Rebelo de Almeida: “Há incompetência, prepotência e arrogância” no Património Cultural I.P.

O Grupo Vila Galé tem em curso a construção de um empreendimento hoteleiro no Concelho de Ponte de Lima, Distrito de Viana do Castelo, que inclui a recuperação do que resta de um castelo que remonta à fundação da nacionalidade . O projeto visa o enoturismo, uma vez que inclui produção de vinho verde, e por estar numa área protegida, onde parte do denominado Paço ou Castelo do Curutêlo é, desde 1977, um Imóvel de Interesse Público (IIP) - tendo, ainda, uma Zona Geral de Proteção de 50 metros -, o projeto é supervisionado pelo Património Cultural, I.P. (PC IP), tutelado pelo Ministério da Cultura, que recentemente embargou totalmente as obras em curso. Na última sexta-feira, esse embargo passou a ser parcial, ou seja, limita-se apenas à área com estatuto IIP que está a ser recuperada, depois de o presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, Vasco Ferraz, ter declarado ter sido pressionado para colocar um embargo total..Jorge Rebelo de Almeida, fundador e presidente do Grupo Vila Galé, foi entrevistado pelo DN antes do embargo total passar a parcial e no decorrer da conversa não escondeu a insatisfação..Disse em junho, numa entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF, que o Grupo Vila Galé tinha em curso investimentos de 60 milhões de euros em Portugal e no Brasil, para o ano de 2025. Como é que estão esses projetos? É mais do que 60 milhões. Neste momento, no Brasil, temos projetos em Cumbuco, Minas Gerais, Alagoas, Belém, Pará e Mangue Seco, e, em Portugal, temos seis ligados à recuperação de património e em fase de construção em Ponte de Lima, em Elvas, em Penacova, na Golegã, em Miranda do Douro e em Oeiras, mas um destes projetos não está a andar porque foi embargado..Qual é? É a adega do Paço do Curutêlo, onde já estávamos a produzir vinho verde. Mas deixe-me só explicar o ponto em que estamos. Em Portugal, estamos na fase final de construção das Casas de Elvas, um projeto em que estamos a recuperar 43 casas no centro histórico da cidade, onde vamos fazer um hotel completamente diferente do que é um hotel de rua. Será uma rua central com casas de um lado e do outro, numa cidade onde estamos a recuperar o que era o tribunal na época da Inquisição, que era uma antiga fábrica de ameixa, e o Conselho de Guerra. Depois, temos o Paço do Curutêlo, em Ponte de Lima, e na fase de arranque da construção o Paço Real de Caxias, em Oeiras. Este último ainda não está com o projeto aprovado, tem andado enrolado há muito tempo. Já houve concurso do Revive [programa estatal para reabilitação e valorização de património], mas foi abandonado pelo promotor, porque estas obras de recuperação de património histórico são para quem gosta muito de fazer isso, que é o caso do Vila Galé. Nós gostamos de recuperar património. É complicado, é sempre complicado. É caro, é mais moroso e tem um inimigo que se chama Património Cultural, I.P. [PC IP], sobretudo esta última versão deste serviço que está mais para complicar do que para resolver..O PC IP vê com maus olhos os projetos de recuperação de património para fins turísticos? Vamos a ver, há uma falta total de conhecimento de obras e de hotelaria. Há má vontade contra o turismo em geral. O PC IP não recupera nada de património, não ajuda quem recupera e atrapalha a vida a quem quer recuperar. Numa expressão brejeira, posso dizer que são os guardiões dos conventos abandonados que se vão degradando cada vez mais até à ruína total, até desaparecerem. Portugal tem mais de cinco mil edifícios históricos para recuperar e era tão importante que fosse desígnio nacional a recuperação de património histórico..Mas concorda que tem de haver algum controlo para impedir que haja património destruído por projetos turísticos? Eu defendo que nada deve ser facilitado. Mas temos de ter pessoas competentes, que percebam de obras e que entendam o essencial: só se consegue recuperar património histórico para adaptar a um hotel, se for possível fazer essa adaptação. Se for ao serviço do Património e me disserem que não posso mudar o interior dos edifícios em rigorosamente nada, não funciona. Não é possível implantar um hotel numa área que não tinha nada a ver com um hotel..Foto: Leonardo Negrão.Então a alternativa é deixar esse património fechado. Mas é o que tem acontecido. As dificuldades são tantas... Repare, foi lançado o Programa Revive e as duas primeiras fases, que até há poucos meses estavam em funcionamento, eram de uma empresa corajosa, que gosta muito do que faz e que entende ser fundamental a recuperação do património: o Grupo Vila Galé. O primeiro Revive foi o Convento de São Paulo, em Elvas, e o segundo foi em Alter do Chão. E, neste momento, temos em carteira um projeto na Quinta da Cardiga, na Golegã, que vamos anunciar dia 8 de novembro. É uma quinta templária e já estamos a ver que vamos ter um milhão de