Luís Tibério já tivera um choque quando percebeu que o seu T3 em Cascais, que, no Programa Arrendar para Subarrendar (PAS), arrendou ao Estado — através do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) — em outubro de 2024, por 1200 euros mensais, está até agora, oito meses depois, vazio. Em plena emergência habitacional, tem o Estado a pagar-lhe para manter uma casa fora do mercado, e o seu caso não é, como o DN noticiou em fevereiro, o único: há inclusive casas públicas no PAS, igualmente vazias. Agora, porém, este programador informático descobriu que o principal chamariz do PAS — a isenção total de IRS quando a renda não ultrapassa um determinado valor— não é automática.Quando aderiu ao programa ficou com a ideia, explica ao DN, de que a isenção seria automática — estava a arrendar ao Estado, o normal seria que se o Estado o isentava de IRS, soubesse que está isento. Mas ao começar a tratar desse imposto deparou-se, na simulação, com um valor de cobrança elevadíssimo: “O valor pago pelo IHRU aparece como não estando isento, o sistema englobou os rendimentos [as rendas mais o produto do trabalho] e o resultado é que tenho, por ter recebido o valor de um ano de rendas no ato de assinatura do contrato, mais de 3800 euros para pagar.”Alarmado, enviou um pedido de esclarecimento ao IHRU, que partilhou com o DN. Neste, lê-se: “Recebi há dias o documento dos rendimentos IRS-IRC emitido pelo vosso departamento financeiro. Na altura da elaboração do acordo fui informado dos benefícios fiscais existentes para os contratos cujo valor da renda não ultrapasse os limites gerais de preço de renda por tipologia e em função do concelho onde se localiza o imóvel, o que é o meu caso (T3 Cascais — 1200€ mensais ). Para meu espanto, quando tento submeter e validar o IRS de 2024 tenho a pagar cerca de 4000€ correspondente ao rendimento predial obtido neste contrato. (…) Agradeço que me corrijam a declaração emitida e reenviem para a AT (…).”A resposta do IHRU, que mostrou ao DN, está assinada pela Direção de Gestão Financeira/Departamento de Contabilidade e informa-o de que “o valor da renda está sujeito a tributação. No entanto, no âmbito da medida inscrita no Pacote Mais Habitação -- Programa Arrendar para Subarrendar, este encontra-se isento de tributação.” Após esta aparente contradição, a comunicação prossegue, explicando que o proprietário com direito a esta isenção não pode apresentar a declaração de IRS de forma automática: “Para beneficiar desta isenção, será necessário preencher corretamente a Declaração de Rendimentos modelo 3 do IRS. Importante salientar que, para garantir o direito à isenção, a declaração não poderá ser submetida de forma automática.”“Parece que vivemos num Estado mafioso”Em conversa com o DN, Luís Tibério dá mostras da sua frustração: “Parece que não vivemos em 2025, e que vivemos num estado mafioso. Faz algum sentido que o IHRU não comunique à AT a isenção em causa? Arrendei ao Estado e tenho de informar o Estado de que me arrendou um imóvel? Ainda por cima, quando se entra no site do IHRU, na parte relativa ao arrendamento acessível, se queremos registar um apartamento nesse programa — estive lá a ver como funciona — aquilo está diretamente ligado à AT, vamos parar ao site da AT.” Suspira. “Toda a vida fiz a declaração automática de IRS, mas perante isto fiquei com receio e contratei uma técnica oficial de contas para ter a certeza de que fica tudo bem feito e não tenho mais surpresas.” Porque tem tido várias: igualmente proprietário de um imóvel com renda congelada, no Montijo, um T3 cujo inquilino, deficiente e filho dos locatários originais, que celebraram contrato de arrendamento em 1971, lhe paga 28,85 euros mensais, foi, como o DN noticiou esta segunda-feira, confrontado com uma nota de cobrança de IMI que ignora a isenção decretada, no Orçamento de Estado de 2024, para os imóveis com rendas congeladas cujos donos, como foi o seu caso, requereram essa mesma isenção. ."Faz algum sentido que o IHRU não comunique à AT a isenção em causa? Arrendei ao Estado e tenho de informar o Estado de que me arrendou um imóvel?".Mas, explica, já esperava mais essa confusão num processo — o da “compensação por rendas congeladas” — que tem sido, como o DN tem vindo a reportar, um caos absoluto (a ponto de o próprio ministro da Habitação, Miguel Pinto Luz, o ter denominado de “dantesco”), merecendo em abril uma recomendação da Provedora de Justiça ao Governo, para que sane “com celeridade” os vários problemas existentes e pague juros de mora pelos atrasos. Tendo direito, com base na fórmula fixada para a dita compensação (que é baseada no Valor Patrimonial