Apesar do atraso de dois anos, o Governo promete que o primeiro leilão eólico offshore vai ocorrer no próximo ano. A instalação de eólicas flutuantes ao largo da costa portuguesa, para gerar 2 gigawatts (GW) de eletricidade até 2030, deverá exigir investimentos na ordem dos nove mil milhões de euros - ou seja, 4,5 milhões de euros por cada megawatt (MW), que poderão criar entre 5000 e 13 561 empregos, assegurando uma contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB) de até 1,7 mil milhões de euros, de acordo com uma estimativa da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (Apren), que contabiliza apenas os futuros parques eólicos no mar ainda sem ligações à rede elétrica..Os valores foram partilhados com o DN por Pedro Amaral Jorge, presidente da Apren, fazendo uma “interpolação linear”, que representa 20% dos números calculados, inicialmente, para uma capacidade de 10 GW. O impacto estimado visa não só o setor energético, mas também atividades industriais e serviços, havendo, no entanto, passos a dar até lá..Ter infraestruturas eólicas no mar não é uma novidade. Países como Alemanha, França, Bélgica Irlanda ou Noruega são exemplos. E a União Europeia espera que a energia eólica offshore passe de 3% para 25% do consumo de eletricidade até 2050. Em Portugal, 0,03 GW da eletricidade já tem origem no vento marítimo..Nos anos de governação de António Costa (PS) foi anunciada a intenção de ter capacidade de produzir até 10 GW através de éolicas offshore a partir de 2030. A realização de leilões eólicos offshore foi apontada para 2023. Uma revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030) levou à redução da capacidade a instalar para 2GW. Aliás, o PNEC prevê que o investimento nas turbinas eólicas no mar andará entre 2,3 e 13,1 mil milhões de euros, mas para um horizonte temporal de 15 anos e não de cinco..Com a demissão de António Costa, em novembro do ano passado, os leilões não aconteceram. Em março, o anterior Governo ainda apontou para junho deste ano, mas o novo Governo esclareceu, recentemente, que a complexidade dos procedimentos técnicos só permitem lançar o primeiro leilão em 2025..“Parece-nos realista ter o primeiro leilão em 2025”, comentou o presidente da Apren, realçando a importância de o país começar a ter acesso a energia eólica produzida no mar. Segundo Pedro Amaral Jorge, ter turbinas eólicas a gerar energia na costa portuguesa “não é apenas relevante para a produção de eletricidade”. “Também é importante para se poder produzir hidrogénio verde em offshore e trazer a cadeia de valor a montante de um conjunto de indústrias. Desde a metalomecânica à construção, etc., há uma quantidade de oportunidades para empresas da fileira industrial e da fileira dos serviços, que estarão envolvidas no desenvolvimento do eólico offshore”, argumentou..O gestor admitiu, todavia, ser “provável” que os 2 GW não estejam todos “instalados e a operar” em 2030. “O importante”, referiu, é que o país “não se desvie das metas europeias, que são para a década”. Ou seja, “a prioridade é arrancar e alinhar toda a cadeia de valor”. Se no próximo ano acontecer o primeiro leilão, “se tudo estiver em curso e alinhado, será uma questão de tempo”. .“Não vamos pôr em causa as metas e o PNEC 2030 se projetos para 15 ou 20 anos se atrasarem 18 ou 24 meses”, disse. No entanto, vincou que “o primeiro leilão não pode passar de 2025”..Os passos que faltam dar.“Os operadores precisam de sinais de que o processo não morreu, é fundamental”, frisou o líder da Apren..Há ainda alguns passos a dar para o primeiro leilão arrancar. Desde logo, definir como irá decorrer, qual o desenho e modelo. “É expectável que comece com uma pré-qualificação técnica e uma pré-qualificação financeira dos promotores candidatos, o que poderá ocorrer até ao final deste ano ou no primeiro trimestre de 2025. Só depois de avaliar o interesse dos promotores - quem são, que estrutura financeira têm e o que pensam fazer - é que será feito o leilão, que será anunciado como um todo mas será feito a dois tempos”, explicou Pedro Amaral Jorge..“Primeiro haverá uma atribuição do leito marítimo [das áreas onde poderão ser instaladas turbinas eólicas]”, disse. É esse o leilão que vai ocorrer em 2025..Mas para poder fazer o leilão em duas fases diferentes, o Governo terá de corrigir, ainda este ano, o Decreto-lei 15/2022. Falta também aprovar e publicar o Plano de Afetação das Energias Renováveis Offshore (PAER), onde estarão definidas as áreas marítimas onde poderão ser instaladas turbinas eólicas. Para a Apren, as zonas costeiras de Setúbal para Norte deverão ser as indicadas..Ao DN, fonte oficial do Ministério do Ambiente e Energia (MAE) afirmou, sem detalhar, que o PAER foi sujeito a revisão “para acautelar um conjunto de aspetos relevantes e, muito brevemente, deverá ser sujeito a aprovação legislativa”..Atribuídas as áreas às empresas concorrentes, decorrerão “dois ou três anos” de instalação da tecnologia , estudo da qualidade do vento, de impactos ambientais e análise à geofísica marítima, segundo o presidente da Apren. Só depois se avançará para uma segunda fase de novos leilões e atribuições..Impacto nos preços.A segunda fase servirá para o Governo “pôr em marcha” atribuições da rede elétrica às turbinas instaladas ao largo da costa. Também será na segunda fase que se atribuirão contracts for difference (CfD), determinando “o valor do preço ao qual se vai vender a eletricidade”. Ainda não há um calendário para essa parte do leilão, mas o Executivo já prevê um custos abaixo dos 85 euros por MW/hora, para os futuros contratos de produção de eletricidade offshore..Filipe Grilo, economista da Porto Business School, realçou ao DN que “os custos iniciais” associados às eólicas offshore são “significativos” e as empresas interessadas vão “exigir um modelo de remuneração que permita compensar o investimento”..