A escalada na guerra comercial entre os Estados Unidos e vários países do globo colocam um risco grave ao comércio mundial e bastante sério para Portugal, na medida em que os EUA são atualmente o quarto maior destino das exportações nacionais.O cliente norte-americano compra 7% das exportações totais portuguesas; mais só os parceiros europeus de sempre: Espanha (26% do total), Alemanha (13%) e França (12%). A questão das tarifas sobre os países europeus, se vierem a concretizar-se, assombra diretamente vendas portuguesas para o mercado gigante, agora governado por Donald Trump, avaliadas em mais de cinco mil milhões de euros, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Ministério da Economia (GEE - Gabinete de Estratégia e Estudos).A este valor, pode somar-se os mais de dois mil milhões de euros em importações "made in USA", mercadorias que Portugal compra e que ficarão mais caras se a União Europeia (UE) decidir retaliar contra as tarifas da administração Trump. A UE já acenou que o fará com a maior força possível.No caso dos exportadores portugueses, a maior vulnerabilidade surge no setor químico, onde lideram os produtos farmacêuticos, com exportações anuais para os EUA num valor superior a 1,2 mil milhões de euros. Neste grupo, é de destacar a exportação de borracha e bens conexos, no valor de 300 milhões de euros.O segundo produto mais valioso é o dos refinados de petróleo, com vendas estimadas em mais de 900 milhões de euros, segundo o INE.No segmento máquinas, aparelhos e seus componentes, os EUA compram mais 500 milhões de euros em produção nacional, com destaque para o subgrupo dos "aparelhos de som e imagem" (quase 180 milhões de euros expedidos para os EUA).Nos setores tradicionais e fortemente intensivos em emprego, a maior ameaça pode estar nas exportações de têxteis e vestuário, cujo valor adquirido pelos EUA ascende a 460 milhões de euros.No caso do calçado, a faturação anual no mercado norte-americano supera os 100 milhões de euros.De relevar ainda o mercado da cortiça, onde Portugal lidera com um total de 215 milhões de euros vendidos aos EUA. E ainda os 130 milhões de euros faturados pela indústria "mobiliário, colchões e candeeiros", mais os 110 milhões de euros do setor da cerâmica e do vidro".Os analistas consideram que a guerra comercial em curso não terá vencedores porque "todos vão perder", sendo que também não é certo que o que se venha a perder na excelente relação com os EUA não se possa ganhar por outras vias em vantagens competitivas caso outras regiões do globo seja arrasadas pela pesada imposição tarifária que Washington quer aplicar.Só para se ter uma noção, as exportações portuguesas para os EUA cresceram quase 7% em 2023 e atualmente estavam a ganhar ainda mais força, registando uma expansão de 9% (janeiro a novembro de 2024, últimos dados disponíveis).No caso de Portugal, uma pequena economia aberta com relações comerciais valiosas e numa fase de grande expansão no caso do mercado norte-americano, uma guerra destas não convém, de todo.O país precisa de continuar a crescer para não complicar outros domínios, como os indicadores das finanças públicas e da dependência externa, e os recordes sucessivos no emprego.1 de abril: dia D para a EuropaAinda que Trump tenha anunciado que vai aplicar tarifas desta vez, "há incerteza" sobre quando e como é que estas se efetivam, diz Inga Fechner, economista do grupo ING, especialista em comércio internacional."A 1 de fevereiro, o Presidente Trump avançou e declarou uma emergência nacional, utilizando os poderes concedidos pela Lei dos Poderes Económicos de Emergência Internacional (IEEPA) para impor tarifas adicionais, o que acontece pela primeira vez desde que a lei entrou em vigor em 1977", refere a analista.Os primeiros visados foram Canadá, México (ambos ameaçados com tarifas extra de 25%) e China (10%). Aos dois primeiros, foi dada uma moratória de um mês. À China, não. No caso da Europa, a questão é mais difusa. Apesar do discurso agressivo de Trump, Washington parece querer ir mais devagar e diz que está a "estudar" o caso, abrindo espaço para alguma diplomacia económica. A 1 de abril próximo, a decisão da administração Trump deve ser conhecida.Segundo o ING, "a União Europeia (ainda) não foi alvo dos anúncios tarifários da administração norte-americana". "No entanto, Trump tem criticado a UE por ter excedentes comerciais com os EUA"."Dada a rapidez com que a administração Trump implementa as promessas eleitorais, é difícil perceber como é que os países da UE podem escapar a esta dança das tarifas", sendo um facto que Trump "já iniciou uma grande investigação sobre as relações comerciais dos EUA com os países europeus". "O relatório desta investigação deve ser divulgado a 1 de abril de 2025, será um momento crucial para a UE", alerta a economista do grupo financeiro holandês.No entanto, "não será preciso esperar até abril para que a UE sinta a dor económica das tarifas dos EUA".O problema coloca-se logo no setor automóvel "dado que muitos fabricantes europeus de automóveis têm unidades de produção para o mercado dos EUA no México, como parte da estratégia de quase-localização e redução de riscos desenvolvida nos últimos quatro anos", donde "as tarifas dos EUA sobre o México também prejudicarão a Europa", diz a analista.Além disso, "pouco se sabe sobre a forma como a UE reagirá às tarifas dos EUA sobre os produtos europeus". Europa parou guerra comprando mais gás e soja aos EUAA equipa do ING recorda que "durante a última administração Trump, a UE reagiu primeiro com retaliações diretas às tarifas dos EUA sobre o alumínio e o aço europeus e, mais tarde, conseguiu evitar uma escalada tarifária ameaçando impor tarifas sobre os jeans Levi’s e as bebidas Jack Daniels".Nessa altura, "a UE prometeu ao governo dos EUA comprar mais gás GNL e soja pelo que "uma estratégia semelhante parece possível desta vez, a UE poderia, por exemplo, comprar mais GNL ou equipamento militar aos EUA".Michael Heydt e Travis Shaw, economistas de topo na agência de ratings Morningstar DBRS, confessam que "temos pouca clareza sobre a política comercial dos EUA para o próximo mês, quanto mais para os próximos quatro anos"."No entanto, a postura protecionista da maior economia do mundo pode ter profundas implicações globais e a questão imediata é saber quais os países que podem ser os próximos alvos".No caso dos países europeus "o Presidente Trump ameaçou impor tarifas, embora o momento, a magnitude e a amplitude de tais medidas sejam incertos".Mais certo é que "o comércio entre os EUA e a China já caiu desde a altura das tarifas impostas no primeiro mandato do Presidente Trump, mas se a China retaliar com tarifas mais amplas ou se as tarifas dos EUA forem estendidas à Europa, isso representa um risco adicional de queda nas perspetivas económicas globais", consideram os analistas da DBRS.“Estamos apreensivos, [mas] não tencionamos deixar cair o mercado”, afirmou ontem o diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) em declarações à Lusa."Medidas protecionistas penalizam o comércio internacional e limitam a evolução das sociedades”, com o responsável da APICCAPS a sublinhar que "90% da produção vai para 170 países", mas, seja como for, "os EUA são um mercado estratégico que se destaca como o maior importador mundial de calçado"..Correios dos EUA deixam temporariamente de aceitar encomendas oriundas da China.China retalia com prudência e abre porta a negociações com os EUA.Tarifas comerciais. Trump admite que norte-americanos podem passar por alguma dor, mas garante que "valerá a pena".Fentanilo, o opioide fatal para milhares nos EUA que está no centro da guerra comercial