Tributário dos imóveis, nestes casos geralmente bastante baixo, por terem muitas décadas, e portanto um alto coeficiente de vetustez), a 185,80 euros mensais, a pagar pelo IHRU, este proprietário, que requereu a compensação logo em julho de 2024, quando o processo se iniciou, recebeu-a pela primeira vez em dezembro — sem que antes o IHRU, obrigado por lei a deferir ou indeferir os pedidos no prazo máximo de 30 dias, o tivesse informado, como impõe o Código de Procedimento Administrativo, da decisão ou do cálculo efetuado. O caos do IHRU e AT nas rendas congeladasDesde que o IHRU iniciou o pagamento dessa indemnização, Luís Tibério, como os senhorios nas mesmas circunstâncias, tem-na recebido com atraso — o IHRU fixou o dia 8 de cada mês como limite para o pagamento mensal, mas atrasa-se sistematicamente; a transferência de maio ainda não foi, à data desta notícia, efetuada, nem dada qualquer justificação para o facto (aliás, o IHRU, questionado pelo DN sobre as sucessivas falhas ocorridas neste processo, nunca responde — nem sequer sobre o número de pedidos de compensação que ali entraram, os que foram já deferidos e os que estão a pagamento) e, muito menos, pagos os juros de mora recomendados pela Provedora de Justiça.“Esta compensação não compensa de nada”, comenta este proprietário. “A minha linha é centro-esquerda social e nunca quis prejudicar o inquilino, acho bem que tenha proteção, até porque é uma pessoa com deficiência. Mas quando este apartamento chegou às mãos dos meus pais, em 1992, a renda era, ainda em escudos, o correspondente a oito euros e tal, o que obviamente não permitia fazer manutenção. E até agora pagava mais de seguro e IMI do que recebia de renda. Mesmo com esta compensação, qualquer reabilitação corresponde a muitos anos de renda. Acho que o Estado deveria subsidiar os proprietários nesta situação por um valor razoável -- não o de mercado, porque o mercado está louco --, mas que dê para a manutenção.”Saturado de fazer um papel que cabe antes de mais ao Estado, propôs ao IHRU que lhe compre o apartamento com renda congelada. “Pedi um preço médio. Se querem prover aos inquilinos, acho que devem fazê-lo diretamente, sem impor esse ónus a privados. Mas não me responderam.”Falta de resposta é mesmo, como já referido, o mais normal no IHRU. A 14 de maio de 2025, mais de dez meses após o início do processo de compensação (como já referido, iniciou-se a 1 de julho), e quando a lei impõe que os senhorios renovem anualmente o respetivo pedido, este instituto ainda não publicou qualquer instrução relativa à renovação e a quem o interpela diz para aguardar que o formulário em causa seja colocado no site. Mesmo se, nesse mesmo site, adverte que as renovações devem ser efetuadas dois meses antes do término da vigência da compensação a pagamento.Acresce que o direito à compensação está dependente do reconhecimento, pela AT, da isenção de IMI legislada para os imóveis com rendas congeladas, e de um documento da mesma fonte comprovando a isenção. Caso essa isenção seja recusada pela AT, os senhorios têm de devolver os valores pagos pelo IHRU. Como noticiado, todos os senhorios que requereram a compensação tiveram de pedir, desde julho de 2024, esse comprovativo à AT. Esta, até ao momento da conclusão desta notícia, não respondeu a tal pedido nem tão-pouco esclareceu quando o fará. O DN requereu, sem sucesso, ao ministério das Finanças um esclarecimento sobre a ausência de resposta da AT ao pedido de isenção de IMI. Já sobre a não isenção automática de IRS relativo aos rendimentos provenientes do Programa Arrendar para Subarrendar, o ministério enviou esta quinta-feira, a seguinte resposta: "O Decreto-Lei n.º 38/2023, de 29 de maio, prevê a aplicação da isenção de IRS, prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio, aos contratos de arrendamento para fins habitacionais celebrados entre o IRHU e os proprietários dos imóveis ao abrigo do seu artigo 8.º.Assim, o regime fiscal aplicável aos contratos enquadrados no programa arrendar para subarrendar é o mesmo do programa de apoio ao arrendamento criado pelo Decreto-Lei n.º 68/2019, devendo os correspondentes rendimentos ser declarados nos quadros 6D ou 6E do Anexo F da declaração de IRS (modelo 3) - que se destinam a identificar os imóveis arrendados ou subarrendados que beneficiam do regime fiscal previsto no referido Decreto-Lei n.º 68/2019."NOTA: Texto alterado às 13H59 de 16 de maio, para acrescentar a resposta do ministério das Finanças..Rendas Congeladas: Fisco justifica cobrança ilegal de IMI com “falta de ferramentas informáticas”.Rendas Congeladas: Fisco está a cobrar IMI a imóveis isentos