Sem crescimento da economia, subida do salário médio pode ficar no papel
Paulo Spranger.

Sem crescimento da economia, subida do salário médio pode ficar no papel

Acordo foi assinado por todos os parceiros sociais, à exceção da CGTP, apesar de não responder a questões consideradas essenciais, como a descida do IRC.
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Entre concessões e cedências, e depois de algumas incertezas, foi ontem assinado um novo acordo tripartido de valorização salarial e crescimento económico para 2025-2028 entre o governo e os parceiros sociais, com a única exceção da CGTP. As confederações patronais decidiram firmar um compromisso com o Executivo mesmo não estando vertidas no acordo medidas concretas de redução fiscal para as empresas nem apoios ao investimento e crescimento, tão exigidas nos últimos dias. Os patrões quiseram dar sinais de boa-fé, evitar crises políticas e construir compromissos para o futuro, num momento em que o Orçamento do Estado está ainda em negociações. 

E o governo avançou com a medida mais emblemática do acordo, o aumento do salário mínimo nacional para 870 euros a partir de 1 de janeiro de 2025, mais 15 do que estava previsto no último acordo de rendimentos e mais 50 face aos atuais 820 euros. No documento está também inscrito um referencial de 4,7% para o aumento global dos salários (o mesmo valor do acordo assinado com o último governo) no próximo ano. Mas este aumento corre o risco de ficar só no papel caso a economia portuguesa não acompanhe esta ambição.

“Parece-nos que se a economia não crescer, esse aumento dificilmente será cumprido”, disse o presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, Armindo Monteiro. Tem de existir “um equilíbrio entre valorização salarial e medidas para o crescimento económico”, sublinha. E também questiona a distribuição de prémios de produtividade no próximo ano. “Não vai acontecer” quando a empresa tem de aumentar os seus trabalhadores em 4,7% e a inflação está nos 2%, diz. No acordo está previsto que estes prémios possam ficar isentos de IRS e Taxa Social Única, mas na condição de a entidade patronal incrementar os salários dos trabalhadores.

Já o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, lembra que o referencial de 4,7% já estava inscrito no acordo anterior e que entretanto a inflação desceu. “É uma intenção. A CCP representa setores muito distintos, haverá alguns onde será possível esse aumento e outros onde será mais difícil.” Por sua vez, Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal, voltou a frisar que há atividades que terão problemas em assumir, inclusive, o aumento do SMN, como a restauração e empresas do interior. Apesar de a CTP ter assinado o acordo, alerta que com uma “inflação de 2% a 3% estar a pôr um aumento de salário mínimo com um aumento de 6,1% pode ser um risco”.

Nos últimos dias, a CIP deu sinais de que poderia não assinar este acordo, como fez no anterior, devido, nomeadamente, à exigência de redução do IRC. A confederação acabou por aceitar as cláusulas do documento, mesmo com a exclusão de metas para uma descida da taxa do IRC. Na anterior versão do documento estava prevista uma redução de 21% para 19% já no próximo ano, sendo que agora apenas é assumida a intenção de uma redução progressiva até 2028. Nesta matéria, a CIP deu “um voto de confiança” ao governo, que reafirmou ontem o compromisso de descer os impostos às empresas.

Em simultâneo, a CIP quis também dar um sinal de “boa-fé” para que o Executivo de Luís Montenegro chegue a acordo com os partidos da oposição nas negociações para o Orçamento do Estado. “O momento é de evitar uma crise política. Nós não queremos estar preocupados com eleições, com coreografias políticas e não temos de estar a contribuir para isso”, sublinha.

O acordo acabou por receber a aprovação da CIP, por expressar o objetivo de a economia nacional atingir um nível de produtividade não inferior a 75% da média da europeia até 2028 e por estabelecer a criação de uma estrutura de missão para aprofundar o programa Acelerar a Economia, lançado pelo governo em julho passado, justifica Armindo Monteiro. O responsável está confiante de que será possível “criar um programa que possa aproximar-se dos relatórios Draghi e Letta”. Como frisa, “temos um conjunto de propostas para aumentar a produtividade” do trabalho. Neste aspeto, defende o estabelecimento de “uma verdadeira política que promova o investimento” nos fatores de produção.