dificuldades. Não da parte da câmara, mas do Património [Cultural], que não fala com as pessoas..Falta diálogo para se chegar a consensos? Estou a falar com uma entidade que cita normas de decretos e leis vagas e abstratas. E como não vão aos locais... Vou dar um exemplo: tínhamos um projeto em Vila Viçosa e, numa reunião convocada pela Câmara, as pessoas do PC IP entraram como se estivessem a falar com bandidos. O projeto era a recuperação de um convento que está completamente arruinado, descaracterizado, não tem por onde se lhe pegar. É um trabalho insano e difícil. Nem sei se será viável. Precisamos de uma entidade que aconselhe, dê sugestões, que tenha uma postura ativa e positiva, com clareza. Mas não, é o negativismo total e a criar obstáculos. Quando aparece alguém na empresa que me vem trazer um negócio interessante recebo-o de braços abertos. O PC IP é ao contrário, recebe-nos com sete pedras na mão, levanta as dificuldades todas e não tem noção de que tempo é dinheiro..O que é que era preciso? Sentido de equilíbrio e bom senso. É preciso encontrar negócio para viabilizar uma recuperação, senão nada se faz e acontece o que sempre tem acontecido, que é deixar o património cair em ruína total neste país. É ver de norte a sul como as coisas estão. Isto, para o interior do país, era uma ajuda preciosa para o valorizar, mas era preciso que houvesse desenvolvimento de projetos desta natureza, que podiam fomentar o aparecimento de escolas internacionais como a Nova Business School; podíamos ter uma escola dessas no interior e atrair as pessoas para lá, seria uma forma de valorizar a educação. Era muito oportuno fazer isso no interior. O país está cheio de património para recuperar, não há cidadezinha que não tenha uma peça interessante. Agora, tem de haver flexibilidade. E, depois, nós somos uma empresa... Mas estamos a lidar com gente arrogante, pesporrente, sobranceira, despreparada, incompetente e sem bom senso. E por isso é que não há mais cooperação para recuperar o património neste país, porque o mundo é às avessas. Estamos nas mãos dos pequenos poderes..É a grande dificuldade? Quando o investidor aparece, o primeiro embate é demolidor - que não se pode fazer isto, que não se pode fazer aquilo... E depois, que é o que aconteceu em Ponte de Lima, nenhuma das pessoas com quem falamos do PC IP foi à obra. Nem conhecem a obra, nem se preparam para uma reunião em que vão discutir o tema, não sabem do que estão a falar..Já falou com o ministro da Economia, Pedro Reis, que tem a tutela da secretaria de Estado do Turismo?Já falei com o ministro Pedro Reis. Quem está extremamente empenhado nestes temas é o secretário do Estado do Turismo, Pedro Machado, que é um homem do setor e que conhece bem este setor [anteriormente foi presidente do Turismo do Centro]..E com o Ministério da Cultura? Também. Deixe-me dizer isto, este Governo, que tomou posse há poucos meses apareceu a mostrar apoio às empresas em toda a linha. Mesmo que algumas medidas não sejam muito efetivas, trazem o simbolismo de que as empresas são quem, de facto, gera a riqueza e desenvolvimento do país. As empresas têm defeitos, toda a gente tem defeitos. E este Governo apareceu com um ímpeto reformista. Mas hoje temos uma situação flagrante em Portugal, caímos drasticamente na simplificação. Até o Simplex foi esquecido. E nunca tivemos condições tão boas como hoje para dar um salto no crescimento económico. Era fundamental ter uma Administração Pública prestigiada, competente, rápida, ágil, parceira dos cidadãos e das empresas, e não complicadora. Se ligar para pedir qualquer coisa à Administração Central ou Local, a resposta é: “Não temos pessoal.” Mas o que é que aconteceu? Perdemos população, mas temos mais funcionários como nunca. Temos gente, está é mal organizada. E o problema era parar e reorganizar, porque o país precisa desesperadamente disso para dar esse salto. Veja-se o IRC, a coleta subiu imenso nestes últimos anos. O que é que significa isso? Que as empresas estão a pagar mais imposto. O IRC quase que dobrou nos últimos oito anos. Estamos no bom caminho, mas as empresas, para continuarem a prosperar, precisam de ter agilidade, que não lhes compliquem a vida. O não complicar a vida, não é o facilitismo, é não estar dois anos à espera de uma aprovação, que foi quanto demorou o caso de Ponte de Lima: demorou dois anos e quatro meses, desde que entregámos o projeto. E agora está embargado..Pede clareza e transparência, no fundo. Sim. Eu aceito perfeitamente que nos digam “não queremos que faça isso” e, como temos 14 projetos em carteira, dizemos: “Vamos fazer outro projeto, não fazemos este.” Agora, não nos andem a enrolar dois anos. Digam até que “não”, mas digam-no fundamentadamente. Não se faça como nesta obra de Ponte de Lima..E o que aconteceu? O projeto é da Xvinus, uma participada do Grupo Vila Galé, que é composto por um hotel novo, construído de raiz, e uma adega e uma vinha