Quais são os principais desafios do associativismo agrícola atualmente?O associativismo é sempre difícil de praticar. Portugal não tem culturalmente uma grande apetência para o associativismo. Na Holanda a percentagem é de cerca de 90, nós temos 22%.E qual é a explicação que tem para isso?Primeiro é uma questão cultural, segundo uma questão de conhecimento, de educação mesmo, que leva a que aioss pessoas que se juntam a terem maior capacidade negocial perante os compradores. Têm um conjunto de regalias que esses regulamentos comunitários e esses fundos lhes dão.Isso tem a ver com a diferença de peso que têm os grandes produtores, dos que têm menos? Aderem mais os grandes a estas estruturas, porque percebem rapidamente a capacidade que têm. Mas não é fácil o associativismo em Portugal. As pessoas estão muito individualistas e isso tem de melhorar ao longo dos anos, mas é difícil pôr em prática. A CAP tem uma representativa atividade. Cerca de 80% dos agricultores estão filiados nas organizações filiadas da CAP. Mas há uma tendência quase inata para não se associar e para a pessoa querer ver muitas coisas do ponto de vista individual.. Em relação ao novo Código do Trabalho, agora em discussão, já se falaram em linhas vermelhas. A CAP tem linhas vermelhas ou não?Não, a CAP não tem linhas vermelhas, aliás, o presidente da CAP fez umas declarações exatamente a chamar a atenção dos sindicatos para que se invertesse esta postura na negociação. Não é colocar linhas vermelhas, é colocar linhas verdes e saber-se o que é possível negociar. São 100 medidas. Parece que estamos aqui numa situação de tudo ou nada: ou se aprova tudo ou não se aprova nada. Queremos fazer evoluir o país do ponto de vista das regras do Código de Trabalho, a sua maioria aponta medidas para eliminar as partes cinzentas do Código de Trabalho. Os trabalhadores que são trabalhadores que cumprem, que chegam a horas, que desempenham as suas funções com toda a qualidade, não têm nada de ficar preocupados com as alterações do Código de Trabalho.Na sua opinião, quais são as áreas cinzentas?Dou dois ou três exemplos. A questão da amamentação que foi muito falada. O que existia, na prática, é que havia pessoas menos conscientes, para não dizer outra coisa, que prolongavam até aos 8 anos a amamentação. E as pessoas têm de perceber que a empresa é que suporta, em cada mês, uma semana para essa pessoa sair mais cedo para poder amamentar o filho. Quando se fez esse artigo no Código de Trabalho, não era para chegar aos 8 anos, era para ter um tempo razoável e foi isso que o Governo propôs, chegar até aos dois anos. Portanto, não se está a retirar o direito, não se quer acabar com isso, quer-se acabar com os abusos. Outro exemplo muito falado. Diz-se que este Governo quer acabar com a lei da greve. Não é nada disso. Tem a ver com a atual legislação do Código de Trabalho, que regulamenta a lei da greve e obriga a serviços mínimos. Mas, na prática, não há serviços mínimos.E essas áreas cinzentas também se refletem na agricultura?Não, a agricultura está ao contrário destes problemas, porque a agricultura debate-se com uma falta de mão de obra enorme. Quem tem trabalhadores estima esses trabalhadores, cria-lhes todas as condições para eles continuarem a funcionar, especialmente aqueles que são de boa qualidade.Mas depois também há trabalhadores ilegais, não é?Isso há sempre. Não é só na agricultura. Se não são aceitáveis, devem ser combatidos. Aliás, esses casos são tudo casos à margem, porque as empresas que vendem para exportar, que vendem para as grandes superfícies, são obrigadas a ter uma certificação.Mas essas são as grandes empresas, nós estamos a falar também dos mais pequenos.Pois, mas os pequenos comerciantes também têm de cumprir a lei. O que eu estou a querer dizer com isto é que não é a generalidade das empresas, nem a generalidade dos produtos que faz isso, e quem pode fazer isso são aqueles que têm um tipo de produção menos estruturado, menos organizado. Aliás, há um ónus sobre a questão de Odemira. Parece que, às vezes, as pessoas não querem ver a realidade. Vão