horizonte do Plano".

"Em certas condições estes desvios podem desencadear um PDE" mas, segundo o CFP, não será esse o caso de Portugal.

Apesar dos cálculos do Conselho darem um aumento maior da despesa líquida do que diz o governo, Portugal não fura nenhum limite estabelecido no novo Pacto de Estabilidade.

"O POEN-MP português comprometeu-se com uma taxa de crescimento média anual da despesa líquida de 3,6% para os próximos quatro anos", mas o CFP foi fazer as suas contas e concluiu que "em políticas invariantes, a projeção atualizada do CFP aponta para um crescimento da despesa líquida superior".

"Projeta-se uma taxa de crescimento média deste indicador de 4,3%, superior em 0,7 pontos percentuais (p.p.) ao do Plano [do governo]."

"A confirmar-se, tal resultaria num desvio acumulado na conta de controlo de 0,4% do PIB em 2028" e "o desvio seria mais elevado não fosse a acumulação de um crédito em 2024".

No entanto, conclui o CFP, "este desvio não conduziria por si só ao desencadeamento de qualquer Procedimento relativo aos Défices Excessivos (PDE) por ser inferior ao limiar máximo de 0,6% do PIB - Produto Interno Bruto admitido".

"A capacidade de manter saldos orçamentais próximos do equilíbrio ou excedentários aparenta ser fundamental para uma execução do Plano compatível com o novo enquadramento".

Portugal, é ponto assente para o CFP, vai ser capaz de gerar excedentes nos próximos anos, mas "este excedente, no entanto, não é imune a uma evolução desfavorável do ciclo económico".

Além disso, "um saldo acumulado da conta de controlo próximo do limite superior permitido (e sensível à estimativa para 2024)", como emergiu dos cálculos do CFP, "limita a possibilidade de aprovação de medidas adicionais de incremento da despesa sem compensação equivalente (em outra despesa ou na receita)".

"Para países como Portugal, que têm um rácio de dívida muito superior aos 60% do PIB, este comprometimento com uma posição de equilíbrio orçamental é fundamental para evitar o desencadeamento de um mecanismo que pode dar origem a um procedimento relativo aos défices excessivos, com as consequências adversas que este pode induzir em termos de credibilidade creditícia do país", remata o Conselho.

(atualizado às 16h50)

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