Tarifas, o dia seguinte. “É o maior ataque desde a Segunda Guerra”, "o pior pesadelo da Europa”
EPA / KENT NISHIMURA

Tarifas, o dia seguinte. “É o maior ataque desde a Segunda Guerra”, "o pior pesadelo da Europa”

“Isto trava o crescimento, aumenta os preços e os custos das empresas”. E é “bem provável que muitas empresas hesitem em fazer grandes investimentos”, resume uma grande agência de ratings.
Publicado a
Atualizado a

Não é bonito de se ver o dia seguinte ao anúncio do que vai ser o novo quadro de "tarifas comerciais recíprocas", revelado por Donald Trump, na quarta-feira. E pelo que se vai vendo e ouvindo, os próximos tempos também não devem ser propriamente agradáveis. É a "guerra comercial" a ganhar forma.

Vários analistas consultados consideram que o evento do Presidente dos Estados Unidos, no Jardim das Rosas, é o maior ataque à economia do livre comércio alguma vez feito desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945); é o maior pesadelo económico da Europa, assim como de outros países (que o digam Canadá, México e muitas e enormes indústrias campeãs americanas, que dependem de importações para produzir).

E é uma dor de cabeça que estava a passar e agora parece voltar porque estas tarifas devem produzir inflação, colocando novamente as famílias e empresas europeias sob ameaça dos juros - isto é, pode ter interrompido abruptamente, mais cedo do que o esperado, o tão desejado ciclo de descida do Banco Central Europeu (BCE).

Na quarta, a partir das 21h em Portugal, Trump largou a bomba que muitos já esperavam. Tarifas "recíprocas", que vão desde um mínimo de 10% sobre as importações do Reino Unido, por exemplo (um dos setes países menos fustigados no rol de 25 alvos elegidos pela fúria protecionista).

"As novas e amplas tarifas sobre os parceiros comerciais mais globais dos EUA representa, a nosso ver, uma escalada significativa na abordagem de confronto desta administração dos EUA", lamenta Michael Heydt, um dos economistas principais da agência ue avalia as dívidas soberanas (ranis), Morningstar DBRS.

"Na nossa opinião, este plano tarifário, a ser implementado, trava o crescimento económico a curto prazo, aumenta os preços no consumidor e os custos dos fatores de produção das empresas e diminui a riqueza das famílias".

Além disso, é "bem provável que muitas empresas hesitem em fazer grandes investimentos a curto prazo, já que este anúncio das tarifas aduaneiras não vem atenuar a incerteza política".

"O pior pesadelo económico da Europa acaba de se tornar realidade", afirma a equipa de estudos económicos liderada por Carsten Brzeski, do grupo financeiro holandês ING.

O que vai na cabeça de Trump: os cálculos

Grosso modo, o plano dos EUA anunciado nessa tarde ventosa de Washington com pompa e tom de malícia é impor uma tarifa transversal (universal) de 10% sobre todas as importações dos EUA e em cima disso um imposto “recíproco” que varia consoante o país em causa e, para espanto de muitos economistas, a variável é o tamanho do défice comercial do EUA com o seu parceiro comercial. Quanto maior o défice, mais o país estrangeiros será penalizado.

"As tarifas recíprocas são calculadas como a taxa pautal necessária para equilibrar os défices comerciais bilaterais entre os EUA e cada um dos nossos parceiros comerciais", confirmou o Representante dos EUA para o Comércio (a entidade executiva sob a alçada de Trump que é autora da proposta divulgada).

Segundo o gabinete de Trump, "este cálculo parte do princípio de que os défices comerciais persistentes se devem a uma combinação de fatores pautais e não pautais que impedem o equilíbrio do comércio".

Para Paul Krugman, o conhecido economista, alguém muito ligado ao Partido Democrata, esta ideia "está tão errada", disse na rede Substack.

"Trump estabeleceu tarifas mínimas de 10% [sobre todos os territórios], o que significa, entre outras coisas, impor tarifas sobre ilhas desabitadas".

Pior. Para Krugman, "o cálculo de Trump apenas considera o comércio de bens, ignorando os serviços". "É uma grande omissão. A União Europeia tem um excedente substancial connosco se considerarmos apenas as mercadorias, mas este é largamente compensado por um défice da UE no comércio de serviços", atira o Nobel da Economia.

