Vítor Gaspar, diretor do departamento de Assuntos Orçamentais, do FMI.
Vítor Gaspar, diretor do departamento de Assuntos Orçamentais, do FMI.EPA

FMI. Gabinete de Vítor Gaspar diz que governos têm de poupar mais para "acomodar" os novos gastos militares

Fundo Monetário Internacional mostra-se alarmado com o caos das tarifas e teme que, tudo somado, a dívida pública dispare até ao maior valor desde a II Guerra Mundial dentro de dois anos.
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O peso da dívida pública global pode atingir um recorde próximo dos 120% do Produto Interno Bruto (PIB) em menos de dois anos (em 2027), naquele que será "o maior nível desde a II Guerra Mundial", isto é, em mais de 80 anos, basta que a atual crise descambe ainda mais e empurre o mundo para uma era de crescimento débil e de gastos militares em crescendo, alerta o departamento de assuntos orçamentais do Fundo Monetário Internacional (FMI), gabinete que é dirigido pelo ex-ministro das Finanças português (governo PSD-CDS), Vítor Gaspar.

O cenário desenhado pelo FMI no novo Monitor Orçamental, divulgado esta quarta-feira, é problemático e leva a instituição a endurecer ainda mais a sua posição em relação às finanças públicas: se a crise ronda e ameaça piorar, os governos "têm de por a casa em ordem" e fazer escolhas o quanto antes pois "vão precisar de acomodar despesas novas e permanentes, como as da área da defesa".

"O aumento da dívida mundial exige que os países ponham a sua casa ordem no campo orçamental", diz o artigo do novo Monitor, que vem assinado por Vítor Gaspar (diretor do departamento), Era Dabla-Norris e Marcos Poplawski-Ribeiro.

"As mudanças políticas significativas atualmente em curso aumentaram a incerteza a nível mundial". Por exemplo, "a série de anúncios recentes de aumento de tarifas por parte dos Estados Unidos e as contramedidas de outros países aumentaram a volatilidade dos mercados financeiros, enfraqueceram perspetivas de crescimento e agravaram os riscos", referem os autores.

FMI: contribuintes terão de pagar "aumentos novos e permanentes da despesa, como na defesa"

Para o FMI isto configura um problema grande pois "estas medidas surgem num contexto de aumento dos níveis de endividamento em muitos países e de finanças públicas já sob pressão, que, em muitos casos, terão ainda de acomodar aumentos novos e permanentes das despesas, como é o caso da área da defesa".

Assim, neste novo escrutínio das Finanças Públicas "around the globe", o FMI prevê que, no cenário menos severo, o cenário central, "a dívida pública mundial aumente 2,8 pontos percentuais este ano", só que mesmo neste quadro menos grave o aumento previsto já é "mais do dobro face às estimativas para 2024".

Portanto, na melhor das hipóteses, "os níveis da dívida pública mundiais vão subir para mais de 95% do produto interno bruto (PIB)", sendo "provável que esta tendência ascendente se mantenha, com a dívida pública a aproximar-se dos 100% do PIB no final da década, ultrapassando os níveis da pandemia".

Mas pode ser ainda pior. Num cenário em que tudo descamba, com guerras comerciais e militares, a dívida terá de subir ainda mais para manter as economias e os orçamentos à tona e neste caso extremo, o fardo pode chegar a quase 120% do PIB, avisa a instituição sediada em Washington.

O departamento dos assuntos orçamentais explica ainda que "estes números baseiam-se nas projeções de referência do World Economic Outlook", divulgado esta terça-feira, que já "refletem os anúncios tarifários feitos entre 1 de fevereiro e 4 de abril", designadamente a bomba das tarifas recíprocas largada por Donald Trump, no dia 2 de abril.

Para o FMI, é tudo negativo. "Num contexto de grande incerteza política e de uma paisagem económica em mutação, os níveis de dívida poderão aumentar ainda mais".

"Neste contexto, a política orçamental enfrenta compromissos críticos: equilibrar a redução da dívida, criar almofadas orçamentais para fazer face a incertezas e satisfazer necessidades urgentes de despesa num contexto de perspetivas de crescimento mais fracas e de custos de financiamento mais elevados", diz o antigo credor de Portugal (anos 70, 80 e do tempo da troika, de 2011 a 2014).

Regresso à dívida da Segunda Guerra Mundial

"Os riscos de endividamento já eram elevados" se não fosse esta nova vaga de crise e de alta incerteza. Mas com tudo isto que aconteceu desde fevereiro, com as hostilidades abertas por Donald Trump, o Presidente dos EUA, e a total incerteza ou mesmo obscuridade no futuro próximo e de médio prazo, o cenário adensa-se ainda mais.

"De acordo com o indicador de risco de dívida do Monitor Orçamental, que utiliza dados até dezembro de 2024, num cenário severamente adverso, a dívida pública mundial pode atingir 117% do PIB até 2027", "o nível mais elevado desde a II Guerra Mundial e que excede as nossas projeções de referência em quase 20 pontos percentuais".

Gaspar e a sua equipa continuam os alertas, reiterando que "os riscos para as perspetivas orçamentais intensificaram-se mais" do que se esperava e que "os níveis da dívida podem aumentar muito além do valor que temos para as estimativas da dívida em risco, caso as receitas públicas [fiscais e contributivas, essencialmente] e o crescimento da economia recuem de forma mais pronunciada do que nas previsões atuais, reflexo do aumento das tarifas aduaneiras e do enfraquecimento das perspetivas de crescimento".

Além disso, e não menos importante, "a escalada na incerteza geoeconómica pode agravar os riscos de endividamento, aumentando a dívida pública" devido à pressão vinda do aumento das despesas públicas, "em especial no setor da defesa", repete a equipa de economistas do Fundo.

Fonte: FMI

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