Os países europeus comprometeram-se ou foram obrigados a assinar um acordo que aumentará brutalmente as despesas públicas com defesa nos próximos dez anos, o que, no entender de vários economistas, tenderá a ser “nocivo” paras as contas públicas de muitos países (mais endividados), obrigará mais à frente a fazer escolhas do tipo de políticas a seguir (mais sociais ou mais militares) e, na perspetiva de alguns, nem sequer será uma boa receita para crescer já que boa parte do crescimento económico propulsionado pela engorda da defesa vai ser com material e serviços made in USA. Importações, basicamente.Esta semana, Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos, pode ter tido a sua grande primeira vitória económica global com o acordo que obteve em Haia, Holanda, na cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla inglesa).Ainda a braços com os efeitos desconhecidos do caos que, desde março, criou no comércio internacional por conta dos ataques com tarifas alfandegárias, Trump logrou, desta vez, que os 32 membros da NATO se comprometesse em gastar muito mais em defesa, ou como aventou Trump num palanque em Haia, na “guerra”, nome que devia substituir defesa na secretaria de Estado do seu governo, avançou.O líder dos EUA veio pessoalmente exigir obediência aos europeus e estes fizeram-lhe a vontade, alguns com especial agrado, como foi o caso do holandês Mark Rutte, o atual secretário-geral da NATO. O compromisso com a defesa subirá assim dos atuais (e pouco respeitados) 2% para uns ambiciosos e altamente esforçados 5% do Produto Interno Bruto (PIB) daqui a dez anos (2035).O acordo anterior, firmado em 2014, tinha como objetivo alcançar, em dez anos (até 2024), um esforço em defesa na ordem dos 2% do PIB real (descontando já a inflação), mas era suposto que o esforço fosse partilhado.Mal chegou ao poder, Trump avisou logo que não podia ser. Que a sua América estava a pagar mais pela NATO e a ser explorada porque muitos membros não estavam a gastar o suficiente, como tinham prometido.Não se referiu ao caso de Portugal, mas é um dos que configura: em 2024, o peso dos gastos com defesa não foi além de 1,6% do PIB.A NATO previa que Portugal terminasse 2024 com 1,55%, mas o governo terá comunicado um valor ligeiramente acima, de 1,58%, noticiou o DN no mês passado. Dá qualquer coisa como 4.481 milhões de euros, segundo fonte oficial do Ministério da Defesa, que é tutelado por Nuno Melo.Certo é que, no meio da fúria com os demasiados países que não alcançaram os tais 2% em 2024 (não são assim tantos, mas um deles é o Canadá), Trump ia deitando a organização abaixo, num momento perigoso e delicado como o atual, com a guerra da Rússia contra a Ucrânia sem fim à vista.Segundo fonte oficial da NATO, em 2024, o conjunto dos 32 países até já cumpria o desígnio dos 2% em defesa, mas como referido, os EUA querem mais e querem ser fornecedores preferenciais do rearmamento em curso na Europa. Problema: há países cujas contas e a sustentabilidade da dívida podem não aguentar. E os efeitos positivos de um modelo económicos puxado pela defesa não são assim tão entusiasmantes, como andam a a fazer crer.Mehdi Fadli e Javier Rouillet, analistas de topo da agência de ratings Morningstar DBRS, foram ver o que pode acontecer aos países europeus, já nos próximos cinco a seis anos, com pressão da subida da fasquia da NATO de 2% para 5% do PIB.“Reavaliámos os impactos orçamentais potenciais decorrentes do aumento das despesas com defesa” e concluímos que “caso os Estados-Membros da NATO aumentem efetivamente a meta para 5% do PIB até, por exemplo, 2030, isso pode subir substancialmente a pressão sobre as finanças públicas a médio prazo, apesar dos possíveis benefícios para o crescimento económico”.“Esperamos que a maior pressão orçamental resultante da expansão dos orçamentos militares recaia sobre os países com elevados rácios dívida face ao PIB e sobre os que já registam défices orçamentais elevados”.Portugal, que atualmente consegue entregar excedentes orçamentais, ainda não saiu do topo do ranking da dívida europeia.Segundo a Comissão Europeia e o Eurostat, Portugal tem ainda a sexta dívida mais pesada da Europa. O rácio está perto de 95% do PIB (final do ano passado), apenas superado por Grécia (154%), Itália (135%), França (113%), Bélgica (105%) e Espanha (102%).Segundo os economistas da DBRS, “uma avaliação abrangente do impacto do aumento das despesas com a defesa nas contas do setor público dos países da União Europeia (UE) é complicada pela incerteza quanto ao momento em que os países atingirão as novas metas e à flexibilidade que terão para redirecionar as despesas públicas existentes para a defesa”.Para estes peritos, muitos países - por causa dos limites do Pacto de Estabilidade e porque têm dívidas muito além dos 60% ou défices persistentes, alguns acima de 3% - vão ter mesmo de fazer escolhas num futuro próximo, de cortar noutras despesas ou arranjar novas fontes de receitas, de modo a garantir a prioridade da defesa sem agravar a dívida.E isto num quadro em que, em contas nacionais, a despesa com despesa até nem vai contar