Passaram 3726 dias. Nesse domingo, 3 de agosto de 2014, pelas onze da noite, Carlos Costa, na altura governador do Banco de Portugal, em menos de meia hora, anunciava a queda de um império perante “a evidência de falhas de controlo e atos de gestão danosa”..“O Banco Espírito Santo encontra-se numa situação de grave desequilíbrio financeiro (…) nos últimos dias houve um rápido e significativo agravamento da situação do BES (…) tornou-se imperativo e urgente adotar uma solução que simultaneamente: garantisse a proteção dos depósitos; e assegurasse a estabilidade do sistema financeiro (…) o Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo, SA uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do Banco Espírito Santo é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”, revelou..Depois deste anúncio - a criação do banco “bom” e o banco “mau”-, uma garantia: “A medida de resolução agora decidida pelo Banco de Portugal (…) não terá qualquer custo para o erário público, nem para os contribuintes”..Três semanas antes, em resposta às dúvidas da então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, Carlos Costa, numa carta enviada a 7 de julho, garantia que “a situação de solvabilidade do BES é robusta”. .Maria Luís Albuquerque que tinha sido alertada por “diversos responsáveis no grupo e no Banco” para um cenário de “instabilidade financeira” - alguns dos “riscos” eram até notícia - pediu explicações a 23 de junho, porque “não obstante, V. Exa tem asseverado, nos nossos múltiplos contactos, que o Banco de Portugal identificou e conteve os riscos derivados da atividade não-bancária na atividade bancária do grupo BES”. .Durante esse mês de julho, as ações caíram em bolsa, as empresas do grupo entram em reestruturação, o suíço Banque Privée Espírito Santo atrasou o reembolso a clientes que investiram em dívida da ESI e começou a fuga de depósitos no BES. .Nem a descoberta de Vítor Bento [na nova gestão do banco], revelada a 30 de julho, de que as contas do BES revelavam prejuízos de 3,6 mil milhões de euros e que havia irregularidades financeiras e legais, demovem Carlos Costa. No dia seguinte, o golpe final: o BCE diz ao Banco de Portugal que o BES será suspenso das operações de política monetária. .A robustez de 7 de julho, garantida pelo governador do Banco de Portugal, transformou-se em “grave desequilíbrio financeiro” a 3 de agosto - entre as duas datas aconteceu uma inesperada “descapitalização” no banco que altera todos os pressupostos que suportavam a certeza inicial..Passos Coelho, então primeiro-ministro, garantiria no dia seguinte, 4 de agosto, que a decisão tomada - o banco “mau” e o banco “bom” - oferecia “seguramente maiores garantias de que os contribuintes portugueses não serão chamados a suportar as perdas que, neste caso, respeitam pelo menos a má gestão que foi exercida pelo BES”..“O que no passado tivemos e que não deveria voltar a repetir-se e não vai voltar a repetir-se, é serem os contribuintes a serem chamados à responsabilidade por problemas que não foram criados pelos contribuintes, por isso é natural que sejam os acionistas e a dívida subordinada, nos termos da nova legislação, a responsabilizarem-se pelas perdas que venham a ocorrer”, assegurava. .O que aconteceu? Auditorias, três comissões de inquérito, dívidas a credores, incluindo depositantes, e duas certezas de milhões: A resolução do BES já custou ao erário público cerca de 8 mil milhões de euros, principalmente através de injeções de capital público pelo Fundo de Resolução, mas pelas contas do Ministério Público relativas aos seis processos criminais do universo GES aponta-se um total de 18 mil milhões de euros de prejuízos por crimes associados à derrocada do BES. .No caso principal está em causa um valor superior a 11,885 mil milhões de euros em vantagens auferidas com as alegadas práticas dos crimes. .O que está por acontecer? O