ver e façam reportagens em Odemira, nas empresas de maior dimensão.Isso não terá a ver com os trabalhadores, terá mais a ver com os sítios onde eles vivem ou sobrevivem?Quando vamos a um restaurante e não vemos as pessoas que estão na cozinha, sabemos onde é que elas dormem, em que condições é que dormem? Se vemos pessoas a fazer outro tipo de tarefas, da limpeza, da segurança, tudo isso, vamos lá verificar se eles vivem cinco num quarto ou se vivem dois? Não estou a dizer que não há casos. Há e eles são conhecidos, mas têm de ser fiscalizados, temos de eliminar isso.Como é que se consegue, ou não, convencer um Governo a apostar e investir mais na agricultura?Eu acho que essa tem sido uma característica desde há 50 anos. À medida que a população ativa diminuiu na agricultura, passámos de uma situação que rondava uns 25% da população ativa. Na década de 60 eram 40% da população portuguesa que estava ligada à agricultura, hoje são 4%. Como o sistema político em Portugal é determinado por um voto de uma pessoa, não há nenhuma câmara que reflita o território - eu acho que isso foi determinante para quem governa. Os políticos pensam nos votos, e a agricultura tem poucos votos, tem muito território, mas tem poucos votos.Então quer dizer que é também por isso que a agricultura portuguesa em Bruxelas não consegue impor-se?A agricultura portuguesa em Bruxelas tem dificuldade em se impor porque nós pesamos 2,6% nessa sociedade e, portanto, um acionista que tem 2,6% manda pouco, nem consegue definir o rumo que essa empresa leva e isso acontece um bocadinho em Bruxelas. Mas o maior problema está nestes 50 anos de política agrícola. Nunca houve uma política agrícola portuguesa que soubesse utilizar, ou dirigir, ou dar um rumo aos dinheiros que Bruxelas põe à disposição dos países.. Está a afirmar que a CAP tem alertado os Governos, apresentando soluções para os problemas da agricultura? É assim tão fácil criar a tal autoestrada da água, que propôs?Primeiro, é preciso dizer que a expressão nem é minha, já vinha dos anos 50. Aquilo que se pretende é ter uma redistribuição de água que permita trazer a água que ia direta para o mar. Com isto, não se vai tirar água a nenhum agricultor em nenhuma região, vai-se tirar ao mar, para as zonas onde há menos, e trazer essa água de forma a distribuí-la melhor pelo interior do país. A água, hoje, é uma forma de combater as alterações climáticas, que são uma realidade, e de garantir que daqui a 20, 30 anos, nessas regiões, se consegue continuar a produzir.Mas para fazer isso é preciso investimento.É. E não é fácil encontrar tantos milhões, nem sabemos muito bem quantos, para construir essas infraestruturas. Sabemos que o Governo apresentou uma proposta que prevê um investimento de 5400 milhões de euros, dividido por 5 anos, de 2026 a 2030. Esperemos que concretize essa sua intenção.E acha que essa distribuição hídrica é responsável?Eu acho que é. A CAP já deu nota disso publicamente. Nós apoiámos e demos os parabéns ao Governo, por ter tido a coragem de anunciar esse investimento. É a água que traz rendimento, é a água que traz a mudança do tipo de pessoas que ali vivem. Eu gostava de deixar este raciocínio: o PSD ganhou, pela primeira vez, o Conselho de Beja. Acho que mais do que uma questão ideológica foi a mudança económica que se fez ali.Como é que vê o crescimento da agricultura intensiva e superintensiva em Portugal?Esse é um crescimento positivo, mas primeiro gostava de explicar que essa expressão intensiva e superintensiva não foi feliz. Podia chamar-se um olival em sebe, e já esta questão não se colocava. Outro exemplo: muitas pessoas pouco informadas acham que a estufa é um sítio muito mau para o ambiente. Bom, vamos esclarecer. Uma estufa é um hotel de cinco estrelas para as plantas. No circuito de água, não se perde uma gota, porque a água funciona toda em circuitos. Quando se aquece uma estufa, injeta-se o CO2 para dentro da estufa para que a fotossíntese da planta seja levada ao máximo. Isto permite que as pessoas hoje possam comer hortícolas no inverno.Mas Portugal tem muita diversidade