TdC “não é contra” alterações ao visto prévio se gestão pública não ficar “à solta”

TdC “não é contra” alterações ao visto prévio se gestão pública não ficar “à solta”

Filipa Calvão esclarece que, estando o Governo a ponderar uma mudança na lei de organização do tribunal e nas regras de contratação pública, é necessário “ponderar bem” o que se muda.
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A presidente do Tribunal de Contas (TdC) esclarece que a instituição “não é contra” uma mudança nas regras de fiscalização prévia dos contratos públicos, desde que as alterações não deixem a gestão da despesa pública “à solta”, sem controlo.

Em entrevista à agência Lusa, Filipa Calvão esclarece que, estando o Governo a ponderar uma mudança na lei de organização do tribunal e nas regras de contratação pública, é necessário “ponderar bem” o que se muda.

“Vale a pena deixar ainda submetido a um regime de controlo prévio os contratos de maior valor” e os que se “prolongam no tempo e vinculam as gerações futuras”, como as parcerias público-privadas (PPP), sugere.

“O Governo quer rever o regime legal do tribunal e quer rever o regime de fiscalização prévia. E o tribunal não é contra essa revisão, ao contrário do que possa parecer”, afirma, esclarecendo que o TdC percebe que o regime “tem alguns anos” e que, por estar “retalhado nalguns aspetos”, necessita de ser revisitado.

O regime da fiscalização prévia “já teve tantas exceções, isenções e regimes diferentes” que “já não se percebe qual é [seu] o racional”, admite.

Assim sendo, “mais vale rever o regime”, mas é necessário “ver onde é que faz sentido haver fiscalização prévia e onde é que, na perspetiva do poder político ou legislativo, se justifica” eliminá-la, diz.

Se a opção for diminuir o controlo preventivo e apostar num modelo de fiscalização concomitante e sucessiva, “pode acontecer que haja [em curso] contratos ilegais – que traduzam infrações financeiras”, nota. Nesses casos, quando o TdC for fiscalizar, “chega demasiado tarde para corrigir o prejuízo para o erário público”, avisa.

“Também não podemos eliminar tudo o que possa trazer atraso à atividade pública, sob pena de deixarmos 'à solta' a gestão pública financeira e, depois, termos prejuízos efetivos para o erário público não corrigíveis, irremediáveis”, insiste Filipa Calvão.

Neste último tipo de fiscalização, se um contrato não estiver de acordo com a lei e isso se traduzir em despesa pública ilegal, aplica-se o regime da responsabilização, em que os gestores públicos são chamados a reintegrar um valor nos cofres do Estado.

No entanto, a responsabilização financeira “tem limitações”, diz Filipa Calvão. “Se os contratos tiverem mais do que um milhão ou dois milhões e se o dano no erário público for dessa ordem, não há gestor público que tenha capacidade financeira para reintegrar o Estado”, refere.

Questionada se a adjudicação de obras de grande envergadura, como o TGV ou o novo aeroporto de Lisboa, podem demorar mais se forem fiscalizadas num modelo de controlo concomitante e não de visto prévio, a presidente do tribunal admite que isso “pode acontecer”.

Filipa Calvão entende igualmente que encurtar prazos de decisão do tribunal, por si só, não resolverá o problema.

Neste momento, o TdC tem 30 dias úteis para tomar uma decisão nos vistos prévios e, segundo a presidente, a média está nos 12 dias.

Nos casos de maior complexidade, em que o TdC tem muita documentação para analisar, “o mero encurtamento dos prazos vai tornar, provavelmente, a decisão pouco ponderada ou menos ponderada”, diz.

A responsável pelo TdC adverte ainda para outros dois problemas potenciais de mudar a lógica de fiscalização prévia para concomitante ou sucessiva.

O primeiro passa pelo risco de “paralisação da administração pública”, se os gestores públicos não atuarem “por medo da responsabilização”. Esse é um problema que diz estar estudado noutras partes do mundo. “Na dúvida”, se os gestores não estão seguros sobre a legalidade de um contrato, não atuam, explica.

Outra consequência é a perceção internacional sobre o “mandato do tribunal”, pela influência que tem na avaliação das agências de ‘rating’ e nas avaliações do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), organismo que avalia as políticas de prevenção do branqueamento de capitais.

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