Teorias à parte, o esquema de Trump vai resultar assim: "entre os maiores parceiros comerciais dos EUA, serão impostas tarifas de 20% sobre as importações da União Europeia, 24% sobre os produtos do Japão e mais 34% sobre os da China", acrescenta o alto responsável da agência de ratings.

Para o economista, "as taxas anunciadas resultam principalmente dos desequilíbrios comerciais bilaterais, que normalmente aumentaram durante os períodos em que os EUA cresceram mais rapidamente do que os seus principais parceiros".

Ou seja, "prevemos que a redução dos défices comerciais bilaterais com recurso a este novo mecanismo tenha um custo económico significativo para os consumidores dos EUA".

Metais

"As novas tarifas não se aplicarão aos produtos que já estão sujeitos a tarifas, como o aço e o alumínio, bem como os automóveis e as peças para automóveis", explica Michael Heydt, mas estes produtos têm já garantido um pesado imposto de 25%.

Desde 12 de março passado, os produtos de aço e alumínio que entram nos EUA, seja qual for o país de origem, começaram a pagar uma tarifa de 25%.

Carros

As tarifas de 25% sobre veículos importados, mesmo que sejam de grupo ou marcas dos EUA, entraram em vigor esta quinta-feira. É um rude golpe sobretudo para a Alemanha (BMW, Mercedes, por exemplo), para o Japão (Honda, Toyota), para a Coreia do Sul (Hyundai), mas também, ou sobretudo, para México e Canadá, onde existem fábricas enormes que fornecem o mercado norte-americano. Estão em causa centenas de milhares de empregos diretos.

Portugal não é um grande exportador direto para os EUA, mas está na chamada cadeia de valor pois tem um cluster fortíssimo (Autoeuropa, Stellantis, Toyota, Mitsubishi, Caetano Bus, etc.). Fornece grandes fornecedores do mercado americano. É um problema.

E a partir de 3 de maio, a tarifa de 25% sobre peças e acessórios (tudo, desde pneus, jantes, espelhos, plásticos, travões, peças do motor, da embraiagem) será ativada, o que aumentará de forma repentina o custo dos carros montados nos próprios EUA. Portugal pode sofrer consequências também, teme o setor.

Telemóveis, chips e sapatilhas

China e Taiwan foram tratados duramente por Trump, apesar da simpatia que ele diz nutrir pelo todo-poderoso presidente chinês Xi Jiping.

Tudo combinado, a China vai enfrentar uma carga tarifária que chegará a 54% (20% já em vigor mais os 34% da nova tarifa recíproca). Quem mais terá tremido com o anúncio foi a gigante Apple, que em tudo depende das fábricas chinesas.

Taiwan, a ilha ainda independente que a China tem assediado e quer anexar, é onde são feitos os valiosos chips e semicondutores de última geração onde corre a desejada inteligência artificial.

Além de fornecer a Apple, a gigantesca FoxConn (de Taiwan) é o suporte do sucesso da Nvidia (ironicamente um fornecedor da Tesla de Elon Musk).

Trump falou disso: disse que antigamente os EUA tinham 100% do mercado de chips, mas hoje quem controla quase tudo é Taiwan. “Isso vai acabar”, ameaçou o Presidente dos EUA. A tarifa anunciada é brutal, pode superar os 32%.

As grandes marcas desportivas, como a Nike, também podem estar em apuros pois produzem intensivamente na China há décadas, permitindo inundar o mercado global com produtos a preços acessíveis.

Europa diz que se está a preparar

A UE já respondeu o agravamento sobre os metais com contra-tarifas sobre 28 mil milhões de dólares em produtos americanos. Umas entram em vigor agora no início de abril, outras até meados deste mês, como o imposto de 50% sobre o bourbon americano, o que levou Trump a ameaçar com uma tarifa de 200% sobre os vinhos europeus e outras bebidas alcoólicas.

Ontem, a Comissão Europeia (CE) parecia ter parado para refletir sobre a suposta enormidade da véspera. Ursula von der Leyen estava longe, em Samarcanda, no Uzbequistão, e repetiu que "estamos a finalizar o primeiro pacote de contramedidas em resposta às tarifas do aço e estamos agora a preparar outras medidas para proteger os nossos interesses e negócios, se as negociações falharem".

