Sem crescimento da economia, subida do salário médio pode ficar no papel
Entre concessões e cedências, e depois de algumas incertezas, foi ontem assinado um novo acordo tripartido de valorização salarial e crescimento económico para 2025-2028 entre o governo e os parceiros sociais, com a única exceção da CGTP. As confederações patronais decidiram firmar um compromisso com o Executivo mesmo não estando vertidas no acordo medidas concretas de redução fiscal para as empresas nem apoios ao investimento e crescimento, tão exigidas nos últimos dias. Os patrões quiseram dar sinais de boa-fé, evitar crises políticas e construir compromissos para o futuro, num momento em que o Orçamento do Estado está ainda em negociações.
E o governo avançou com a medida mais emblemática do acordo, o aumento do salário mínimo nacional para 870 euros a partir de 1 de janeiro de 2025, mais 15 do que estava previsto no último acordo de rendimentos e mais 50 face aos atuais 820 euros. No documento está também inscrito um referencial de 4,7% para o aumento global dos salários (o mesmo valor do acordo assinado com o último governo) no próximo ano. Mas este aumento corre o risco de ficar só no papel caso a economia portuguesa não acompanhe esta ambição.
“Parece-nos que se a economia não crescer, esse aumento dificilmente será cumprido”, disse o presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, Armindo Monteiro. Tem de existir “um equilíbrio entre valorização salarial e medidas para o crescimento económico”, sublinha. E também questiona a distribuição de prémios de produtividade no próximo ano. “Não vai acontecer” quando a empresa tem de aumentar os seus trabalhadores em 4,7% e a inflação está nos 2%, diz. No acordo está previsto que estes prémios possam ficar isentos de IRS e Taxa Social Única, mas na condição de a entidade patronal incrementar os salários dos trabalhadores.
Já o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, lembra que o referencial de 4,7% já estava inscrito no acordo anterior e que entretanto a inflação desceu. “É uma intenção. A CCP representa setores muito distintos, haverá alguns onde será possível esse aumento e outros onde será mais difícil.” Por sua vez, Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal, voltou a frisar que há atividades que terão problemas em assumir, inclusive, o aumento do SMN, como a restauração e empresas do interior. Apesar de a CTP ter assinado o acordo, alerta que com uma “inflação de 2% a 3% estar a pôr um aumento de salário mínimo com um aumento de 6,1% pode ser um risco”.
Nos últimos dias, a CIP deu sinais de que poderia não assinar este acordo, como fez no anterior, devido, nomeadamente, à exigência de redução do IRC. A confederação acabou por aceitar as cláusulas do documento, mesmo com a exclusão de metas para uma descida da taxa do IRC. Na anterior versão do documento estava prevista uma redução de 21% para 19% já no próximo ano, sendo que agora apenas é assumida a intenção de uma redução progressiva até 2028. Nesta matéria, a CIP deu “um voto de confiança” ao governo, que reafirmou ontem o compromisso de descer os impostos às empresas.
Em simultâneo, a CIP quis também dar um sinal de “boa-fé” para que o Executivo de Luís Montenegro chegue a acordo com os partidos da oposição nas negociações para o Orçamento do Estado. “O momento é de evitar uma crise política. Nós não queremos estar preocupados com eleições, com coreografias políticas e não temos de estar a contribuir para isso”, sublinha.
O acordo acabou por receber a aprovação da CIP, por expressar o objetivo de a economia nacional atingir um nível de produtividade não inferior a 75% da média da europeia até 2028 e por estabelecer a criação de uma estrutura de missão para aprofundar o programa Acelerar a Economia, lançado pelo governo em julho passado, justifica Armindo Monteiro. O responsável está confiante de que será possível “criar um programa que possa aproximar-se dos relatórios Draghi e Letta”. Como frisa, “temos um conjunto de propostas para aumentar a produtividade” do trabalho. Neste aspeto, defende o estabelecimento de “uma verdadeira política que promova o investimento” nos fatores de produção.
