Na mesma semana em que o Instituto Nacional de Estatística decidiu suspender durante seis meses a publicação da maior e mais detalhada (e única) estatística nacional sobre valores das rendas e número de contratos celebrados em Portugal desagregados até níveis regionais e locais (municipais), o governo avançou com novas medidas para, segundo diz, tentar dinamizar o mercado e baixar o custo do arrendamento, um dos maiores problemas da habitação no País.Problema: sem esta fonte crucial de informação, a mais completa e estrutural disponível, a monitorização dos efeitos das políticas só voltará a ser possível de forma mais integral e com maior escrutínio público daqui a meio ano, no final de março de 2026.O governo e o país ficarão, assim, privados de um instrumento de avaliação fulcral (e o mais abrangente) do mercado de arrendamento e dependentes de outras fontes de informação que existem, como as fornecidas pelas empresas imobiliárias ou os dados internos administrativos (não públicos) coligidos pelo Fisco e pelas conservatórias (registos e notariado) que decorrem dos contratos celebrados, terminados ou modificados, por exemplo.O INE publicou a 27 de junho aquela que será a última das “Estatísticas das Rendas da Habitação ao Nível Local”, referentes ao primeiro trimestre.A próxima colheita será divulgada apenas a 27 de março de 2026.A decisão suspendeu com efeitos imediatos a divulgação da estatística que estava agendada para 26 de setembro passado.Isto foi um dia depois de o primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter anunciado em conferência de imprensa, o referido pacote “Construir Portugal –Arrendamento e Simplificação”, que será implementado pela tutela desta área, que cabe ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz.“O INE suspende temporariamente a divulgação das Estatísticas das Rendas da Habitação ao Nível Local do 2.º e do 3.º trimestres de 2025, na sequência da receção de informação revista e de informação nova da Autoridade Tributária (AT) sobre contratos de arrendamento”, confirmou o instituto ao DN/Dinheiro Vivo.O INE explica que “com estes novos fluxos de dados será possível a revisão metodológica desta operação estatística, com divulgação de novas séries de dados mais completos”.“Dada a exigência do respetivo processamento/tratamento de dados, o INE planeia retomar esta divulgação com os resultados do 4.º trimestre de 2025 (e as séries completas revistas) em 27 de março de 2026.”Porquê agora?Segundo o INE, as Estatísticas das Rendas da Habitação ao Nível Local ficarão melhores e mais completas.A decisão decorre de uma alteração legislativa muito relevante que entrou em vigor a 1 de agosto passado, que permite a quem arrenda poder comunicar à AT os contratos celebrados com os senhorios quando estes não o façam "atempadamente".A medida pode ter o mérito de iluminar melhor um mercado que, além do problema dos valores exacerbados das rendas, assume altos graus de informalidade, com muitos casos de arrendamentos ilegais, não declarados.Segundo o governo, a portaria n.º 106/2025/1, de 13 de março deste ano, vem regulamentar uma lei que já existia (de 2023).De acordo com o diploma que entrou em vigor a 1 de agosto passado, "os locadores e sublocadores [os senhorios] têm a obrigação de comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a celebração, alteração, ou cessação de contratos de arrendamento e subarrendamento, ou, no caso de promessa, da disponibilização do bem locado, nos termos e prazos previstos no artigo 60.º, n.os 1 e 2, do Código do Imposto do Selo (IS), através da Declaração Modelo 2 de IS, bem como proceder ao pagamento do imposto que for devido".A referida Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, "que aprovou medidas no âmbito da habitação, alterou o artigo 60.º do Código do IS, conferindo aos locatários e sublocatários a possibilidade de comunicarem os contratos de arrendamento, subarrendamento e respetivas promessas, bem com as suas alterações e cessação, sempre que os locadores e sublocadores não cumpram a sua obrigação atempadamente (n.º 4 do artigo 60.