Governo diz que preços da habitação vão descer, mas há quem não concorde. O que precisa de saber sobre a lei dos solos que entra hoje em vigor
A alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), conhecida como a lei dos solos, entra esta quarta-feira, 29, em vigor.
O decreto-lei 117/2024, de 30 de dezembro, visa a conversão de solos rústicos em urbanos de forma a dar resposta à crise da habitação. A reclassificação dos terrenos fica nas mãos dos municípios.
O Governo garantiu, no inicio do ano, que o diploma irá permitir a redução em 20% do preços das novas casas nas áreas metropolitanas e capitais de distrito, com valores abaixo dos praticados no país no ano passado. O Ministério da Coesão Territorial assegurou ainda que a lei irá prevenir e impedir a especulação imobiliária.
Entendimento diferente tem a Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) que defende que os preços dos terrenos rústicos irão disparar.
“Ficam com capacidade construtiva e passam a valer muito mais, Os proprietários vão querer vender a preços de mercado”, explicou ao DN o presidente da APPI, Hugo Santos Ferreira.
Também o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) acusa o regime de ser “inócuo em relação aos objetivos visados e danoso do ponto de vista dos efeitos urbanísticos, ambientais, sociais e de investimento público”.
O CNADS alega que o diploma do Governo compromete princípios fundamentais de sustentabilidade, gestão territorial e políticas públicas ratificadas por Portugal no âmbito europeu e internacional e, além disso, parte de “pressupostos não sustentados por dados empíricos”.
Já a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) assinala a "importância das medidas de flexibilização" propostas pelo Governo, mas não está convencida de que os preços das casas venham a ser, de facto, acessíveis como é intenção do Governo.
O Executivo explica, no decreto-lei aprovado no final do ano passado, que "a maior disponibilidade de terrenos facilitará a criação de soluções habitacionais que atendam aos critérios de custos controlados e venda a preços acessíveis, promovendo, assim, uma maior equidade social e permitindo que as famílias portuguesas tenham acesso a habitação digna".
O objetivo, detalha, é "abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional, e definindo valores máximos para assegurar maior equidade".
Por valor moderado, o Governo entende as situações "em que o preço por m2 de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o território nacional ou, se superior, 125 % do valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225% do valor da mediana nacional”.
A lei tem estado envolta em polémica e somam-se as críticas dos partidos da oposição, associações, especialistas em habitação e ordenamento do território, arquitetura e agricultura e do próprio Presidente da República.
Apesar de ter dado luz verde ao diploma, a 26 de dezembro, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o regime de exceção constitui "um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território, a nível nacional e local".
Contudo, e "atendendo à intervenção decisiva das assembleias municipais e à urgência no uso dos fundos europeus e no fomento da construção da habitação" decidiu promulgar o diploma.
O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, afirmou, na semana passada, durante uma audição no Parlamento, a “total abertura para fazer uma discussão séria”, para “adaptar, melhorar” a lei.
Apesar de a lei entrar em vigor esta quarta-feira, será alvo de alterações no Parlamento, com o PS a exigir mudanças.
As alterações do PS ao diploma passam por, em vez do conceito de habitação de "valor moderado", a substituição "por conceitos já consolidados", nomeadamente de "habitação a custos controlados, bem como o arrendamento acessível, que limita os preços de mercado".
A proposta repõe o critério de contiguidade territorial, evitando qualquer interpretação "que permita o surgimento de ilhas urbanas no território" e propõe que seja "reposta a salvaguarda, eliminada pelo Governo, de que o regime excecional de reclassificação apenas se aplica após a verificação de solos urbanos disponíveis", assim como da demonstração dos impactos nas infraestruturas existentes e previsão de novas, e da "viabilidade económico-financeira da proposta", incluindo identificação de fontes de financiamento.
Outra alteração visa as áreas da REN, introduzindo "um segundo grau de verificação" que, respeitando "a vontade última das autarquias", seja elaborado em solos que não sejam exclusivamente públicos um parecer das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), não vinculativo.
Ainda em termos da REN, a proposta acrescenta às proibições de reclassificação para solo urbano as áreas "estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de aquíferos", de "elevado risco de erosão hídrica do solo" e de "instabilidade de vertentes".
Os socialistas querem ainda revogar a possibilidade de construir habitação destinada ao alojamento de trabalhadores agrícolas fora das áreas urbanas existentes e defendem a redução do prazo para concretizar as obras de urbanização em solos reclassificados, de cinco para três anos, eventualmente prorrogado em metade deste tempo após avaliação dos resultados.
Com SSP, RF e Lusa