Vieira Lopes considera que o acordo foi assinado num ambiente de “grande incerteza” devido às negociações do Orçamento do Estado e, por isso, também à possibilidade de eleições antecipadas, mas “criou um compromisso para o futuro, abriu um capítulo no IRC e dá autoridade para exigir o cumprimento” das medidas inscritas.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defende também que o acordo “tem insuficiências, designadamente em matéria fiscal”. A confederação dirigida por Álvaro Mendonça e Moura gostaria de ter visto vertidas “medidas concretas de redução da carga fiscal” para as empresas e “o respetivo cronograma de aplicação”. Ainda assim foi possível “obter compromissos importantes”, como a devolução à competência do Ministério da Agricultura da tutela das antigas direções regionais, apoios fiscais aos sapadores florestais no acesso ao gasóleo verde e na aquisição dos seus equipamentos de trabalho e proteção e a isenção de taxa liberatória nas primeiras 100 horas de trabalho suplementar aos trabalhadores imigrantes. A CAP também considera que “o momento atual recomenda a construção de soluções”. Com José Varela Rodrigues
As medidas
Salário mínimo
A trajetória do salário mínimo nacional (SMN) é revista em alta, prevendo aumentos de 50 euros anuais. Em 2025 o SMN sobe para 870 euros brutos, um aumento de 6,1% face aos atuais 820 euros. Deverá subir para 920 euros em 2026, para 970 em 2027 e para 1020 em 2028.
Salário Médio
No que toca ao referencial para o aumento global dos salários, mantêm-se os valores previstos no acordo assinado pelo anterior governo (4,7% em 2025 e 4,6% em 2026). Já para 2027 e para 2028, uma vez que a ideia é que o novo acordo contemple toda a legislatura (o atual só vai até 2026), é de 4,5% em cada ano.
IRS Jovem
Fica prevista a “redução das taxas do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) aplicadas aos jovens com idade até aos 35 anos”.
IRC
O acordo prevê uma “redução progressiva” até 2028, mas não define os valores. Não obstante, as empresas que efetuem “um aumento mínimo de 4,7% da remuneração base anual dos trabalhadores que aufiram um valor inferior ou igual à remuneração base média anual existente na empresa no final do ano anterior” vão beneficiar de uma majoração de 50% dos encargos correspondentes ao aumento salarial em sede de IRC. O mesmo benefício vale para as empresas que assegurarem, “no mínimo, um aumento global de 4,7% da remuneração base média anual existente na organização, por referência ao final do ano anterior” e “abrangidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho celebrado ou atualizado há menos de três anos”.
Produtividade
O acordo prevê que os prémios de produtividade, desempenho e participação nos lucros ou gratificações de balanço, pagos de forma voluntária e sem caráter regular, fiquem isentos de IRS e TSU até ao montante igual ou inferior a 6% da remuneração base anual do trabalhador, mas mediante as mesmas condições que as aplicadas à majoração em sede de IRC referidas.
Horas extra
O acordo prevê uma “redução em 50% da taxa de retenção autónoma de IRS sobre o trabalho suplementar”.
Subsídio de alimentação
O subsídio de refeição “é considerado rendimento do trabalho dependente na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 70%, sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição”.
Tributação autónoma
Está prevista a redução anual da tributação autónoma aplicada em sede de IRC e IRS, atingindo uma redução de 20% em 2028. As taxas de tributação autónoma aplicadas a viaturas vão recuar em meio ponto percentual em 2025 e o valor sobre o qual incidem vai aumentar em 10 mil euros.
Despesas com saúde
As despesas suportadas pelo empregador relativas a seguros de saúde dos seus trabalhadores e agregado familiar serão majoradas em 20% em sede de IRC.
Programa acelerar a economia
O Executivo compromete-se a criar, “no prazo de 45 dias, uma estrutura de missão para aprofundar, valorizar e reforçar o programa do governo Acelerar a Economia, à luz das novas diretrizes do relatório Draghi para aumento da competitividade, produtividade e investimento na Europa.