“Tipicamente, em projetos deste tipo, o Governo concede subsídios [aos promotores] por unidade de energia produzida para garantir a viabilidade económica”, afirmou, defendendo que no curto prazo “é provável” que o custo do leilão “impeça uma redução imediata no preço da eletricidade para os consumidores”..Pedro Amaral Jorge, da Apren, rejeita que venham “a existir impactos negativos nos preços”..Para acautelar custos e impactos nos preços, contou fonte oficial do MAE, o Governo “está a procurar apoio financeiro junto da Comissão Europeia e junto dos mecanismos das Common European Facilities”. Está já acordado que o Luxemburgo vai investir o equivalente a 500 MW. Haverá mais países interessados, mas o ministério não revelou quais são..Quanto aos CfD, o objetivo é “que haja um apoio à tecnologia quando os preços da energia em mercado estão baixos, mas, por outro lado, quando os preços de energia em mercado estão altos, permita-se também alguma proteção aos consumidores, visto que os promotores devolvem ao sistema a diferença em relação ao valor de remuneração que lhes foi atribuído no procedimento concorrencial”. .O desenho do leilão será decidido “em breve”, assegurou fonte oficial do MAE, lembrando que um grupo de trabalho, envolvendo a DGEG, o LNEG, a ERSE, a Apren e a REN, continua a estudar os impactos económicos..O Governo também está “a olhar para a dimensão industrial”, considerando “as oportunidades de atração de investimento e criação de emprego”. O DN contactou a AICEP para saber se há um pipeline de investimentos, no âmbito das eólicas offshore. Fonte oficial disse que a agência, que angaria investimento estrangeiro, “trabalhou” com o Governo “para a criação de um mecanismo de apoio dirigido a projetos para criação de capacidades industriais para a produção de equipamentos para produção de energias renováveis, tais como as turbinas eólicas”, mas não revelou se há potenciais investimentos identificados..Empresas interessadas.No final de 2023, a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) divulgou uma lista de 50 empresas interessadas em participar no primeiro leilão, incluindo a Ocean Winds (joint-venture da EDP e Engie), a Galp e Total em consórcio, bem como a Mota Engil, a Greenvolt, a Finerge ou a Iberdrola. Das 50 interessadas, empresas como a norueguesa Equinor e a dinamarquesa Ørsted terão, entretanto, desistido de esperar..Fonte oficial do MAE garantiu que “não houve nenhuma comunicação oficial de desistências”. “Nem tem sido essa a indicação dos vários promotores que temos recebido. Inclusivamente, existem novos promotores a assinalar interesse”, asseverou..O líder da Apren recordou que houve, em janeiro, “uma interação entre todos os promotores”, organizada pela associação setorial que preside, “para dar resposta às perguntas que estavam a ser colocadas [por potenciais interessados]”, mas não revelou se houve sinais de haver menos ou mais interessados..Impacto ambiental.Num parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) sobre o PAER, que está por aprovar e publicar e condicionará os projetos eólicos offshore, surgiu o alerta para que ao impacto económico da tecnologia acresce o impacto ambiental..João Dias da Silva, especialista em Gestão da Sustentabilidade da Porto Business School, defendeu ao DN que há que ter em conta “um conjunto de impactos ambientais negativos, nomeadamente associados aos ecossistemas marinhos e a atividades como a pesca”. Por isso, salientou que o Governo “tem a obrigação de agir e mitigar essas situações”. .Para encontrar soluções, defendeu que, “será importante assegurar a realização periódica de avaliações ambientais independentes e credíveis, incluindo estudos detalhados sobre os ecossistemas costeiros e as atividades de pesca”, bem como promover a investigação e o desenvolvimento de tecnologias cada vez menos invasivas em termos ambientais, e mais versáteis e eficientes em termos funcionais”..“Implementar programas permanentes de monitorização ambiental, que permitam detetar e mitigar impactos adversos, possivelmente não-previstos, das instalações que se encontrem a operar” é outra sugestão, que poderá passar pela “criação de fundos de compensação ambiental, com contributos proporcionais por parte das entidades de exploração e exclusivamente dedicados à conservação dos ecossistemas marinhos” “É uma opção que poderá ser estudada”, concluiu.