julgamento principal que começa esta terça-feira e um distante 2046 - ano em que termina o prazo para o Fundo de Resolução reembolsar os empréstimos contraídos para capitalizar o banco. O valor ronda os 5 mil milhões, mas pode aumentar dependendo do que for decidido em tribunal..Até agora, a queda do império BES já valeu multas de milhões a Ricardo Salgado, e a outros administradores do banco, e condenações noutros processos por crimes cometidos enquanto líder do banco. .No processo extraído da Operação Marquês, Salgado foi condenado a seis anos de prisão efetiva, pena mais tarde agravada para oito anos pela Relação de Lisboa e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça. No caso EDP, onde foi acusado de corromper o antigo ministro da Economia Manuel Pinho, no Governo de Sócrates, em favor do banco, foi condenado a seis anos e três meses de prisão. .Já resolvido, ficou o caso da assinatura de José Eduardo dos Santos que valia milhões de euros. Em dezembro de 2013, o então presidente angolano, autorizou uma garantia de 5,7 mil milhões via BES Angola. O BdP recusou alegando falta de informação fundamental: “Qual o efetivo objeto dessa garantia”. O caso foi a Tribunal. Salgado contestou que um “Estado [Portugal] que tenha desprezado uma garantia de outro Estado [Angola]”, mas o Tribunal Administrativo de Lisboa deu razão ao governador do Banco de Portugal..3726 dias depois da noite de 3 de agosto de 2014, o principal arguido, Ricardo Salgado, vai a julgamento acusado de 62 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, burla qualificada, falsificação de documento e branqueamento..Porém, os 62 crimes que já foram 65 podem ainda ser menos. O Ministério Público indica que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro. Mas há mais: em janeiro de 2025 prescrevem mais três crimes de falsificação de documento, no final de fevereiro cai um de infidelidade e até 28 de março tombam outros três de infidelidade..A prescrição pode também, até ao final do primeiro trimestre de 2025, reduzir o número de crimes apontados, nomeadamente, aos arguidos Francisco Machado da Cruz, Amílcar Morais Pires, Pedro Góis Pinto, Pedro Almeida e Costa, Cláudia Boal Faria, Etienne Cadosch, Michel Creton, João Alexandre Silva e Nuno Escudeiro. .Neste megaprocesso - com mais de quatro mil páginas - estão causa mais de 300 crimes que envolvem 18 arguidos, 733 testemunhas e 135 assistentes. A sala de julgamento, no Tribunal Central Criminal de Lisboa vai ter 67 lugares para advogados de defesa e assistentes, além de acolher 16 arguidos singulares e público..O julgamento será transmitido em direto para duas salas de imprensa com capacidade para 32 profissionais de comunicação social, e estavam a ser avaliados outros espaços para permitir o acompanhamento à distância por mais assistentes e público..Da queda ao julgamento.1 de setembro 2015 A venda falhada. A 30 de agosto, o Banco de Portugal anuncia que recebera três propostas para a compra do Novo Banco. A 1 de setembro, é anunciado que não houve acordo para a venda do “banco bom”. Dias mais tarde, o banco interrompe a venda.3 de agosto 2014 A queda. Foi neste dia que o Banco de Portugal tomou o controlo do BES, anunciando a separação da instituição em duas, no chamado “banco mau” (que ainda tem o nome do BES) e o “banco bom”, com ativos não-problemáticos, foi designado Novo Banco.18 de outubro 2017 A venda bem sucedida. Na manhã do dia 18 de outubro de 2017, o fundo americano Lone Star assinava o acordo para a compra do Novo Banco. Ao todo, a Lone Star ficou com uma participação de 75% do “banco bom” a troco de mil milhões de euros.15 de outubro 2024 O julgamento. Dez anos volvidos desde o anúncio do Banco de Portugal, arranca esta terça-feira o julgamento do caso BES. O rol de arguidos é grande, sendo Ricardo Salgado o mais mediático. Há vários crimes que podem prescrever em breve. .Com Lusa