Olhar a energia sob um prisma global oferece-nos um bom indicador do estado do mundo. De um lado, o Ocidente com um consumo galopante, mais renováveis e metas de descarbonização até 2030, 2050 e 2100. Do outro, o resto do mundo, onde “700 milhões de pessoas não têm sequer acesso à eletricidade”, fazendo fogo para comer, e “um quarto da população vive em países em guerra”. E em modo de guerra, a energia é a primeira a falhar, até no abastecimento hospitalar, como agora em Gaza. Foi a partir deste retrato que Jorge Moreira da Silva, subsecretário-geral da ONU e ex-ministro do Ambiente, fez um alerta inquietante à audiência, composta por governantes, ex-governantes, embaixadores e gestores, que assistiu esta segunda-feira, 29 de setembro, à conferência dos 25 anos da Adene, na Nova SBE, em Carcavelos.“Estamos na direção certa, mas com a velocidade errada”. Por isso, “não há espaço para triunfalismos, se queremos cumprir a meta de chegar ao fim do século sem ultrapassar os 1,5 graus celsius de aquecimento global, temos que rever as metas nacionais dos países”, disse. O também diretor executivo da UNOPS avisou que essa revisão tem de acontecer com caracter de urgência, nas próximas semanas, no âmbito da COP30, porque “sem as rever, vamos chegar ao fim do século com 2,9 graus a mais”. E, para quem não tenha percebido, explicou: “Deveriamos chegar a 2030 com uma redução de 43% nas emissões e, a este ritmo, só vamos conseguir baixar 3%”. Por isso, “é uma responsabilidade moral com as novas gerações”.Mas também avisou que “de nada vale o Norte ser todo verde, se não ajudar os países em desenvolvimento, pois o planeta é um só”, apelando, por isso, a um reforço da cooperação internacional, em particular com os PALOP, no que foi acompanhado por outros oradores da conferência. Os valores necessários de ajuda ao desenvolvimento nesta área são gigantescos, qualquer coisa como 2,4 triliões de dólares/ano para redes e acessos e 1,7 triliões para energia limpa, indicou.Governo antecipa metas já para 2026A ministra do Ambiente e Energia tem razões de satisfação, com Portugal a ser apontado pelo diretor da Agência Internacional de Energia como um bom exemplo na transição energética (A+), na diversificação das fontes e no sucesso da liberalização do mercado. A propósito, Maria da Graça Carvalho anunciou que “a meta do Plano Nacional de Energia que previa uma quota de produção de 80% de renováveis até 2030 vai poder ser mesmo antecipada já para 2026”. Isto deverá ser possível, explicou, porque, em 2024, 71% de toda a energia produzida já foi de fontes renováveis e em agosto deste ano o consumo foi integralmente abastecimento por energia verde por seis dias consecutivos.Maria da Graça Carvalho frisou que o percurso nacional rumo à transição energética, apontado por muitos oradores como “notável”, se deveu a uma continuidade e firmeza de políticas dos vários governos nas duas últimas décadas. “Se há setor em que houve um pacto de regime é claramente a energia”, disse a governante.A ministra saudou o papel da Adene- Agência para a Energia nesse processo, que como referiu o seu presidente, Nelson Lage, “é um elo entre as metas europeias e as ações no terreno”. E atua em domínios tão diversos como certificação energética, eficiência de edifícios, informação aos consumidores e ao mercado ou combate à pobreza energética, entre outros. Também contribuiu para modernizar e agilizar processos dentro da administração pública, disse Nelson Lage.Num momento em que a segurança energética está na ordem do dia _ primeiro com a invasão da Ucrânia pela Rússia e depois com o apagão de abril último_, a ministra revelou que, após vários pareceres, o Governo tem 31 medidas para aumentar a resiliência da rede que envolvem um investimento de 340 milhões de euros, e que as relativas ao reforço da capacidade de armazenamento envolvem 137 milhões de euros.A governante anunciou ainda a intenção de incentivar a produção descentralizada em comunidades de renováveis. “Iremos lançar em breve o mapa das zonas de aceleração dos equipamentos renováveis”. Destina-se a investidores e inclui o hidrogénio. “No âmbito da estratégia verde, o hidrogénio terá um papel importante e Portugal tem potencial para atrair indústrias”. Reconhecendo que há muito caminho para percorrer no domínio da descarbonização, a ministra lançou o ‘Roteiro da Aviação’, acreditando que “Portugal tem potencial para ser um país produtor e exportador de SAF (Sustainable Aviation Fuel), combustível para aviação menos poluente.Sobre o potencial do país para as energias do futuro falou também o diretor executivo da Agência Internacional de Energia, o turco Fatih Birol. Aconselhou Portugal, que tem das maiores reservas de lítio da Europa, a “não fazer apenas extração mineira, mas a apostar na refinação, uma atividade com muito maior valor acrescentado”.Fatih Birol lembrou ainda que as principais tendências que estão a disparar o consumo estão ligadas à expansão dos data centers (um centro médio consome tanto como 100 casas e 100 carros), o ar condicionado (que vai aumentar com o contínuo aumento das ondas de calor) e os carros elétricos, que passaram de 5% das vendas há quatro anos para 25% das vendas este ano.Do lado da Comissão Europeia, a vice-diretora da Direção-Geral de Energia, Paula Abreu Marques, enunciou planos para baixar o preço do gás para os níveis pré-pandemia e os impostos sobre a eletricidade. No rescaldo do apagão, reafirmou o compromisso com a segurança energética, anunciando que será lançado até ao fim do ano um pacote para as redes, assim como uma iniciativa para as autoestradas de energia para reforçar as interligações entre os estados membros. Mas sobre este ponto, tanto o ex-ministro do Ambiente do PS, João Matos Fernandes, como o ex-secretário de Estado da Energia do PSD, Artur Trindade, avisaram que Portugal neste momento está numa posição vantajosa e que, se tal acontecer, e se tornar exportador, “os preços vão aumentar para o consumidor”. ."Transição energética? Estamos na direção certa, com a velocidade errada", alerta Jorge Moreira da Silva