Lagarde em Sintra: “Não está garantida uma aterragem suave da economia”
"Não está garantida uma aterragem suave da economia” da Zona Euro, nem tão pouco se pode excluir a ocorrência de novos choques externos sobre a inflação e perturbações no caminho de descida das taxas de juro, avisou Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), na intervenção de abertura do Fórum BCE, que decorre em Sintra, Portugal, entre segunda e quarta-feira desta semana.
A chefe máxima da autoridade monetária explicou como esta crise foi diferente de outras no passado pois tornou muito mais difícil medir o grau de enraizamento da inflação.
Ao mesmo tempo, apesar de já ter iniciado a descida de taxas de juro (em junho), Lagarde avisou que a economia ainda pode estar a assimilar o aumento passado e muito forte das taxas de juro do BCE, ao mesmo tempo que não pode colocar de parte, como referido, um novo choque externo sobre os preços (do lado da oferta, como uma nova subida no custo da energia ou dos alimentos, por exemplo).
Tal levaria o Banco Central Europeu (BCE) a ter de ir mais devagar na descida dos juros ou mesmo a interromper o ritmo do alívio.
Em Sintra, perante a audiência de banqueiros centrais, de investidores e muitos economistas e investigadores académicos, a presidente do BCE admitiu que houve progressos positivos no combate à inflação, recordando que, dado o enorme choque que existiu na inflação (exponenciado pelo começo da guerra contra a Ucrânia), no início de 2022, “sabíamos que estávamos longe de onde precisávamos de estar” em termos de taxas de juro. Até julho de 2022, as taxas do BCE estiveram em zero, em mínimos históricos.
Nessa altura, continuou Lagarde, “o fator mais importante foi colmatar o hiato, o que ainda faltava, o mais rapidamente possível”.
“Por isso, tivemos uma subida historicamente acentuada no início da nossa trajetória de taxas, com aumentos de 0,75 e 0,5 pontos percentuais nas nossas primeiras seis subidas de taxas”, relembrou.
Mas Lagarde assumiu que atualmente os dados dizem ao BCE para tirar o pé do travão das taxas, embora não se perceba ainda muito bem se o crescimento económico e o emprego se vão manter incólumes a estes dois anos de apertos.
“A nossa trajetória de política ajudou a controlar a inflação, mas também enfraqueceu o crescimento económico”, diz a líder do BCE.
“As taxas de juro subiram de forma constante e permaneceram elevadas enquanto a economia estagnou durante cinco trimestres consecutivos”.
Para Lagarde, “este padrão é inevitável quando os bancos centrais enfrentam choques que empurram a inflação e a produção em direções opostas”, mas, desta vez, “os custos da desinflação foram contidos em comparação com episódios semelhantes no passado”.
No entanto, uma “característica específica deste ciclo económico” é que “dada a magnitude do choque sobre a inflação, uma aterragem suave ainda não está garantida”, avisou.
“Se olharmos para os ciclos históricos das taxas desde 1970, podemos ver que quando os principais bancos centrais aumentavam as taxas de juro enquanto os preços da energia estavam elevados, os custos para a economia eram geralmente bastante altos”.
“Apenas cerca de 15% das aterragens suaves bem-sucedidas neste período - isto é, em que se evitou recessão ou grande destruição de emprego - foram alcançadas na sequência de choques nos preços da energia.”
A ex-ministra das Finanças de França mostrou-se confiante, afirmando que “este ciclo até agora não seguiu os padrões do passado”, sendo que “a inflação atingiu um pico muito mais elevado do que durante as aterragens suaves anteriores, mas também abrandou mais rapidamente”.
Para já, “o crescimento manteve-se dentro do intervalo dos anteriores episódios de aterragem suave, embora próximo do limite inferior desse intervalo” e o desempenho do mercado de trabalho tem sido “excecionalmente benigno”.
Apesar do abrandamento do Produto Interno Bruto (PIB), o emprego continuou a crescer (“mais 2,6 milhões de pessoas desde o final de 2022”) e o o desemprego na Zona Euro “está em mínimos históricos”, indica Lagarde.
Assim, “a resiliência do mercado de trabalho é em si um reflexo da combinação invulgar de choques que atingiu a área do euro, com a escassez de mão-de-obra a levar as empresas a acumular mais mão-de-obra, e lucros mais elevados e salários reais mais baixos tornando-lhes mais fácil fazê-lo”.
No entanto, continua a decisora de política monetária, “agora enfrentamos várias incertezas relativamente à inflação futura, especialmente em como evoluirá o nexo entre lucros, salários e produtividade e se a economia será atingida por novos choques do lado da oferta”.
Segundo a chefe do BCE, ainda “levará algum tempo até reunirmos dados suficientes para ter a certeza de que os riscos de inflação acima do nosso objetivo já passaram”.
Ou seja, é o tempo que se calhar vai ser crucial para o BCE avaliar se pode continuar ou não a descer juros, a dar sequência ao que começou no mês passado.
“O mercado de trabalho forte significa que podemos reservar algum tempo para recolher novas informações, mas também precisamos de estar conscientes do facto de que as perspetivas de crescimento permanecem incertas”.
“Tudo isto suporta a nossa determinação de sermos dependentes dos dados e de tomarmos as decisões de política reunião por reunião”, conclui Lagarde.