"Quem sabia de tudo era ele", Ricardo Salgado, diz António Ricciardi em depoimento gravado

"Quem sabia de tudo era ele", Ricardo Salgado, diz António Ricciardi em depoimento gravado

Durante a manhã desta quinta-feira, no terceiro dia do julgamento do Caso BES, o tribunal reproduziu o vídeo do depoimento do falecido gestor António Ricciardi no DCIAP, em 2015, que contraria o depoimento de há nove anos de Ricardo Salgad, também gravado no DCIAP.
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"Ricardo Salgado era um homem muito inteligente, muito bem apetrechado tecnicamente e geria tudo. Como é que ele pensava sair desta situação? Nunca lhe perguntei, é algo que não consigo compreender", afirmou António Ricciardi, segundo a gravação do depoimento ao então procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do Ministério Público (MP), José Ranito, em outubro de 2015, reproduzida esta quinta-feira na terceira audiência do julgamento do Caso BES.

António Ricciardi, que foi administrador do Banco Espírito Santo (BES) entre 1955 e 1975, chairman do banco entre os anos 1990 e 2008, morreu em 2022 aos 102 anos de idade. Mas é uma das testemunhas neste mega-processo. Quando o banco colapsou era o presidente do chamado conselho superior do Grupo Espírito Santo (GES) e do conselho de administração do GES, tendo assinado muita da documentação que sustenta provas ou é usada como prova de acusação do MP. A reprodução deste depoimento foi a primeira prova testemunhal apresentada em tribunal.

O terceiro dia do julgamento arrancou pelas 9h30, tendo a gravação de António Ricciardi, um dos patriarcas de um dos cinco ramos da família Espírito Santo quando o BES faliu, revelado afirmações que contradizem o depoimento de Ricardo Salgado, também feito e gravado em 2015 tanto no DCIAP como ao então juíz de instrução Carlos Alexandre, reproduzido na quarta-feira no tribunal. Pontualmente, o falecido gestor foi realçando o poder de Salgado. "Quem sabia de tudo era ele [Ricardo Salgado]", declarou António Ricciardi em 2015 a José Ranito (hoje procurador na Procuradoria Europeia).

No depoimento, António Ricciardi, pai de José Maria Ricciardi, o único da família Espírito Santo a desafiar o poder de Ricardo Salgado, explica que deixara de ter funções executivas em 2008 e que o cargo no conselho superior era uma forma de a família ir sabendo o que se passava nos negócios do BES e GES. Revela também que teve conhecimento de manipulação nas contas do GES em 2014, através de uma confidência do contabilista do grupo, Machado da Cruz, asseverando que o ex-banqueiro nunca disse na sua presença que as contas eram manipuladas. Mas para António Ricciardi, "garantidamente, havia uma intenção". E faz saber que o endividamento da sociedade Espírito Santo Irmãos, também arguida em julgamento, não foi discutido pelo conselho superior por ser tratada "entre Ricardo Salgado e José Castella [morreu em março de 2020]", ex-controlador financeiro do GES, da qual ele estava "completamente por fora".

Segundo a gravação,Ricciardi afirma que era José Castella, "um antigo funcionário" que tinha a "confiança de toda a gente", a tratar do controlo do grupo. Mas, garantiu, não tinha autonomia de decisão. Por presidir o grupo, a assinatura de António Ricciardi surge em muitos documentos daquela sociedade, mas o falecido gestor garantiu que não participou nas decisões.

"A maior parte das vezes [José Castella] aparecia com documentos, normalmente assinados por Manuel Fernando Espírito Santo [líder de outro ramo da família, primo de Ricardo Salgado, presidente da Rioforte, sociedade da área não-financeira do GES e arguido no caso BES], e eu fazia a segunda assinatura, sem que de facto tivesse participado na decisão correspondente. Acho que era decidido pelo dr. Ricardo Salgado, ele de facto era o único de nós que sabia tudo e punha tudo em marcha", afirmou Ricciardi, também conhecido por comandante por ter sido primeiro-tenente da Marinha.

De acordo com António Ricciardi, era Castella que tratava das informações das empresas do GES, mas com a orientação de Salgado. "Ele [José Castella] tinha instruções do dr. Ricardo Salgado, preparava as coisas de acordo com essas instruções e levava a documentação para se assinar", afirmou.

Machado da Cruz "teve ordens" para falsear as contas

Questionado sobre Francisco Machado da Cruz, o homem responsável pelas contas do GES entre 2002 e 2014 que responde em tribunal por 33 crimes, com o MP a imputar-lhe a falsificação das contas da Espírito Santo International (ESI), alegadamente a mando de Salgado, António Ricciardi referiu que o contabilista "teve ordens do dr. Ricardo Salgado para falsear as contas" de empresas do grupo.

