Meta acorda de um sonho virtual com 70 mil milhões de perdas. Zuckerberg “desliga” o Metaverso e vira-se para a Superinteligência
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Meta acorda de um sonho virtual com 70 mil milhões de perdas. Zuckerberg “desliga” o Metaverso e vira-se para a Superinteligência

Após queimar dinheiro a jorros num universo virtual que até os funcionários rejeitaram, a dona do Facebook prepara cortes drásticos na Reality Labs para entrar na ainda mais cara guerra da Inteligência Artificial, com o novo projeto Avocado, que abandona a estratégia 'open-source'.
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Quando Mark Zuckerberg rebatizou a empresa-mãe do Facebook como Meta, em 2021, a declaração de intenções foi clara: o metaverso seria a “próxima grande fronteira”, o sucessor natural da internet móvel e o destino final da interação humana. Um universo virtual onde as pessoas - ou os seus avatares - pudessem ter uma “segunda vida”, ou uma extensão da mesma, de trabalho e lazer, aumentando a produtividade onde quer que estivessem no mundo desenvolvido. Quase cinco anos depois, essa aposta transformou-se numa das “desventuras” mais caras da história da tecnologia moderna. Confrontado com a realidade implacável dos números e sob forte pressão de Wall Street, o CEO prepara-se para uma inversão de marcha histórica.

A decisão foi tomada esta semana numa reunião estratégica no complexo de Zuckerberg no Havai: a Meta vai cortar até 30% no orçamento da Divisão Reality Labs já em 2026, segundo noticiado pela Fortune e pela Bloomberg. O objetivo é estancar uma hemorragia financeira que já ultrapassa os 70 mil milhões de dólares (cerca de 59,7 mil milhões de euros) em perdas acumuladas desde 2021. Uma mudança de rumo com efeito imediato, com nova ronda de despedimentos em massa já a partir de janeiro de 2026 - as equipas responsáveis pelo mundo virtual Horizon Worlds e pelo hardware de realidade virtual (VR) estão na linha da frente dos cortes.

Um deserto digital que nem os criadores habitam

A decisão de “desligar a ficha” não surpreende quem tem acompanhado os bastidores da empresa. A Forbes revela dados demolidores sobre a rejeição do produto: desde 2019, a Meta vendeu apenas cerca de 20 milhões de headsets (dispositivos de VR) Quest - um número que a Apple atinge em vendas de iPhones em poucas semanas. O cenário no software é ainda mais desolador. Em 2022, a base de utilizadores do Horizon Worlds chegou a ser estimada em “38 pessoas”… E, mesmo os dados mais otimistas de 2023, apontavam para apenas 200.000 utilizadores ativos num ecossistema desenhado para albergar mil milhões.

O dado mais revelador sobre este fracasso vem mesmo de dentro de portas. Durante a pandemia - e lembremos que o metaverso foi precisamente pensado para situações de teletrabalho, para que, em teoria, reuniões para apresentações fossem mais simples e interativas - relatórios internos indicaram que os próprios funcionários da Meta evitavam usar os headsets, queixando-se do peso excessivo, dos gráficos rudimentares e dos enjoos provocados pelo equipamento.

O bloqueio do hardware e a crise dos chips

Contudo, o fracasso da Meta é sintomático de uma indústria inteira em que a ambição do software ultrapassou largamente a capacidade física do hardware. O metaverso continua a ser uma promessa tecnicamente possível, mas na prática inviável, ou pelo menos de pouco apelo, para as massas, com uma taxa de penetração global de hardware VR a rondar uns irrisórios 1,6% (dados da DemandSage deste ano), contra os 47% da indústria tradicional de videojogos.

Mark Zuckerberg fez viragem histórica na Meta.
Mark Zuckerberg fez viragem histórica na Meta.CC

A concorrência enfrenta o mesmo muro. A Apple, com os seus óculos de realidade aumentada Vision Pro, debate-se com vendas fracas e pausas na produção, enquanto a Sony foi forçada a cortar o preço do PSVR2 para 350 euros, menos 100 do que antes e bem menos do que os quase 600 no lançamento, em fevereiro de 2023. Em dois anos, o fabricante japonês vendeu menos de 1,5 milhões de unidades desta segunda versão do seu sistema de VR para a PlayStation.

Para agravar todo este cenário, o desenvolvimento do metaverso enfrenta agora um inimigo invisível: a própria Inteligência Artificial. A atual “corrida ao ouro” da IA criou um buraco negro que absorve todo o hardware disponível. Relatórios de dezembro de 2025 indicam que o preço da memória RAM disparou até 600% em certos mercados, com os fabricantes a desviarem toda a produção para servidores de IA. A situação atingiu contornos insólitos na Samsung, onde a Divisão Móvel reporta dificuldades em adquirir chips à sua própria Divisão de Semicondutores, que prefere vender a capacidade de produção a gigantes de IA a preços premium [ler texto ao lado]. Com o “silício” a preços proibitivos, criar headsets acessíveis tornou-se uma impossibilidade financeira.

Entra o projeto Avocado. E goodbye open-source

O dinheiro poupado no metaverso não ficará nos cofres da empresa. A Meta está a redirecionar maciçamente estes recursos para a nova obsessão de Silicon Valley. A estratégia passa agora pelo abandono da filosofia open-source do modelo Llama em favor de um novo modelo comercial e proprietário, com o nome de código Avocado, previsto para o primeiro trimestre de 2026.

Para liderar esta frente, a empresa criou a unidade Superintelligence Labs, contratando talento da OpenAI e da Apple a peso de ouro. A previsão é que a Meta gaste cerca de 72 mil milhões de dólares em IA só este ano, mais do que perdeu no metaverso em quatro anos.

No campo do hardware, a lição parece ter sido aprendida. O sucesso dos óculos Ray-Ban Meta ditou o fim dos “tijolos na cara”: o lançamento do Quest 4 foi adiado para 2027 e o foco muda para dispositivos ultraleves com processamento externo, desenhados sob a alçada de Alan Dye, ex-executivo da Apple recentemente contratado.

Wall Street entre a euforia e o medo

A resposta dos investidores a esta reestruturação foi volátil. Inicialmente, a notícia dos cortes no metaverso fez as ações da Meta dispararem mais de 4%, com Wall Street a celebrar o fim de uma “distração dispendiosa”. No entanto, o sentimento azedou esta quinta-feira, 11 de dezembro, com o mercado a recuar cerca de 1% após a Oracle apresentar resultados dececionantes, devido aos custos de infraestrutura de IA.

O medo dos investidores é simples foi resumido pelo analista Craig Huber, da Huber Research: a mudança foi “inteligente, mas tardia”. Zuckerberg pode assim ter fechado a torneira do metaverso apenas para abrir outra, igualmente cara e incerta, na Inteligência Artificial, tendo em conta a forte concorrência e o atraso que a sua empresa enfrenta.

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