º do Código do IS)"."Esta comunicação, facultativa para os locatários e sublocatários, visa permitir o cruzamento da informação com os dados constantes da Declaração Modelo 2 do IS", explica a portaria assinada pela secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Melo de Carvalho.A Comunicação do Locatário ou Sublocatário (CLS) a enviar ao Fisco "é exclusivamente apresentada por transmissão eletrónica de dados, através do Portal das Finanças, após autenticação dos locatários ou sublocatários, de acordo com os procedimentos aí indicados"."O locatário ou sublocatário deve indicar o motivo da comunicação, a qual deve ser acompanhada do contrato de arrendamento ou subarrendamento objeto da comunicação, bem como dos documentos que comprovem os elementos comunicados" e "por cada contrato de arrendamento ou subarrendamento, respetivas alterações e cessação, bem como contrato promessa com a disponibilização do bem locado, deve ser apresentada uma CLS".É este manancial de nova informação na posse das Finanças que o INE vai agora incorporar para tentar chegar a um retrato mais fiel da situação e das dinâmicas do mercado de arrendamento em Portugal.O pacote do governoNa quinta-feira da semana passada (25 de setembro), o primeiro-ministro revelou "um conjunto de medidas no domínio da habitação".O Conselho de Ministros aprovou medidas como "redução da taxa de IVA para 6% na construção de habitações para venda até 648 mil euros ou, no caso de arrendamento, para rendas até 2.300 euros", um regime fiscal que deve vigorar até 2029;"agravamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) na compra de habitações por cidadãos não residentes em Portugal, excluindo emigrantes";"isenção do pagamento do adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) no caso de habitações colocadas para arrendamento até 2.300 euros";"aumento das deduções em sede de IRS com rendas de habitação: 900 euros em 2026 e 1.000 euros em 2027";"redução da taxa de IRS para senhorios que pratiquem rendas moderadas: de 25% para 10%".Isto entre outras medidas "num conjunto mais vasto de iniciativas na área da habitação, em articulação com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e com os objetivos de reforçar a oferta de habitação a preços acessíveis", disse Luís Montenegro.Renda moderada, um novo conceitoUm dos termos que causou mais polémica foi a definição por parte do governo sobre o que é o valor de "renda moderada", bem diferente da "acessível".O ministro Pinto Luz deu várias entrevistas em que contrariou a ideia de que o teto 2.300 euros é uma renda demasiado elevada, dando como exemplo a realidade que se vive em áreas de enorme pressão nos preços das casas, como as cidades de Lisboa e Porto.Em entrevista ao Eco, o governante disse mesmo que "acreditamos que, com os valores de mercado que hoje se praticam, com a renda até 2.300 euros, nós estamos a ir diretamente à classe média"."Sou daqueles que continuam a acreditar que 5.750 euros de rendimento mensal para uma família portuguesa, estamos a falar de uma classe média. Só em Portugal é que é entendido esta família como uma família rica. Porque estamos a falar, de dois engenheiros, um professor e uma engenheira, dois médicos, dois enfermeiros, um enfermeiro e uma médica".Sem a estatística abrangente do INE, agora suspensa, a dúvida adensa-se.Dados do INE sobre a situação no primeiro trimestreOs últimos dados oficiais, referentes ao primeiro trimestre, indicam que o país está sob uma pressão histórica nos preços do arrendamento, com subidas de dois dígitos, especialmente pronunciadas nas grandes áreas urbanas, onde está concentrada a maior parte da população."No 1.º trimestre de 2025 (dados provisórios), a renda mediana dos 23.417 novos contratos de arrendamento em Portugal atingiu 8,22 euros por metro quadrado (m2)", diz o INE. A mediana é o valor que está exatamente a meio da distribuição dos valores encontrados. Acima desta podemos encontrar, para a mesma região, preços muito mais elevados.Seja como for, esse valor mediano nacional estava a crescer 10% face ao primeiro trimestre de 2024, e a acelerar, isto é, "superior ao observado no trimestre anterior (9,3%)". "Quando comparado com o 1.º trimestre de 2024, o número de novos contratos de arrendamento diminuiu 10,4%".O INE indicou ainda que no primeiro trimestre deste ano, "verificou-se um aumento homólogo da renda mediana em 23 dos 24 municípios com mais de 100 mil habitantes, destacando-se Gondomar (24,4%) com a maior variação homóloga e Lisboa com a maior renda mediana (16 euros/m2), embora com uma taxa de variação homóloga (5,1%) inferior à nacional (10%). Braga (-0,9%) foi o único município a apresentar um decréscimo no valor da renda.A assinatura de contratos de arrendamento foi mais dinâmica em "16 dos 24 municípios com mais de 100 mil habitantes", com "taxas de variação homóloga do número de novos contratos superiores ao valor nacional (-10,4%)", destacando-se Barcelos (4,2%) e Setúbal (3%) como os locais onde o mercado mais se expandiu.