"A conversa com o Francisco Machado da Cruz ocorreu na minha casa em Cascais em 2014. Ele queixava-se que tinha sido abandonado e perguntei porque não retificou as contas. Dizia que fazia o que o dr. Ricardo mandava. Queixava-se que não tinha dinheiro para tratar dos advogados, que o tinham deixado cair. Soube pela primeira vez do que tinha acontecido às contas numa reunião de 2013, onde apareceu o buraco das contas, que já ia em um bilião. Até aí, tinha confiança absoluta no Ricardo".

Na gravação, José Ranito questiona Ricciardi sobre o conflito entre o filho, José Maria Ricciardi, e Ricardo Salgado. O comandante explica que o ex-banqueiro queria reestruturar o GES mas que para o fazer "precisava de ter a confiança dos membros da família". Ora, Salgado recebeu o voto de confiança de todos exceto de José Maria Ricciardi. 

"O Ricardo [Salgado] disse então que ele [José Maria Ricciardi] tinha de sair do conselho, que ia convocar uma reunião", contextualizou, adiantando que convocou outra reunião entre os dois primos, antes da reunião que serviria para discutir a exclusão de Ricciardi, o filho. "Duas horas depois [do início do encontro entre os primos] apareceram e disseram que tinham resolvido as divergências e o José Maria [Ricciardi] deu-lhe o voto de confiança. Infelizmente, no dia seguinte saiu uma notícia a dar conta de que o José Maria não tinha levado a situação avante e ele retirou-lhe novamente o voto de confiança", contou.

Questionado diretamente, em seguida, se alguma vez Ricardo Salgado tinha falado que havia "um buraco nas contas" ou que "manipulou as contas", António Ricciardi afirmou que "não, que [Salgado] nunca disse".

"Amilcar Morais Pires era um dos homens de que o Ricardo se servia"

O então procurador do DCIAP confrontou António Ricciardi, segundo a gravação reproduzida no tribunal, com a existência da ESI BVI, uma sociedade offshore que alegadamente serviria para pagar "honorários" aos cinco ramos da família Espírito Santo. Questionado se tinha conhecimento da origem e como era feito o pagamento através daquela sociedade, o comandante disse: "Não sei".

"Não sabia que havia essa modalidade para pagar, era-me creditado na conta do BES um valor e não sei como se processava", disse, esclarecendo depois que o património que tinha e que controlava estava na Suíça, no então Banco Privée Espirito Santo.

Confrontado também com ordens de pagamento de prémios a diferentes dirigentes do BES, incluindo Amílcar Morais Pires, então administrador financeiro do BES, sendo que alguns dos documentos tinham a assinatura do comandante, António Ricciardi mostrou-se surpreendido e afirmou, mais do que uma vez, não se recordar de ver e assinar aqueles documentos. Todavia, disse não ser "adequado" alguns dos valores inscritos nos documentos apresentados por José Ranito.

Por um exemplo, alguns dos documentos, segundo a gravação, davam ordem para entregar prémios de um milhão de euros a Morais Pires, 600 mil euros a Isabel Almeida, outra arguida do processo, que responde por 19 crimes, e foi assessora do conselho de administração do BES, reportando diretamente a Morais Pires, além de 300 mil euros a António Soares, outro arguido no caso BES e que era diretor do departamento financeiro, de mercados e de estudos quando o banco faliu.

"Acho extraordinário", disse Ricciardi sobre o caso de Amílcar Morais Pires. "O Amílcar Morais Pires era um dos homens de que o Ricardo [Salgado] se servia", acrescentou, realçando que Isabel Almeida e Ana Rita Barosa, antiga diretor do BES que chegou a secretária de Estado de Miguel Relvas no primeiro Governo de Passos Coelho, estavam nesse grupo de pessoas. "É uma convicção que tenho", ouve-se Ricciardi a dizer na gravação.

"Essas pessoas sabiam de umas coisas, não sabiam de outras. Quem sabia de tudo era ele [Ricardo Salgado]", concluiu, referindo mais tarde que não havia qualquer política de "adequar" honorários da família e prémios de dirigentes face aos resultados do grupo.

Questionado pelo procurador, António Ricciardi disse ainda saber quem era Etienne Alexandre Cadosch, mas afirmou não conhecer Michel Creton. Cadosch foi funcionário do GES e esteve envolvido na criação do Eurofin, sociedade que serviria para afastar do grupo potenciais ativos tóxicos e criar sociedades offshore para emitir dívida que seria vendida a clientes do BES. Creton era acionista do Eurofin. Ambos são arguidos neste processo.

António Ricciardi garantiu, ainda, que só teve conhecimento do Eurofin "meses antes" do colapso.

A reprodução do depoimento de Ricciardi no DCIAP foi interrompidas pelas 12h. A sessão de hoje do julgamento foi interrompida para almoço. A partir das 14h, o tribunal retoma os trabalhos estando previsto ser ouvido como testemunha presencial José Maria Ricciardi.

Machado da Cruz "teve ordens" para falsear as contas

Questionado sobre Francisco Machado da Cruz, o homem responsável pelas contas do GES entre 2022 e 2014 que responde em tribunal por 33 crimes, com o MP a imputar-lhe a falsificação das contas da Espírito Santo International (ESI), alegadamente a mando de Salgado, António Ricciardi referiu que o contabilista "teve ordens do Dr. Ricardo Salgado para falsear as contas" de empresas do grupo.

