O arranque do processo de privatização, a boa performance da aviação a nível global e as águas mais calmas após as polémicas dos últimos anos deram força à valorização da marca TAP. A avaliação financeira da marca da companhia de bandeira atingiu o melhor resultado dos últimos cinco anos, fixando-se em 214 milhões de euros, o que representa um salto de 32,1%, de acordo com os dados da OnStrategy cedidos ao DN. A TAP ocupa, desta forma, o 23º lugar no pódio das 25 marcas portuguesas mais valiosas em 2025 no estudo anual da consultora, apresentando a melhor avaliação desde 2020. “A evolução da TAP não é apenas um reflexo da retoma do setor da aviação. É, sobretudo, o resultado de um esforço claro de reposicionamento, centrado na identidade nacional, na melhoria da experiência do cliente e na preparação para a privatização”, explica João Baluarte, sócio responsável pelos estudos financeiros da OnStrategy. No leque dos vários fatores que têm conduzido à trajetória ascendente, o arranque do processo de privatização assume um lugar de destaque. O Governo deu recentemente o pontapé de saída para a venda de 49,9% do capital da companhia com a aprovação do decreto-lei para a reprivatização, dando luz verde, de seguida, ao caderno de encargos para a venda direta da empresa portuguesa. João Baluarte explica que o processo de privatização foi responsável por imprimir uma “maior disciplina na comunicação, gestão e accountability”, beneficiando diretamente a reputação e o valor da marca, assumindo-se como um agente “muito relevante” no futuro negócio entre o Estado e os investidores. “Uma marca forte permite negociar um prémio de valor adicional no processo de privatização porque representa a expressão da promessa de um produto ou serviço. Tem impacto direto na capacidade de atrair clientes, parceiros e gerar receitas. Além disso, a valorização da marca transmite uma imagem de estabilidade e confiança que é muito valorizada pelos operadores de mercado, nomeadamente por aqueles que possam vir a entrar no processo de reprivatização, é absolutamente fundamental. Não incorporar a avaliação da marca no processo de avaliação dos restantes ativos seria um profundo erro”, defende. Apesar de as avaliações contabilísticas da TAP, a cargo da consultora Ernst & Young e do Banco Finantia, terem chegado às mãos do Executivo em julho, o valor da empresa liderada por Luís Rodrigues continua ainda no segredo dos deuses. Manter os números fechados em copas faz parte da estratégia negocial do Governo, que considera tratar-se de “informação sensível” que, a ser revelada nesta fase, poderá colocá-lo em posição de desvantagem. Por isso mesmo, este dossier ficou de fora da proposta do Orçamento do Estado para 2026, conhecida na semana passada. Na conferência de imprensa de apresentação do documento, o ministro das Finanças reiterou que “estando a decorrer negociações, qualquer valor teria uma influência”. Joaquim Miranda Sarmento tinha já garantido que as avaliações só serão tornadas públicas depois de as empresas interessadas apresentarem as propostas. Recorde-se que, para já, há três nomes na corrida à compra da TAP: o grupo IAG, que detém a espanhola Iberia e a British Airways, a franco-holandesa Air France-KLM e a alemã Lufthansa.João Baluarte considera que a melhoria na avaliação da marca TAP terá impacto nas contas finais e poderá influenciar o valor de venda da transportadora aérea. “A marca representa um componente importante na estimativa de valor da empresa, sejam quais forem os processos e métodos de avaliação do conjunto de ativos da companhia. Por exemplo, uma marca com maior valor ajuda na obtenção de um múltiplo mais elevado, ou numa taxa de desconto menor já que se traduz numa redução da perceção de risco”, explica. “A marca é, cada vez mais, um ativo financeiro com impacto direto na estrutura de capital e no retorno dos acionistas. No setor da aviação, onde os ativos físicos são altamente depreciáveis e os ciclos económicos são voláteis, a marca ganha um peso simbólico e económico essencial”, acrescenta ainda..Fim das polémicas impulsiona valorização.Os últimos anos foram conturbados para a TAP que se viu envolta em várias polémicas. Da indemnização de meio milhão de euros paga a Alexandra Reis às negociações sobre os novos acordos de empresa com os trabalhadores, vários foram os temas que colocaram a empresa debaixo dos holofotes e sob forte escrutínio público. O cenário instável beliscou a avaliação da marca, que caiu de 196 milhões de euros em 2022 para os 152 milhões de euros no ano seguinte. “Toda a polémica à volta da gestão, greves, cancelamentos, e a perceção de instabilidade contribuíram