para produção de vinho verde com uma mutaçãozinha, criando alguma inovação, mas mantendo a tradição dos verdes..Está a falar do que foi anunciado no início do ano, que será uma unidade de 69 quartos, mais salão de eventos para 600 pessoas, dois restaurantes, uma biblioteca e uma adega e um museu dedicado à História local, numa área de 57 hectares, estando a cargo do grupo a recuperação do chamado Paço ou Castelo de Curutêlo [imóvel de Interesse Público desde 1977], que tem uma capela também, na Freguesia de Ardegão, Freixo e Mato. A adega já foi inaugurada a 12 de outubro, fizemo-la em oito meses e é uma peça de arquitetura contemporânea. Depois de dois anos e quatro meses tivemos a licença, em dezembro de 2023, e estamos em outubro e temos o hotel todo no ar, tudo já em fase de acabamentos adiantados, mas a obra é embargada. O embargo total, obviamente, criaria prejuízo. É para abrir no dia 31 de março do próximo ano..Qual foi o investimento feito? O título bombástico é dizer assim: PC IP bloqueia investimento de 20 milhões de euros, que tem uma parte nova de raiz e ainda tem, como adicional, a recuperação de castelo, que é supostamente anterior à nossa nacionalidade. Supostamente, ninguém sabe o certo o ano em que surgiu, mas o que encontrámos está completamente descaracterizado. O castelo tem vigotas prefabricadas, que se compram numa loja de ferragens - aparece alguém para tentar melhorar a imagem e o PC IP, comporta-se como se fossemos um bandido, que vai estragar tudo. Foram dezenas de anos - anos e anos - a tratarem selvaticamente aquele castelo, tenho fotografias que o mostram. Temos aqui duas componentes, a parte nova que construímos de raiz, e essa é completamente ilegal ser embargada - e fomos, sem uma audiência prévia -, e a parte a recuperar..Qual foi o motivo do embargo? Eles embargaram tudo. O presidente da Câmara [Municipal de Ponte de Lima, Vasco Ferraz] pressionado pelo sr. [João] Soalheiro, presidente do PC I.P., embargou só o castelo. Um dia fui a uma reunião com o PC I.P., até sobre outro assunto, que me convocaram para lá ir - porque agora lançaram esta guerra connosco, andam a passar a pente fino todos os projetos do grupo para levantar dificuldades. Até já querem ir sobre as Casas de Elvas, que está praticamente pronta, e lançou notícias falsas - Vila Galé faz piscina em cima da Muralha Fernandina. Até fizemos uma segunda parede afastada da Muralha Fernandina, para que não houvesse a mínima ligação. Mas por que é que não vão ver as coisas? Mandaram alguém dizer....Foto: Leonardo Negrão.Acha que há uma lógica de perseguição ao grupo? Não faço processo de intenção a ninguém. Mas que há incompetência, prepotência, pesporrência e arrogância, isso é indiscutível. E tenho testemunhas disso, porque o próprio presidente da Câmara de Ponte de Lima, que acabou por embargar a obra e foi pressionado, e o dr.. Jorge Sobrado [vice-presidente da CCDR- -Norte para a área da Cultura] reconheceu há uma semana que não tinham de ter embargado a parte nova. Reparem numa coisa, o PC IP mentiu. Digo isto e vou dizer em tribunal, porque ele [João Soalheiro] disse que foi a câmara que tinha tomado a iniciativa de embargar e eu tenho documentos em meu poder de que foi ele que pediu o despacho à Secretaria de Estado da Cultura para embargar a obra. E mais, depois de embargar só o castelo e de a câmara dizer que só ia embargar o castelo, porque não havia razão para embargar tudo, mandou lá uma fiscalização que confirmou - e isso está escrito também - que toda a parte nova do projeto estava aprovada por todas as entidades..Mas qual foi o motivo concreto apresentado para o embargo total? Não houve fundamento. Dizem que não podemos substituir as madeiras, mas qualquer pessoa que perceba de obras sabe que a madeira apodrece e aquela já lá está há muitos anos. O telhado está a cair porque aquela madeira está podre. E, antes de nós, já lá meteram cimentos e vigotas que se compram nas lojas de ferragens. Mas vou dizer-vos, o conhecimento que tenho é que o sr. [João] Soalheiro, através do seu consultor jurídico, passou a mensagem da necessidade de a Câmara de Ponte de Lima proceder ao embargo da totalidade do projeto, sob ameaça de perda de mandato..Ameaçou o autarca de perda de mandato? Foi isso que eles fizeram e o presidente da Câmara veio dizer isso [em declarações à Lusa a 24 de outubro]. É uma questão local e que está a tomar proporções disparatadas..O grupo vai para a Justiça? Vamos. Nunca na minha vida, e tenho 75 anos, pus uma ação em circunstâncias destas, mas este senhor passou os limites da decência. Isto é um escândalo. Foi uma dor na alma para mim, tive de mandar embora 90 pessoas que estavam lá a trabalhar, a cumprir prazos e a fazer as coisas a um ritmo bom. E vou ver-me aflito para as recuperar.

Rebelo de Almeida: “Há incompetência, prepotência e arrogância” no Património Cultural I.P.

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