agrícola e há plantações que têm mais problemas porque os custos são maiores. Por exemplo, a vinha. Há um problema grande com a produção de vinho em Portugal, e não só, mas como é que se sustenta determinada produção em relação a outras que não têm tantos custos? Primeiro, o mercado tem de funcionar. Segundo, a produção de vinho em Portugal não chega para aquilo que nós consumimos, porque somos os maiores consumidores. Portugal não consegue produzir para aquilo que necessita. Agora, para o produtor de vinho, que produz a uva e a vende ou entrega numa cooperativa, a vida é muito difícil. Porque a mais-valia que lhe acrescenta a colocação do vinho na garrafa não fica para ele e, portanto, aí tem muito mais dificuldade. As culturas mediterrânicas são aquelas onde nós temos mais capacidade competitiva face a outras regiões do mundo. E eu acho que vai acontecer aquilo que aconteceu com a onda da Nazaré. Temos regiões no país que são das melhores do mundo. Até que um dia chega cá alguém e diz: isto é o melhor do mundo. Como a onda da Nazaré, que estava lá há milhares de anos e chegou um americano e disse, isto é a maior onda do mundo. A agricultura tem essa realidade. A floresta tem de ser encarada como uma atividade económica para ser gerida. Foi uma vitória para a CAP a junção no Ministério da Agricultura?A junção era vitória se as coisas andassem melhor. No congresso da CAP ouvi números que não me saíram da memória. Em 50 anos Portugal teve 30 Governos. Cada Governo teve em média 1,6 anos e houve 2250 governantes. Portanto não é fácil ter uma estratégia, ter desenvolvimento e pensar-se a médio ou longo prazo. A agricultura não é uma coisa imediata.Além daquilo de que já falou e daquilo que é importante que se faça na agricultura imagina-se por uns tempos, ministro desta área em Portugal? Quais seriam as suas prioridades?Era difícil eu ser ministro da agricultura porque com os anos que levo do lado de cá da cortina, para aceitar um desafio desses, impunha condições que teriam de ter um orçamento superfolgado para poder proporcionar umas centenas de milhões de euros. Teria de não ser o ministro mais fraco do Governo.Acha que o atual ministro é o mais fraco deste Governo? Não tem a ver com o ministro tem a ver com a pasta, não tem a ver com as pessoas, não é deste ministro. É dos ministros todos nos últimos 20 anos. Não é pessoal, é factual. Isto tem de ser recentrado como um setor que já demonstrou que, numa crise como a covid, responde rapidamente, numa crise como tivemos com a troika foi o primeiro setor a responder e que teve capacidade de exportar. Espanha alimenta a Europa com hortícolas e com frutas. Nós nunca o fizemos e conseguimos colocar algumas hortícolas cerca de duas ou três semanas antes dos outros países no mercado. Temos de contar com o investimento público para que ele consiga produzir. Temos de ter uma visão económica da floresta também e não aquilo que acontece nos últimos anos, em que a floresta é vista pelo Estado como um parque temático. Assim não dá.. Quais considera terem sido as maiores conquistas da Confederação dos Agricultores de Portugal ao longo destes 50 anos?A primeira grande conquista foi a devolução das terras ocupadas no dia 25 de Abril. Essa é a razão do nascimento da CAP. Uma segunda conquista foi a internacionalização do movimento associativo português, que se fez com a entrada para a União Europeia. Depois, ter uma delegação em Bruxelas. Nessa altura a informação não fluía como hoje e era preciso ter lá alguém para trazer essa informação e para a descodificar. Depois, na década de 90, houve a necessidade de criar um departamento técnico, porque sem um departamento técnico forte não é possível ter posições políticas sólidas, estruturadas, eu diria, de médio ou longo prazo. Nessa década, houve uma delegação de competências do Estado na CAP - funções delegadas da Comissão Europeia no Estado português e do Estado português na CAP, com a realização das candidaturas anuais. Há 180 mil agricultores todos os anos que se candidatam às ajudas e era preciso fazer a sua explicação e divulgação.