Gentiloni diz que "não está muito preocupado com a despesa" e recorda tempos felizes com Costa
Os valores da despesa pública em Portugal ainda não suscitam "particular preocupação" à Comissão Europeia (CE), disse o comissário dos Assuntos Económicos, Paolo Gentiloni, reagindo assim às últimas análises e indicadores que apontam para uma aceleração dos gastos públicos, que este ano poderão aumentar a um ritmo bastante elevado face aos últimos anos, na ordem dos 10%.
Na apresentação de mais uma edição das previsões para as 27 economias da União Europeia, o alto responsável de origem italiana, que está em fim de mandato, assim como a restante CE (a nova tomará posse dentro de escassas semanas), primeiro elogiou Portugal pela forte compressão nas contas públicas e pela redução assinalável do peso da dívida que, em todo o caso, continua a ser dos maiores da Europa.
Questionado na conferência de imprensa sobre os mais recentes sinais de crescimento mais forte na despesa, Gentiloni declarou que “é algo que registamos, mas não estamos, neste momento, particularmente preocupados com o nível de despesa”.
Preferiu depois recordar o caminho até aqui e dizer que "toma nota do facto de, globalmente, continuar a haver uma situação orçamental muito boa”.
“Na nossa estimativa, Portugal continuará a diminuir o rácio da dívida, atingindo 90% [do PIB - Produto Interno Bruto] em 2026”, disse o comissário.
"Lembro-me, pessoalmente, quando celebrei com o então primeiro-ministro, que é agora o presidente [eleito] do Conselho Europeu, o facto de Portugal ter baixado a dívida para menos de 100% do PIB”. Estava a falar de António Costa.
Nas previsões agora divulgadas, a CE “prevê que o excedente do setor público de Portugal diminua" até 2026, afetado pelas "pressões crescentes sobre as despesas correntes, além das medidas de política orçamental que deterioram o saldo das receitas”.
Seja como for, a Comissão Europeia parece estar mais otimista do que o Governo e prevê um excedente orçamental de 0,6% do PIB este ano e 0,4% no próximo. O ministério das Finanças de Joaquim Miranda Sarmento prevê 0,4% e 0,3%, respetivamente.
No entanto, nestas novas previsões, Bruxelas revê em alta o excedente estimado para este ano face ao que dizia no exercício da primavera (maio), mas cortar ligeiramente na previsão do próximo ano. Em maior os valores previstos eram 0,4% e 0,5%, respetivamente.
CFP e BdP disparam alarmes
Recorde-se que esta semana, a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Nazaré Costa Cabral, criticou de forma muito veemente o rumo na despesa, confessando-se "de facto preocupada com o comportamento da despesa", disse na discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), que decorre no Parlamento.
A presidente da entidade que avalia as finanças públicas nacionais espera que esse crescimento dos gastos em 2024 seja "verdadeiramente excecional, anómalo e que não se torne um padrão".
"O país não suportaria termos taxas de crescimento de despesa anuais na casa dos dois dígitos", avisou, acertando para a taxa de crescimento homóloga da despesa estimada para este ano que "deverá ser próxima de 10%", muito acima da média dos últimos anos.
Em termos comparativos, a economista notou que a média de crescimento de 2021 a 2023 foi menos de metade, cerca de "4,2%".
A presidente do CFP alertou ainda que a despesa corrente primária [despesa corrente sem juros] "atinja também cerca de 10%" este ano, mais do dobro da média dos três anos precedentes (4,4%).
Ora, segundo Costa Cabral, "não é possível manter isto para a sanidade e salubridade das contas públicas".
Relativamente a 2025, a líder do CFP recordou que o Governo "está a prever uma variação da despesa de 6,6%", "uma desaceleração importante, mas que ainda está acima da média dos últimos anos".
Há cerca de um mês, Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal (BdP), também alertou para o crescimento da despesa corrente, que está hoje a aumentar "como não aumentava em muitas décadas".
"O exercício orçamental em 2024 revela crescimentos da despesa que não eram observados desde 1992", avisou Centeno na apresentação do boletim económico de outubro.
O governador admite que "este desenvolvimento tem uma explicação associada a efeitos desfasados da inflação", mas avisou logo que "já passámos por anos suficientes de execuções orçamentais para perceber o que significam" crescimentos da despesa pública corrente desta magnitude.
Além do mais, isto ocorre num contexto em que, nos próximos anos, "vamos ter que começar a pagar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), os empréstimos mas também a Europa como um todo", acrescentou.
Ou seja, "temos de começar a fazer contas com o PRR" e ter a noção de que "a dívida do PRR vai permanecer até aos próximos 30 ou mais anos", rematou o governador.