para uma perceção mais negativa da marca TAP, no período entre 2020 e 2022”, enquadra João Baluarte. O cenário começou a inverter-se em 2024, altura em que a marca valorizou para 162 milhões de euros, num salto de 6,6%. Este ano o avanço foi mais expressivo, contrariando o ciclo dos últimos anos. “Temos verificado uma recuperação significativa nos indicadores de força de marca em 2024 e 2025. A perceção de estabilidade é um ativo reputacional muito relevante. O fim do ciclo de notícias negativas e a maior previsibilidade institucional da TAP ajudaram a recuperar confiança junto dos clientes e stakeholders, refletindo-se diretamente na marca, quer do ponto de vista do seu desempenho financeiro, quer do ponto de vista de força de marca”, atesta o partner da OnStrategy.Ainda assim, e apesar de ter atingido os 214 milhões de euros em 2025, o valor da marca TAP está ainda distante dos 733 milhões de euros alcançados em 2019. No ano que antecedeu a pandemia, explica o especialista, a TAP beneficiava de uma expetativa de crescimento mais robusta, com novos mercados a serem abertos e um contexto financeiro mais favorável, fatores que ajudavam a que a perceção de risco fosse menor. “Não havia o impacto reputacional associado à pandemia e à intervenção estatal, havendo antes uma estratégia de crescimento que estava a ser implementada pelos anteriores acionistas privados”, recorda. Apesar da recuperação atual, a TAP ainda não atingiu os “mesmos níveis de robustez financeira e previsibilidade estratégica, apesar dos montantes injetados desde a nacionalização” quadro que afeta o valor atual do grupo e “necessariamente o valor financeiro da marca”..Operação e portugalidade também pesam.Há outras franjas que têm também pesado caminho de valorização da avaliação da marca TAP. Desde logo, o contexto global de recuperação no setor da aviação no pós-pandemia que tem sido não só positivo para a transportadora portuguesa como para as congéneres europeias. “Marcas como Lufthansa ou Air France-KLM também subiram na sua valorização, mas de uma forma mais contínua. Todo o setor tem apresentado uma forte valorização desde 2020”, relembra João Baluarte. O reforço operacional nas rotas operadas foi outro dos impulsionadores a assumir relevo na avaliação. “A TAP conseguiu restabelecer rotas estratégicas, especialmente na ligação com o Brasil e África, com aumento da ocupação média e da frequência em destinos chave. Entre 2015 e 2024, a rota Lisboa-Nova Iorque/Newark, seguida de Boston, Miami, Washington, Chicago, Toronto e San Francisco. A recente expansão inclui ainda os novos voos diretos Lisboa/Los Angeles, iniciados em 2025, e Boston/Porto, com mais de 100 voos semanais previstos nos EUA só em 2025”, aponta.Por fim, verificou-se um reforço da associação da TAP à identidade portuguesa através de campanhas institucionais com foco na valorização emocional da transportadora como a “companhia de todos os portugueses”. Esta estratégia permitiu à TAP o reforço do seu índice de força de marca com uma evolução de mais 16 pontos face a 2022. “Há uma comunicação mais coerente com os valores de portugalidade, com foco na conexão às comunidades portuguesas, na promoção do turismo nacional e numa narrativa de orgulho e pertença. A marca procurou recentrar-se nos seus elementos identitários e afetivos, que têm forte ressonância junto do consumidor doméstico e da diáspora, sendo isso visível desde a implementação do programa de reestruturação e, de forma mais clara, com a atual administração”, justifica. O responsável pelos estudos financeiros da OnStrategy frisa que o valor da marca não se esgota na perceção do consumidor nem no impacto financeiro, sendo um elemento estruturante do próprio modelo de negócio. “A estratégia de diferenciação da TAP, baseada na identidade portuguesa, na ligação às comunidades lusófonas e na construção de um “hub emocional” entre América, África e Europa assenta na sua marca. Ao fazê-lo, a TAP posiciona-se não apenas como transportadora, mas como plataforma de conectividade cultural e económica, ampliando o seu papel e relevância no ecossistema global da aviação”, afiança. Para João Baluarte, importa atentar no capítulo dos desafios futuros. “Os principais passam pela estabilidade operacional, gestão da transição de propriedade, comunicação institucional clara e coerente, e pela capacidade de manter a qualidade do serviço em alta escala. As ameaças incluem a repetição de crises reputacionais, a perceção de ineficiência e qualquer sinal de perda de identidade num contexto de privatização”, alerta. .“Daqui a um ano estaremos integrados num grupo gigante de aviação”, diz CEO da TAP