Vieira Lopes considera que o acordo foi assinado num ambiente de “grande incerteza” devido às negociações do Orçamento do Estado e, por isso, também à possibilidade de eleições antecipadas, mas “criou um compromisso para o futuro, abriu um capítulo no IRC e dá autoridade para exigir o cumprimento” das medidas inscritas.

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defende também que o acordo “tem insuficiências, designadamente em matéria fiscal”. A confederação dirigida por Álvaro Mendonça e Moura gostaria de ter visto vertidas “medidas concretas de redução da carga fiscal” para as empresas e “o respetivo cronograma de aplicação”. Ainda assim foi possível “obter compromissos importantes”, como a devolução à competência do Ministério da Agricultura da tutela das antigas direções regionais, apoios fiscais aos sapadores florestais no acesso ao gasóleo verde e na aquisição dos seus equipamentos de trabalho e proteção e a isenção de taxa liberatória nas primeiras 100 horas de trabalho suplementar aos trabalhadores imigrantes. A CAP também considera que “o momento atual recomenda a construção de soluções”. Com José Varela Rodrigues

As medidas

Salário mínimo
A trajetória do salário mínimo nacional (SMN) é revista em alta, prevendo aumentos de 50 euros anuais. Em 2025 o SMN sobe para 870 euros brutos, um aumento de 6,1% face aos atuais 820 euros. Deverá subir para 920 euros em 2026, para 970 em 2027 e para 1020 em 2028. 

Salário Médio
No que toca ao referencial para o aumento global dos salários, mantêm-se os valores previstos no acordo assinado pelo anterior governo (4,7% em 2025 e 4,6% em 2026). Já para 2027 e para 2028, uma vez que a ideia é que o novo acordo contemple toda a legislatura (o atual só vai até 2026), é de 4,5% em cada ano.

IRS Jovem
Fica prevista a “redução das taxas do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) aplicadas aos jovens com idade até aos 35 anos”.

IRC
O acordo prevê uma “redução progressiva” até 2028, mas não define os valores. Não obstante, as empresas que efetuem “um aumento mínimo de 4,7% da remuneração base anual dos trabalhadores que aufiram um valor inferior ou igual à remuneração base média anual existente na empresa no final do ano anterior” vão beneficiar de uma majoração de 50% dos encargos correspondentes ao aumento salarial em sede de IRC. O mesmo benefício vale para as empresas que assegurarem, “no mínimo, um aumento global de 4,7% da remuneração base média anual existente na organização, por referência ao final do ano anterior” e “abrangidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho celebrado ou atualizado há menos de três anos”.

Produtividade
O acordo prevê que os prémios de produtividade, desempenho e participação nos lucros ou gratificações de balanço, pagos de forma voluntária e sem caráter regular, fiquem isentos de IRS e TSU até ao montante igual ou inferior a 6% da remuneração base anual do trabalhador, mas mediante as mesmas condições que as aplicadas à majoração em sede de IRC referidas.

Horas extra
O acordo prevê uma “redução em 50% da taxa de retenção autónoma de IRS sobre o trabalho suplementar”.

Subsídio de alimentação
O subsídio de refeição “é considerado rendimento do trabalho dependente na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 70%, sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição”.

Tributação autónoma
Está prevista a redução anual da tributação autónoma aplicada em sede de IRC e IRS, atingindo uma redução de 20% em 2028.  As taxas de tributação autónoma aplicadas a viaturas vão recuar em meio ponto percentual em 2025 e o valor sobre o qual incidem vai aumentar em 10 mil euros.

Despesas com saúde
As despesas suportadas pelo empregador relativas a seguros de saúde dos seus trabalhadores e agregado familiar serão majoradas em 20% em sede de IRC.

Programa acelerar a economia
O Executivo compromete-se a criar, “no prazo de 45 dias, uma estrutura de missão para aprofundar, valorizar e reforçar o programa do governo Acelerar a Economia, à luz das novas diretrizes do relatório Draghi para aumento da competitividade, produtividade e investimento na Europa.

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