O interesse dos norte-americanos por Portugal ganhou fôlego na última década e intensificou-se no período pós-pandemia. O apetite deste mercado pelo país tem impactado diversas franjas da economia com a fileira do imobiliário a registar recordes de investimento desta nacionalidade quer na vertente de negócio, quer na residencial. Desde 2003, os norte-americanos compraram 6,5 mil milhões de euros em imóveis no segmento comercial, o que representa 18% do volume total registado neste período, revelam os dados da CBRE avançados ao DN. A maior fatia deste investimento concentrou-se na última década, com 6,3 mil milhões de euros aplicados. “Os americanos são os maiores investidores internacionais em imobiliário comercial português”, atesta José Maria Moutinho, head of research da CBRE Portugal. O retalho, os escritórios e a hotelaria assumem a preferência na tipologia de ativos mais cobiçada, embora uma pequena percentagem também pisque o olho à logística. A maioria do capital foi alocado em Lisboa e no Algarve.No ranking das principais origens do investimento neste segmento, entre 2003 e 2024, os Estados Unidos figuram no primeiro lugar das nacionalidades estrangeiras. Seguem-se o Reino Unido (3,84 mil milhões de euros), a França (3,78 mil milhões de euros), a Alemanha (3,06 mil milhões de euros), a Espanha (2,80 mil milhões de euros) e a Holanda (829 milhões de euros). Já os portugueses foram responsáveis por transações no valor de 8,44 mil milhões de euros.Olhando para a linha temporal, o pico do investimento dos norte-americanos foi atingido em 2022, com operações a somar um máximo histórico de 1,3 mil milhões de euros. Com uma performance acima da média, a consultora destaca ainda os anos de 2015 (1,1 mil milhões de euros), 2018 (1,2 mil milhões de euros) e 2019 (993 milhões de euros). “Existe alguma volatilidade na procura americana, o que é natural face à dinâmica do setor e, desde 2022, o montante dos investimentos tem decrescido muito”, sublinha o porta-voz da CBRE. No ano passado, o investimento caiu para os 20 milhões de euros, o que representa uma quebra de 93% face a 2023. Ainda assim, destaca, o país continua a assumir-se como um destino de eleição para estes investidores.“Portugal distingue-se sobretudo pela abertura ao investimento externo, a perceção de segurança e estabilidade política que oferece, num contexto global de incerteza geopolítica. A existência de um mix energético diversificado, com reduzida dependência de fontes sensíveis a conflitos, reforça a confiança das empresas e dos indivíduos que procuram garantir continuidade de abastecimento e uma operação estável. Por outro lado, a qualidade e o nível de especialização do capital humano nacional atraem centros de competências internacionais, fomentando clusters de escritórios e serviços de alto valor acrescentado”, enumera José Maria Moutinho..Procura para comprar casa cresce .Se Portugal se vislumbra como uma aposta apelativa na hora de fechar negócio, as qualidades intrínsecas do país assumem-se, cada vez mais, como um chamariz para os estrangeiros que querem comprar casa fora do país de origem. Há cada vez mais norte-americanos a viver em Portugal e, consequentemente, a adquirir habitação própria. Em 2024 foram registados 4800 novos residentes desta nacionalidade, elevando para perto de 21 mil o número total de cidadãos dos Estados Unidos a viver em território luso, de acordo com os dados Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). No ano passado, os norte-americanos compraram 1707 casas em Portugal, ou seja, mais do triplo do número de habitações transacionadas em 2019 (537), indica o Instituto Nacional de Estatística (INE). “A maioria dos norte-americanos que se estabelecem em Portugal são californianos e, como tal, as semelhanças existentes entre a Califórnia e o território português, em especial a linha costeira em termos de paisagem, geografia ou cultura do surf, fazem com que as cidades de Lisboa, Estoril, Cascais e até a Ericeira estejam no topo das preferências destes investidores”, explica David Moura-George. O diretor geral da Athena Advisers Portugal aponta também o Algarve como um destino emergente que será beneficiado com a nova rota direta entre Faro e Nova Iorque, que será inaugurada este verão. A habitação permanente e a segunda residência são a tipologia de imóveis mais procuradas por este mercado, principalmente no segmento médio-alto e alto. “O mercado americano terá sido o que mais cresceu em número de transações e volume investido entre 2020 e 2024, representando cerca de 40% das aquisições de imóveis premium em Lisboa”, destaca o CEO da Worx, CEO Pedro Rutkowski.O perfil dos que escolhem atravessar o Atlântico para comprar casa é heterogéneo. Destacam-se as famílias com filhos em idade escolar, a maioria empresários e empreendedores com grande incidência na área das tecnologias. Os reformados e os