O que fica deste Governo: mais um excedente recorde, alívio fiscal, serviços públicos em crise, TAP pendurada
O governo caiu e deixa para trás uma economia, até agora, amiga dos investidores em dívida pública, conseguiu manter o ritmo já de si galopante de "consolidação orçamental" herdado do seu antecessor socialista e terá até alcançado um excedente orçamental superior ao previsto, um novo recorde (em 2024, falta apurar), a atividade económica continuou a crescer mais do que se pensava, o emprego, idem, o investimento estrangeiro e o mercado imobiliário continuaram em alta, o novo aeroporto de Lisboa lá levou um empurrão mais decisivo no início deste ano, ainda que a infraestrutura só esteja operacional daqui a mais de dez anos, na melhor das hipóteses.
Mas há custos e pesos negativos que ficam deste ano (nem chegou) de gestão PSD-CDS: o referido brilharete orçamental foi atingido sobretudo à custa de uma execução fraquíssima do investimento público, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) atrasou-se ainda mais e vai ter de ser novamente ajustado e renegociado, a TAP não foi privatizada, os serviços públicos, designadamente, a Saúde e a Educação, mantêm-se com graves constrangimentos, alguns em colapso, com falta de pessoal, com respostas insuficientes e por vezes nulas face à procura dos milhões de utentes, o Estado Social acabou por não ser "salvo", como prometia o primeiro-ministro, Luís Montenegro. A linha de comboio de alta velocidade ficou "na mesma como a lesma", como diz o ditado: existe um plano que falta definir e finalizar para depois começar a construir.
Os últimos dias deste governo -- que agora ficará em gestão cerca de dois meses até às eleições de "11 ou 18 de maio" (está por definir pelo Presidente da República, que avançou com estas datas possíveis), logo, altamente limitado na ação, nas decisões -- foram altamente prolíferos em medidas.
Recapitulemos. O governo de Montenegro e de Joaquim Miranda Sarmento, o ministro das Finanças pode usar como trunfo junto de algum eleitorado o facto de 2024 ter terminado com um novo brilharete orçamental.
O excedente do ano passado, que este mês será oficialmente apurado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) dentro de duas semanas, deve ser, afinal, o dobro do estimado pelo governo.
A poupança brutal no investimento público, onde ficaram por gastar 3,4 mil milhões de euros (foram executados apenas 70% dos fundos previstos), pode levar a um excedente de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o segundo maior da História de Portugal democrático, em mais de 50 anos. O maior é o de António Costa/Fernando Medina, com 1,2% do PIB.
Mesmo com a economia rodeada de crises e ameaças cada vez piores, "os investidores têm confiança em Portugal", dizia ontem o ministro das Finanças no debate parlamentar que fez cair o governo. No início deste mês, a agência de ratings Standard & Poor’s deu suporte a esta leitura do ministro, ao subir o rating da República para A.
Se faltou investimento público em geral e isso pode ter consequências graves na economia e no emprego a breve trecho, não faltou em particular no setor da Defesa, a nova e grande prioridade dos políticos europeus que estão no poder.
Aqui, o investimento público previsto foi executado em quase 100% (99,6%) e está prometido um reforço para este ano e os próximos de modo a responder às ameaças de guerra na Europa e fora dela.
Este governo pode acenar com a bandeira do Investimento Direto Estrangeiro (IDE), que continuou a bater recordes e com um em particular: Portugal (a fábrica Autoeuropa, o maior exportador industrial português) ganhou a construção do novo carro elétrico da Volkswagen, que começa a ser produzido dentro de dois anos. A empresa agradeceu o empenho do executivo.
Há mês e meio, quando ainda nem se sonhava com a degradação política das últimas semanas, Luís Montenegro disse que "uma economia a crescer pode garantir melhores salários e salvar o Estado Social". "Foi este o compromisso que assumi com os Portugueses. Portugal cresceu 1,9% em 2024, superando as previsões”.
Apesar da quase implosão em que se encontram hospitais, escolas, o governo conseguiu começar a implementar medidas do seu programa (que tiveram de ser modeladas para passarem no Parlamento e não embaterem na oposição do PS), como ampliar a descida de impostos (IRS, IRS Jovem, IRC, etc.).
Mas já pressentindo o seu fim, o governo fez nos últimos dias um autêntico sprint para aprovar medidas que contaria ir gerindo com mais tempo. Em apenas cinco dias, fizeram-se três conselhos de ministros (normalmente, é um por semana).
Na Saúde, o governo anunciou várias parcerias público-privadas (PPP) para tentar “salvar” os hospitais de Braga, Vila Franca de Xira, Loures, Amadora-Sintra e Garcia de Orta (Almada-Seixal).
"As PPP têm melhores resultados para as pessoas, para os doentes, são mais motivadoras para os profissionais e também têm melhores resultados económico-financeiros”, justificou há dias a ministra da Saúde, Ana Paula Martins.
Houve ainda o reforço do financiamento da Linha Violeta do Metro (da Grande Lisboa) com 150 milhões de euros para ajudar a pagar “o metro de superfície” de Loures e Odivelas. Terá cerca de 17 estações.
Foi ainda lançado o plano de aumento da oferta pública de habitação “com mais 33.000 casas”, uma peça-chave do "maior investimento de sempre em habitação pública: 4,2 mil milhões de euros", diz o governo cessante.
Aconteceu também o lançamento da "estratégia a 15 anos de resiliência hídrica e gestão da água" avaliada em “cinco mil milhões de euros de investimento até 2030”.
E mesmo na reta final, esta semana, avançou-se com uma cascata de revisões de várias carreiras especiais da Função Pública, cerca de 13, que deverão custar “200 milhões de euros por ano”.
Em cima disto, houve ainda tempo para anunciar o Plano Ferroviário Nacional e prometer a construção de cerca de 30 novas estradas.