Álvaro Isidoro/Global Imagens
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Sindicalização de motoristas de TVDE é “manobra mediática da Uber”

Pela primeira vez um sindicato entra nos TVDE para regular mínimos no setor mais desregulado. Mas motoristas denunciam ‘manobra mediática’. Em causa estão 38 mil motoristas e 35 mil veículos.
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Pela primeira vez na sua história, o setor dos TVDE e das entregas rápidas está a deixar os sindicatos entrarem para começar a regular mínimos daquele que é considerado um dos mercados mais desregulados em Portugal. Depois de anos de queixas dos 38 mil trabalhadores deste setor _muitas em tribunal_por falta de proteção, a Uber e o SINDEL (sindicato afeto à UGT) assinaram esta semana um acordo que prevê a adesão sindical voluntária dos motoristas e a garantia, pela empresa, de um rendimento mínimo/hora alinhado com o previsto no salário mínimo nacional, bem como apoio jurídico.

A iniciativa foi louvada pelo secretário-geral da UGT, Mário Mourão, que considerou este compromisso como “prova que o diálogo social funciona e que é possível encontrar soluções equilibradas entre inovação e proteção laboral.” E está a ser equacionada a sua extensão a outras empresas do setor, como a Bolt ou a Glovo.

Mas está longe de ser pacífica entre os motoristas, muito pelo contrário. A ideia passada para as redes mediáticas de que em causa estava a garantia de uma espécie de salário mínimo foi, entretanto, prontamente desmentida pela Associação Nacional Movimento TVDE (ANM-TVDE), que diz não ter sido sequer ouvida no processo.

Numa nota enviada à comunicação social, aquela ssociação lamentou que o SINDEL, sindicato que “deveria servir e proteger os trabalhadores das plataformas digitais”, tenha escolhido agir “como intermediário comercial” da Uber Portugal.

“Em vez de estar ao lado dos motoristas e estafetas, o SINDEL parece ter-se colocado ao lado da plataforma, assinando um acordo que não garante direitos, nem segurança, nem estabilidade”, acusou Vitor Soares. O movimento “repudia qualquer tentativa de transformar a representação sindical num negócio, exigindo que os sindicatos cumpram o seu verdadeiro papel: defender quem trabalha, e não quem explora”. E lembrou que o Sindel “não tem ligação direta à atividade das plataformas digitais, nem representa os motoristas e estafetas TVDE de forma legítima”.

Por outro lado, aquela associação considera “uma manipulação da realidade laboral dos motoristas e estafetas”, a informação que circulou nas redes sociais e em alguns meios de comunicação social de que haveria um salário mínimo. “É uma manobra mediática da Uber Portugal e Uber Eats”, destinada a “desviar a atenção da crescente precariedade laboral nas plataformas, apresentando uma suposta solução que não responde às necessidades reais dos trabalhadores”.

O memorando prevê que a Uber garantirá que nenhum estafeta ou motorista que opte por ser representado pelo SINDEL “irá receber um rendimento nunca inferior ao salário mínimo nacional durante os períodos em que estiverem a prestar serviços através das suas plataformas, independentemente dos preços praticados junto dos consumidores”. Esta formulação terá sido a que se prestou a equívocos, pois em causa está o valor/hora e não um valor mensal. O acordo oferece ainda aos motoristas e estafetas que adiram “um seguro que inclui proteções em caso de acidente, incapacidade, seja temporária ou permanente, doença, parentalidade e morte”. Mas Vitor Soares diz que, também já são cobertos por um seguro obrigatório.

Uma das razões da deceção dos motoristas tem a ver com o fato de pretenderem equiparar a sua atividade a trabalho subordinado, algo que não está previsto na legislação que regula esta atividade _que pode ser eventual e sem horário pré-definido_, e que não faz parte do acordo agora assinado. Com efeito, o memorando explicita que “as disposições constantes do presente acordo que tenham como efeito a melhoria das condições dos prestadores de atividade não deverão, no entender das partes, ser utilizadas como indícios da existência de uma relação de trabalho”.

Números da polémica

A atividade de TVDE nunca deixou de estar envolta em polémica. Primeiro pela reação dos táxis convencionais, que se queixaram de concorrência desleal aquando da sua introdução no mercado, depois pela elevada proporção de trabalhadores migrantes e suspeitas de obtenção de licenças de condução de forma fraudulenta e também pela falta de proteção legal de muitos destes trabalhadores .

De acordo com os dados mais recentes do Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), existem cerca de 38 mil motoristas TVDE registados em Portugal, sendo que quase 30% chumbam no exame de condução. Do total, 53% são de nacionalidade portuguesa, sendo que a segunda maior representação vem do Brasil (21%) e depois a Índia(10%). Neste setor trabalham profissionais de mais de 90 nacionalidades.

Só na cidade de Lisboa estavam registadas 3873 empresas, quase quatro vezes mais do que no Porto (1078), enquanto Setúbal tinha mais de 800, Faro 512 e Braga 127. Apesar do número de veículos certificados ser de 70 mil, em março último estavam apenas ativos 34.447 veículos no território nacional.

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