A receita fiscal total ficou 1,7 mil milhões de euros acima do previsto no Orçamento do Estado para 2024 (o OE 2024 feito em outubro de 2023 pelo anterior governo do PS) e cerca de 700 milhões de euros acima da estimativa avançada em outubro passado pelo atual ministro das Finanças do PSD, Joaquim Miranda Sarmento.Este agravamento da receita de impostos (além do orçamentado, mas também em termos anuais) acontece, apesar do esforço efetivo de redução na carga do IRS sobre os rendimentos do trabalho que, de acordo com cálculos do Conselho das Finanças Públicas (CFP), levou a uma redução efetiva na cobrança de quase 5%, menos 848 milhões de euros no ano passado face a 2023.Resultado: a carga fiscal medida em proporção da dimensão anual da economia (PIB ou Produto Interno Bruto) voltou a agravar-se.De acordo com o novo estudo do CFP, divulgado esta terça-feira, "após o decréscimo observado no ano anterior, a carga fiscal retomou uma trajetória ascendente no ano de 2024"."A carga fiscal das Administrações Públicas, medida pela receita proveniente de impostos e contribuições sociais efetivas, aumentou 0,1 pontos percentuais (p.p.) em 2024, fixando-se em 35,6% do PIB", diz a entidade que fiscaliza as regras orçamentais."Este acréscimo resultou do aumento do peso dos impostos indiretos e das contribuições sociais efetivas, que mais do que compensaram a redução verificada nos impostos diretos."Tal como o executivo que o antecedeu, o governo PSD-CDS diz que a expansão robusta da receita fiscal e da respetiva carga sobre a economia deve-se, sobretudo, aos "bons" resultados na atividade económica e no emprego, que "continua a bater recordes", relembrou novamente o ministro Miranda Sarmento no debate sobre o programa do governo que decorreu no Parlamento esta terça.O CFP indica que "em linha com esta evolução, os indicadores que medem o peso da tributação sobre as respetivas bases de incidência também aumentaram: as contribuições sociais efetivas corresponderam a 22,1% das remunerações, o IRC subiu para 18,6% do excedente bruto de exploração empresarial e o IVA e IEC aumentaram para 18,2% do consumo privado nominal — indicadores que atingiram máximos históricos das últimas duas décadas", revela o novo relatório."Em sentido contrário, o IRS sobre os rendimentos específicos do trabalho, reduziu o seu peso nas remunerações para 8,8%, refletindo as medidas de política adotadas e outros efeitos", acrescenta.A maior subida e contributo para a subida da receita total cobrada veio do IVA, o maior imposto, que adicionou mais 2,2 mil milhões de euros (subida de 9% face a 2023). O IRC deu mais 1,8 mil milhões (mais 19%). À boleia do agravamento e manutenção em alta dos custos da energia, o ISP engordou 364 milhões de euros no ano passado (aumento de 11%).Desaire no investimento público paga derrapagem nas prestações sociaisOs investimentos públicos previstos para o ano de 2024 ficaram mais de 2,6 mil milhões de euros abaixo do previsto no Orçamento do Estado (OE), mas esse desaire na execução orçamental acabou por compensar o aumento muito pronunciado das prestações sociais (como pensões e apoios como o CSI) e das despesas com pessoal, que no seu conjunto furaram a meta prevista no OE em mais 1,8 mil milhões de euros, indica o Conselho.De acordo com o relatório sobre a evolução orçamental das Administrações Públicas em 2024, "no âmbito da despesa de capital, tanto a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como as outras despesas de capital ficaram muito aquém da previsão inicial do Ministério das Finanças (MF)".A FBCF, que corresponde ao novo investimento público, "cresceu 10,9% em 2024, o que corresponde a cerca de um terço do crescimento que estava implícito no OE 2024 (32,3%)". Como referido, este OE foi apresentado em outubro de 2023 pelo governo do PS que antecedeu o do PSD-CDS.Segundo o CFP, esta despesa com investimentos públicos "ficou 1,5 mil milhões de euros abaixo do previsto nesse documento de programação orçamental (refletindo um grau de execução de 83,8%), sobretudo pelo facto de os investimentos executados ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) terem sido inferiores à previsão inicial".Mais tarde, em outubro passado, Joaquim Miranda Sarmento, o ministro das Finanças do governo de coligação PSD-CDS, haveria de atualizar as suas metas para o investimento público e outras despesas de capital em 2024. Mas também estas não foram atingidas em larga medida.Segundo o CFP, "a estimativa do MF para 2024, incluída na proposta de OE 2025, apontava inclusivamente para um valor da FBCF superior ao aprovado no OE 2024 (+146 milhões de euros)".As outras despesas de capital, a segunda componente relativa ao investimento público em sentido lato, "ficaram 1,2 mil milhões de euros abaixo do previsto no OE 2024, dos quais maioritariamente são explicados pelos seguintes fatores: (i) menor impacto de one-offs face ao inicialmente previsto; (ii) revisão da base das contas nacionais e; (iii) execução de despesas ao abrigo do PRR aquém do previsto", refere o conselho presidido por Nazaré Costa Cabral."One-offs" são as chamadas medidas pontuais e irrepetíveis, que só acontecem uma vez.O valor poupado em despesa com investimentos acabou assim por mais do que compensar a subida muito significativa e além do esperado nas prestações sociais, cujo valor anual registou uma derrapagem superior a 1,8 mil milhões face ao previsto no OE 2024, tendo inclusive ficado 153 milhões de euros acima da estimativa atualizada por Miranda Sarmento em outubro passado.Segundo o conselho independente que fiscaliza o cumprimento das regras orçamentais e a sustentabilidade das finanças públicas, "a maior execução da despesa corrente primária face ao previsto no OE 2024 deveu-se sobretudo às prestações sociais e, em menor grau, às despesas com pessoal"."A despesa com prestações sociais que não em espécie cresceu 10,3%, quase o dobro dos 5,7% que estavam implícitos no OE 2024", confirma o CFP.Para este desvio, "contribuiu, desde logo, o facto de, mesmo sem o efeito de medidas de política, a despesa com pensões ter sido superior ao previsto no OE 2024".Acresce ainda "o impacto de medidas que não estavam previstas no OE 2024, como é o caso do pagamento do suplemento extraordinário de pensões, bem como do aumento do valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e do alargamento do universo dos pensionistas abrangidos pelo CSI", explica a entidade fiscalizadora. "Para o referido desvio também contribuiu o efeito decorrente da revisão da base das contas nacionais."A maior execução face ao previsto nas despesas com pessoal é explicada, em parte, pelas "medidas de valorização salarial de diversos grupos profissionais adotadas após a aprovação do OE 2024, que implicou o recurso à dotação provisional e à descativação de uma parte da reserva orçamental".Em compensação, "em sentido oposto, o consumo intermédio e as outras despesas correntes registaram uma execução abaixo do previsto". "No primeiro caso, a maior parte do desvio deveu-se ao facto de as despesas ao abrigo do PRR terem sido inferiores ao previsto no OE 2024", diz o CFP. Foi o mesmo problema que emagreceu brutalmente o investimento público.