para a avaliação do Pacto.Mas conta para os credores e os investidores internacionais, que são quem ficará a haver dinheiro quando os países forem aos mercados pedir emprestado.Montenegro diz que Estado Social está a salvoEm Haia, em declarações aos jornalistas portugueses, o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, disse que “aquilo que é importante para nós é salvaguardar que faremos isto [subir a quota com despesa para chegar a 5%] com equilíbrio, conciliando todas as nossas responsabilidades, nomeadamente a estabilidade financeira e, por via dela, também a responsabilidade que temos de assegurar às portuguesas e aos portugueses todas as respostas sociais e, portanto, não prejudicar nenhum dos nossos eixos de política pública com o reforço deste investimento”.Na quarta-feira, em entrevista à RTP, foi mais claro. Questionado se o compromisso de Haia não implicará cortes noutras áreas essenciais, como o Estado Social, áreas-chave como saúde ou educação, nem um orçamento retificativo, a resposta do chefe de governo foi: “Rigorosamente zero. Não vamos mexer um cêntimo em nenhuma das nossas áreas de política pública”, declarou, assegurando que o esforço será suportado pela margem orçamental existente e pelas “reservas do Ministério das Finanças”.Nas Finanças e nos fundos europeus que ficaram por utilizar, como já acontece com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).Segundo o Público, o PM disse à margem da cimeira que o investimento adicional que ainda é possível fazer até final deste ano para acelerar no caminho dos novos compromissos pode chegar aos “mil milhões de euros” e deve ser “concentrado na aquisição de equipamento e reforço de infra-estruturas militares, e na valorização de recursos humanos”.Economistas duvidamComo referido, muitos analistas duvidam que os governos consigam manter tudo intacto no resto das políticas pública, tendo em conta o “esforço muito significativo do ponto de vista orçamental” que está a ser pedido. Esta última expressão é a qualificação dada pelo próprio Montenegro na Holanda.“Embora alguns Estados-Membros (EM) da UE tenham se comprometido a aumentar os gastos com defesa, consideramos que a meta de 5% estabelecida pela NATO é um desafio para países que já enfrentam altos níveis de endividamento”, insistem Fadli e Rouillet.Ainda que o plano Rearm Europe (Rearmar a Europa), da Comissão Europeia, “vá ser implementado num quadro em que se suspende temporariamente as regras orçamentais da UE”, “terá provavelmente um resultado nos países que é criar nova dívida nacional” e isso “é nocivo para os indicadores orçamentais”.“Na nossa opinião, alcançar a meta de 5% do PIB em gastos com defesa, mantendo trajetórias conservadoras de défice orçamental, provavelmente exigirá que os governos façam compromissos orçamentais difíceis”.Como por exemplo? Para os analistas, “isso pode passar por restringir ou realocar outros compromissos de despesa, aumentar a receita fiscal ou redirecionar fundos europeus para a defesa”, dizem os da DBRS.Paul Gruenwald, economista da Standard & Poor’s, outra das quatro grandes agências de ratings mundiais, também considera que a dívida é uma pedra no sapato dos governos endividados quando se fala de investir mais em segurança e em meios de guerra.“As taxas de juro das Obrigações do Tesouro têm vindo a subir. Na zona euro, as taxas denotaram uma tendência de subida e “os níveis mais elevados das yields das obrigações refletem as perspetivas de reflação, com um aumento da despesa orçamental em infraestruturas e defesa, principalmente na Alemanha”, que tem em curso um plano de rearmamento e infra-estruturas críticas no valor de 500 mil milhões de euros (e que na sequência da cimeira de Haia já levou o executivo de Berlim a falar de um possível reforço, assim o Parlamento aprove).Economia ganha menos do que se dizOutro aspeto que merece críticas é o suposto impulso positivo e generoso que o investimento em defesa pode dar à economia.Mehdi Fadli e Javier Rouillet dizem que além de o impulso na defesa ser “nocivo” para as métricas orçamentais observadas e relevantes para os investidores e credores, “alguns países europeus poderão beneficiar de vantagens apenas modestas, uma vez que, muito provavelmente, aumentarão sobretudo as aquisições junto de fornecedores nacionais”.Já o grosso do investimento necessário para cumprir Haia vem de fora, dos EUA, sobretudo, e isso abona pouco a favor do investimento: são importações.Os analistas espera “apenas pequenos aumentos de produtividade, em grande parte devido às restrições de capacidade de produção em todo o continente europeu após anos de declínio nos gastos com defesa”.“Os multiplicadores orçamentais associados aos gastos públicos com defesa parecem limitados, sendo que essas despesas militares elevadas exigem importações substanciais, em particular dos EUA, levando a um crescimento real mais forte das importações”, alertam os economistas..NATO: Espanha alcança acordo que isenta país de gastar 5% do PIB em defesa.Gastos com Defesa. Miranda Sarmento diz que Portugal não será dos mais rápidos, mas não ficará para trás