"A conversa com o Francisco Machado da Cruz ocorreu na minha casa em Cascais em 2014. Ele queixava-se que tinha sido abandonado e perguntei porque não retificou as contas. Dizia que fazia o que o dr. Ricardo mandava. Queixava-se que não tinha dinheiro para tratar dos advogados, que o tinham deixado cair. Soube pela primeira vez do que tinha acontecido às contas numa reunião de 2013, onde apareceu o buraco das contas, que já ia em um bilião. Até aí, tinha confiança absoluta no Ricardo".

Na gravação, José Ranito questiona Ricciardi sobre o conflito entre o filho e Ricardo Salgado. O comandante explica o ex-banqueiro queria reestruturar o GES mas que para o fazer "precisava de ter a confiança dos membros da família". Ora, recebeu o voto de confiança de todos exceto de José Maria Ricciardi, filho de António Ricciardi. 

"O Ricardo [Salgado] disse então que ele [José Maria Ricciardi] tinha de sair do conselho, que ia convocar uma reunião", contextualizou, adiantando que convocou outra reunião entre os dois primos, antes da reunião que serviria para discutir a exclusão de Ricciardi, o filho. "Duas horas depois [do início do encontro entre os primos] apareceram e disseram que tinham resolvido as divergências e o José Maria deu-lhe o voto da confiança. Infelizmente, no dia seguinte saiu uma notícia a dar conta de que o José Maria não tinha levado a situação avante e ele retirou-lhe novamente o voto de confiança", contou.

Questionado diretamente, em seguida, se alguma vez Ricardo Salgado tinha falado que havia "um buraco nas contas" ou que "manipulou as contas", António Ricciardi afirmou que "não, que [Salgado] nunca disse".

"Amilcar Morais Pires era um dos homens de que o Ricardo se servia"

O então procurador do DCIAP confrontou António Ricciardi, segundo a gravação reproduzida no tribunal, com a existência da ESI BVI, uma sociedade offshore que alegadamente serviria para pagar "honorários" aos cinco ramos da família Espírito Santo. Questionado se tinha conhecimento da origem e como era feito o pagamento através daquela sociedade, o comandante disse: "Não sei".

"Não sabia que havia essa modalidade para pagar, era-me creditado na conta do BES um valor e não sei como se processava", disse, esclarecendo depois que o património que tinha e que controlava estava na Suíça, no então Banco Privée Espirito Santo.

Confrontando também com ordens de pagamento de prémios a diferentes dirigentes do BES, incluindo o administrador Amílcar Morais Pires, então administrador financeiro do BES, sendo que alguns dos documentos tinham a assinatura do comandante, António Ricciardi mostrou-se surpreendido e afirmou, mais do que uma vez, não se recordar de ver e assinar aqueles documentos. Todavia, disse não ser adequado alguns dos valores inscritos nos documentos apresentados por José Ranito.

Por um exemplo, alguns dos documentos, segundo a gravação, davam ordem para entregar prémios de um milhão de euros a Morais Pires, 600 mil euros a Isabel Almeida (outra arguida do processo que responde por 19 crimes), ex-assessora do conselho de administração do BES que reportava a Morais Pires, e 300 mil euros a António Soares, outro arguido no caso BES e que era diretor do departamento financeiro, de mercados e de estudos quando o banco faliu.

"Acho extraordinário" disse Ricciardi sobre o caso de Amílcar Morais Pires. "O Amílcar Morais Pires era um dos homens de que o Ricardo [Salgado] se servia", acrescentou, realçando que Isabel Almeida e Ana Rita Barosa, antiga diretor do BES que chegou a secretária de Estado de Miguel Relvas, estavam nesse grupo de pessoas. "É uma convicção", ouve-se Ricciardi a dizer na gravação.

"Essas pessoas sabiam de umas coisas, não sabiam de outras. Quem sabia de tudo era ele [Ricardo Salgado]", concluiu, referindo mais tarde que não havia qualquer política de "adequar" honorários face aos resultados do grupo.

Questionado pelo procurador, António Ricciardi disse saber quem era Etienne Alexandre Cadosch, mas afirmou não conhecer Michel Creton. Cadosch foi funcionário do GES e esteve envolvido na criação do Eurofin, sociedade que serviria para afastar do grupo potenciais ativos tóxicos e criar sociedades offshore para emitir dívida que seria vendida a clientes do BES. Creton era acionista do Eurofin. Ambos são arguidos neste processo.

António Ricciardi garantiu que só teve conhecimento do Eurofin "meses antes" do colapso.

A reprodução do depoimento de Ricciardi no DCIAP foi interrompidas pelas 12h. A sessão de hoje do julgamento foi interrompida para almço. A partir das 14h, o tribunal retoma os trabalhos estando previsto ser ouvido como testemunha presencial José Maria Ricciardi.

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