nómadas digitais completam o quadro. .Políticas de Trump fazem disparar interesse por Portugal.Para os vários especialistas ouvidos pelo DN, a atual política protecionista de Donald Trump não deverá refrear os planos de investimento dos norte-americanos. “A política e a insegurança no seu país são das razões mais frequentemente citadas para a onda de migração nos Estados Unidos. Os norte-americanos olham para Portugal como uma oportunidade de investimento única, atraídos por uma governação estável, riqueza cultural e um estilo de vida apelativo. No atual clima de polarização e de escalada das políticas discriminatórias de Trump, os norte-americanos valorizam especialmente a estabilidade, segurança e inclusão de Portugal”, refere David Moura-George. O responsável da Athena Advisers revela que a consultora tem registado um aumento crescente do interesse por parte de casais homossexuais e de pessoas transgénero. “A procura por casa em Portugal cresceu logo no período pós-eleições e tem vindo a acentuar-se devido às políticas que afetam não só a economia, mas também as liberdades dos cidadãos”, adianta. A perda de poder de compra, defende ainda, não se vislumbra como uma ameaça. “Os americanos têm bons níveis de poupança, o que lhes permite muito rapidamente pôr em marcha um plano B para as duas vidas”, remata. Já a co-head residential da JLL Portugal alerta que qualquer mudança significativa na liderança política dos Estados Unidos tende a gerar um grau de incerteza económica e institucional. "Este cenário pode influenciar o comportamento dos investidores norte-americanos, que, face à instabilidade interna, tendem a procurar alternativas fora do seu país. Nos últimos anos, temos vindo a assistir a um aumento progressivo do interesse dos americanos pelo mercado imobiliário português, motivado sobretudo pela procura de maior estabilidade, qualidade de vida e segurança, fatores que Portugal continua a oferecer", refere Maria Empis. O CEO da Era Portugal, Rui Torgal, corrobora . “As políticas internas e externas associadas à figura de Donald Trump, sobretudo em períodos eleitorais ou de instabilidade social tendem a gerar movimentos migratórios voluntários ou diversificação patrimonial por parte de norte-americanos com maior poder de compra. Nesse contexto, Portugal afirma-se como um potencial destino de refúgio, quer político, quer económico”, frisa. Por fim, Pedro Rutkowski destaca a existência de uma comunidade americana em Portugal "cada vez mais sedimentada e satisfeita, sobretudo em Lisboa, Cascais e Porto". O presidente executivo da Worx acredita na balança pesa ainda a "perceção de um evidente clima de segurança, de um sistema de saúde com qualidade e por preço comparativamente acessível e de um modo de vida tranquilo e confortável" a que se junta um regime de benefícios fiscais "mesmo que pontuais para não residentes, continuarão a tornar Portugal num destino de residência atrativo para estes cidadãos". .Vistos de reformados e nómadas impulsionam investimento.Nos últimos anos, o programa dos vistos gold foi uma das principais vias de entrada de capital estrangeiro no país. "O programa dos Vistos Gold teve um papel muito significativo na atração de investimento dos norte-americanos, que por várias vezes estiveram no topo em termos de vistos concedidos ao abrigo dos vistos gold", relembra David Moura-George. As recentes alterações não travaram, ainda assim, a sede deste mercado em investir no país. "A possibilidade de obter o visto através do investimento em imobiliário terminou, de facto, mas existe uma ampla gama de ativos não imobiliários que garantem aos investidores a atribuição desse visto, como é o caso dos fundos de investimento que atuam em áreas tão diversas como a hospitalidade, energias renováveis, investigação e desenvolvimento, entre outras", esclarece. Por outro lado, Rui Torgal, considera que "apesar de relevante" este mecanismo traduziu-se apenas "num incentivo que nunca teria tido um impacto efetivo na economia nacional se Portugal não reunisse uma série de atributos diferenciadores". Para o porta-voz da Era, os vistos gold são "uma ferramenta para atrair investimento, mas não um fator decisivo para o aumento da atratividade do mercado". Do rol de alternativas a estes vistos fazem parte as autorizações de residência destinadas a trabalhadores remotos e pensionistas ou reformados. “O interesse por Portugal não esmoreceu e muitos investidores norte-americanos recorrem aos chamados vistos D7 e D8 para os chamados rendimentos passivos e nómadas digitais. Ainda que marginal face às anteriores, alguns optam também pelo visto D2 destinado a quem quer investir ou abrir um negócio em Portugal”, indica o CEO da Worx. .Turismo antecipa quebra na procura de americanos e perdas de milhões com políticas de Trump.Raio-X aos turistas norte-americanos: os 'big spenders' que procuram o luxo da cama à mesa