A nova tarifa universal (10%) entra em vigor a 5 de abril e as tarifas recíprocas aplicam-se a partir de 9 de abril, inclusive.

Se a Alemanha espirra

Quem está a ver o caso malparado, são os alemães. A maior economia da Europa e um dos maiores parceiros económicos de Portugal é uma das principais visadas pelo ataque de Trump, sobretudo pela via automobilística e da indústria pesada.

“As tarifas anunciadas pelo Presidente dos Estados Unidos prejudicam gravemente a economia alemã”, afirma Clemens Fuest, presidente e economista principal do Instituto de Investigação Económica (Ifo, sediado em Munique).

“De acordo com os nossos primeiros cálculos, as novas tarifas reduzem o PIB [Produto Interno Bruto] este ano em 0,3%. Indústrias-chave, como indústria automóvel e a engenharia mecânica, são particularmente afetadas” o que no entender de Fuest é gravíssimo pois “a economia já está estagnada, pelo que é possível que as tarifas dos EUA empurrem o crescimento económico alemão para território negativo”.

“Se os EUA mantiverem as tarifas anunciadas, estaremos perante o maior ataque ao comércio livre desde a Segunda Guerra Mundial”, lamenta Fuest.

“A Alemanha pode exportar menos para os EUA, pode exportar menos para a China devido à menor competitividade deste país e países como a China terão de se virar mais para outros mercados de exportação, colocando assim as empresas alemãs sob pressão adicional”, vaticina o responsável.

Governo português e patrões preparam resposta com urgência

Entretanto, esta quinta-feira à tarde, o governo português e 16 associações empresariais nacionais decidiram começar a estudar formas de "resposta" e "proteção" face à escalada brutal da guerra comercial idealizada por Donald Trump.

De acordo com um comunicado do Ministério da Economia, o ainda ministro da tutela, Pedro Reis, mais o seu secretário de Estado, João Rui Ferreira, "iniciam na próxima semana uma ronda de reuniões com 16 associações empresariais para avaliar o impacto e as medidas de mitigação das tarifas anunciadas pela administração dos Estados Unidos nas empresas portuguesas e na economia nacional".

Estes encontros com os patrões portugueses "visam abrir um canal de diálogo com os setores que serão mais afetados pelo modelo das tarifas recíprocas", diz a mesma fonte oficial da Economia.

"Pretende-se auscultar as associações representativas das empresas destas atividades económicas sobre a avaliação que fazem do impacto da imposição das novas taxas aduaneiras sobre produtos europeus e também as propostas que têm para o mitigar e minimizar esse impacto nas exportações nacionais".

Segundo o Ministério da Economia, nesta primeira fase, foram convocadas as seguintes associações empresariais, num total de 16:

AFIA - Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel

EPCOL - Empresas Portuguesas de Combustíveis

APIB - Associação Portuguesa dos Industriais da Borracha

ANIMEE - Associação Portuguesa de Empresas do Setor Eléctrico e Electrónico

AIP - Associação Industrial Portuguesa

CIP - Confederação Industrial de Portugal

AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal

AIMMP - Associação das Indústrias da Madeira e Mobiliário de Portugal

APCOR - Associação Portuguesa da Cortiça

APPICAPS - Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de pele e seus Sucedâneos

APIC - Associação Portuguesa da Indústria de Curtumes

ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal

ANIVEC - Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção

ANITLAR - Associação Nacional das Indústrias de Têxtil Lar

ANIL - Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios

AEP - Associação Empresarial de Portugal

Fonte: Casa Branca, Presidência dos EUA
Tarifas, o dia seguinte. “É o maior ataque desde a Segunda Guerra”, "o pior pesadelo da Europa”
Nissan reforça produção nos EUA e suspende venda de modelos feitos no México
Tarifas, o dia seguinte. “É o maior ataque desde a Segunda Guerra”, "o pior pesadelo da Europa”
Trump anuncia "em breve" tarifas sobre chips semicondutores e produtos farmacêuticos
Tarifas, o dia seguinte. “É o maior ataque desde a Segunda Guerra”, "o pior pesadelo da Europa”
Administração dos EUA impõe tarifas até a ilha que alberga ursos

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt